Sem CNPJ, sem sede, sem equipe fixa, sem contratos de trabalho, sem remuneração pré-determinada. Assim funciona a Dervish, uma rede de cultural hackers, que atua no mercado de comunicação para marcas de uma forma disruptiva.
A saber: cultural hacking é o processo de infiltrar-se em um sistema e mudar seus códigos culturais. A proposta da Dervish é encontrar o real propósito das marcas através de um trabalho profundo de investigação de pessoas, sociedades e organizações pra levantar bandeiras inspiradas nos novos valores emergentes, que façam sentido nesse mundo em transição.
Isso é concretizado através da elaboração de posicionamento de marcas, estratégia de comunicação e inovação e movimentos culturais, tendo como objetivo a defesa de causas transformadoras, das quais a sociedade é convidada a fazer parte. A intenção é que essas causas e movimentos se tornem independentes da empresa que apadrinhou a iniciativa.
Eles possuem uma carteira de clientes bastante variada: Pepsico, Nestlé, Mondeléz, Unilever, Anhembi Morumbi, IdeaZarvos, e alguns negócios sociais, como Instituto Alana , Instituto Elos, e Yunus Negócios Sociais. Recentemente, desenvolveram um trabalho de pesquisa, para a marca de cerveja Skol, sobre os movimentos culturais emergentes na Bahia.
A BUSCA PELA COERÊNCIA
A Dervish foi criada em outubro de 2013 pelos profissionais Max Nolan Shen, 38, e Ana Claudia Schmidt, 34. Ambos acumulavam mais de dez anos de experiência em consultorias e agências, nas áreas de planejamento e estratégia. Na época, Max, que havia acabado de deixar a então agência PeraltaStrawberryFrog, viu seu interesse por movimentos culturais aumentar. Ana, que já havia trabalhado com ele, decidiu apostar em uma jornada empreendedora ao lado do amigo.
No início, os dois sócios contavam com uma equipe de três planners, uma sede, com escritório decorado, folha de pagamento, expediente de oito horas, e um line up de clientes com marcas como Toddynho, Azeite Gallo e Aveia Quacker. O desejo era tornar-se a maior empresa de planejamento do mundo. Aparentemente, tudo caminhava bem, mas eles estavam desconfortáveis, como conta Max:
“Sentia que o trabalho ainda não era relevante. Os projetos em si eram inovadores, mas os processos não. Faltava um modelo de negócio coerente.”
A primeira virada de chave aconteceu quando Tulio Notini, 29, que já atuava como freelancer pra Dervish, foi convidado para fazer parte do quadro de funcionários. A proposta financeira inicial estava abaixo de suas expectativas, por isso Tulio lançou uma contraproposta, que de cara foi negada: trabalhar seis horas por dia, home office, com flexibilidade de horários. “Me dei conta de que eu também queria trabalhar de casa e ter flexibilidade. Mas, na época, estávamos replicando um modelo antigo, que eu mesmo já não acreditava mais. Esse episódio foi a gota d’água para fazermos a transição.”, diz Max.
Enquanto Ana saía de licença maternidade, Max transitava pela Laboriosa 89 e conversava com gente como Eduardo Seidenthal, que havia transformado a sua empresa em uma rede de colaboradores, a Rede Ubuntu. Aqueles movimentos e conceitos faziam muito sentido para Max, assim como a ideia de gerar eficiência coletiva em arranjos e sistemas que colaboram para a evolução da criatividade. Estava claro: a Dervish precisava mudar seu modelo de funcionamento. E assim foi.
UM NOVO MODELO DE NEGÓCIO
Em agosto de 2014, renascia a Dervish. No novo arranjo, não havia espaço físico nem funcionários. Pessoas eram convidadas a participarem dos projetos, como sócios empreendedores que faziam parte uma empresa na qual os fundadores eram os donos da marca e ganhavam uma porcentagem sobre os projetos realizados.
Algo seguia incomodando. A ainda presente centralização não dava espaço para o protagonismo, o que gerava alta rotatividade de colaboradores e pouco senso de apropriação. Era necessário ir mais fundo na reinvenção. “Na verdade, era mais uma pirâmide do que uma rede”, afirma Max.
A chegada de Adriana de Queiroz, a Kica, 45, hoje uma das protagonistas da Dervish, impulsionou mais mudanças no negócio. “Me encantou o desprendimento e a vontade de reinvenção dos dois.”, diz. Outro fator determinante para a evolução da empresa foi o fato de Ana, uma das sócias fundadoras ao lado de Max, estar em licença maternidade, como ela mesma conta:
“Foi necessário que eu deixasse de ser sócia-fundadora para me tornar mais uma colaboradora, como os demais.”
Na medida em que Max “abria” mão da empresa, mais as pessoas se empoderavam dela. Em dois meses, uma nova configuração surgiu, mais alinhada com os valores compartilhados por todos os colaboradores. Qualquer forma de centralização de decisões foi eliminada, houve uma abertura da marca e o ganho dos sócios sobre o trabalho dos demais membros foi eliminado.
Eles são um grupo de 16 empreendedores, membros, sócios e colaboradores, tudo ao mesmo tempo. Todos têm projetos fora da Dervish e isso é visto com bons olhos, por trazer fertilidade e frescor para dentro de casa. Hoje, eles entendem a empresa como um movimento autopoiético, ainda que não haja consenso total sobre isso.
Autopoiese é um termo cunhado na década de 70 pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana para designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios e se autorregularem. Mas, como isso se relaciona com a Dervish? De algumas maneiras.
Ali, o modelo de prospecção é orgânico: a organização interna é definida de acordo com cada cliente trazido pela rede. Não há muitas pré-definições ou acordos, a não ser que quem prospecta o cliente escolhe a equipe do projeto e ganha uma comissão de 10%. Do valor total de cada projeto, 3% vai para a Dervish aplicar no desenvolvimento de seus colaboradores. O capital inicial sai do bolso de cada um dos participantes da equipe formada.
A cada rearranjo de pessoas, uma nova forma de gestão. Os sócios de cada projeto definem como será seu funcionamento, da definição do papel e responsabilidades de cada participante à remuneração, passando por capital investido. Os projetos funcionam como zonas autônomas temporárias que se desfazem quando finalizados.
MODELO BASEADO NA AUTOGESTÃO E NO PROTAGONISMO
A diversidade de pessoas faz com que o campo para criação e desenvolvimento de projetos seja muito fértil na Dervish. Majoritariamente, os colaboradores moram em São Paulo, mas alguns estão alocados nos Estados Unidos e França. Em comum eles têm os anos de experiência com planejamento de comunicação e a vontade de empreender em negócios com propósito. No momento, estão abertos para a chegada de outros colaboradores com expertises variadas.
Por ser um sistema que pratica a autogestão, não há hierarquia, cargos nem papéis definidos. Faz parte de ser Dervish enxergar tudo que surge como um sistema de feedbacks e os desafios costumam ser encarados como uma oportunidade para a evolução de cada um. “Exercitamos nosso protagonismo diariamente aqui, pois temos um campo de infinitas possibilidades de realização. Mas, precisamos cuidar para que as coisas aconteçam de fato”, diz Evelin Giometti, 34, umas das colaboradoras da rede.
Por outro lado, a autogestão pode trazer desvantagens, como a demora em concluir tarefas e projetos que sofrem com a falta de liderança. Mas, para Max, sócio-fundador, esse ainda é o modelo mais acertado. “Nossa experiência nos mostra que tudo acaba se autorregulando.”
A entrada de novos participantes se dá de forma orgânica, a partir de um pareamento do perfil e valores dos candidatos com o propósito do grupo. Não existe entrevista de emprego nem formulário a ser preenchido, mas sim perguntas-chave que trazem um convite de reflexão. “Se houver sinergia, naturalmente a pessoa vai se encaixar no grupo. Só queremos ter o cuidado de que esse não seja um espaço de transição de carreira”, diz Ana Claudia Schmidt.
O que certamente todos compartilham é a vontade de construir algo relevante. “Queremos ajudar pessoas e organizações a construírem esse futuro que está aí. O mundo está grávido de outro mundo e nós queremos fazer parte desse parto”, conclui Kica.
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