À primeira vista, a cena não é muito diferente de qualquer happy hour: começo de noite, gente reunida, comida e bebida. No entanto, quase ninguém se conhece, não há ninguém distraído com o smartphone e ninguém fala mal do chefe, do time que está perdendo ou do trânsito que não anda. Entre os presentes há um filósofo, e ele ocupa o protagonismo da conversa discorrendo sobre um tema que costuma passar longe das mesas de boteco: solidão. Não, não é um happy hour: é a segunda edição do Panela, um experimento social e gastronômico concebido pelo turismólogo André Nery e pelo psicólogo Guilherme Alves, ambos com 26 anos.
Eles não são de São Paulo e se conheceram trabalhando no Google. A verdade é que talvez o Panela não tivesse nascido se não fosse a dureza da vida na capital paulista. Carioca, André conta: “Eu me incomodava com o modelo de um happy hour comum que via por aqui, onde as pessoas só se encontram para falar de trabalho, carro, sucesso, dinheiro, mulher, homem”. O baiano Guilherme também acredita que viver em São Paulo ajudou a dupla a desenhar o conceito do Panela:
“Hoje as pessoas não param mais para jantar, para fazer uma refeição juntas, conversar sobre temas mais profundos. Tudo é no modelo do fast food, e para quem é de fora de São Paulo não ter esse encontro marca muito”
A afinidade e a saudade de casa uniram os dois, que dividem um apartamento no Itaim há cerca de dois anos. Ali, em setembro de 2014 começou a ganhar corpo a ideia de um jantar mensal que acontecesse a cada vez em um lugar diferente, escolhido a dedo, com um chef diferente e um convidado protagonista. Em fevereiro finalmente aconteceu a primeira edição, protagonizada por Maria Vilani, educadora e mãe do rapper Crioulo.
Em agosto, o filósofo Marcelo Sando protagonizou o segundo encontro do Panela no qual tema discutido foi Solidão. No início, as cerca de 12 pessoas (que em geral desconheciam-se) sentaram-se em roda no piso superior da Cupcake.Ito. A dupla de sócios apresentou Marcelo Sando, o protagonista da noite e, enquanto ele começava a compartilhar suas reflexões sobre os longos períodos em que viveu isolado, os participantes iam comendo uma salada com crocante de parmesão. Ao longo da noite, alguns intervalos propostos por Guilherme e André abriam espaço para que as pessoas se entrosassem mais, animadas pelo debate e pela cerveja. Na hora de comer o prato principal — um risoto italiano clássico — o grupo já não parecia mais aquele punhado de desconhecidos que se encontraram uma hora antes. O evento durou cerca de três horas e terminou com a degustação dos cupcakes da casa. O vídeo da experiência pode ser visto aqui.
No meio de setembro, outro cardápio e outro tema: dessa vez o rapper Rico Dalasan, que é negro e homossexual, foi o host da edição que versou sobre Preconceito.
O trabalho dos sócios por trás de cada evento é fundamentalmente o de articulação e pesquisa. Eles não cozinham e estão sempre de olho em possíveis espaços, conversando com o dono, entendendo se combina com o conceito. O primeiro Panela aconteceu no espaço Copa & Sala, no Bixiga, e quem cozinhou foi o chef da casa. Mas para o último encontro os meninos escolheram a Cupcake.ito. Para fazer o menu acontecer na pequena cozinha da loja de cupcakes, eles fizeram uma parceria com a Chefie, empresa especializada em jantares residenciais.
O DESAFIO DE TRANSFORMAR UM ENCONTRO NUM NEGÓCIO
Os sócios também estão pesquisando e desenvolvendo algumas metodologias de interação e relacionamento interpessoal, para garantir que a conversa entre um punhado de desconhecidos dê liga. No último encontro, por exemplo, os cerca de 10 convidados encontraram pelas mesas e cadeiras cartões com 36 perguntas diferentes. André conta que elas fazem parte de um estudo americano, e que são usadas como potenciais iniciadores para que as pessoas se conheçam e se entrosem mais rápido:
“Esses encontros têm uma coisa de rebeldia, de querer mudar e aprofundar o olhar das pessoas”
Há também o processo de registro, com fotografia e filmagem de todo o evento, fundamental para que o Panela deixe de ser um experimento e comece a dar lucro. Hoje, cada convidado paga 80 reais por um jantar que inclui entrada, prato principal, sobremesa e cervejas artesanais da Leuven (apresentadas por um especialista da marca) o que não chega a bancar os custos.
Da primeira para a segunda edição, o dinheiro investido já foi menor, e a expectativa é que os próximos encontros comecem a dar lucro. Mas as ideias de Guilherme e André para aumentar o faturamento do Panela são audaciosas. Uma delas é colocar o modelo na televisão. O conceito já está sendo discutido com uma produtora, que deve registrar o próximo evento para chegar em um formato para o canal Food Networks. “Nosso desafio é entender como adaptar o Panela para virar um produto sem matar a experiência”, conta Guilherme.
Outra possibilidade, compatível com a TV, é buscar patrocinadores, que veriam seus produtos nos animados bate-papos do Panela. Há também a possibilidade de o encontro acontecer sob encomenda, como um produto pronto. A dupla está conversando com uma cervejaria, interessada em comprar três Panelas que teriam como tema o universo das cervejas. Mas eles têm os pés no chão e avisam: o momento ainda é de compreender o potencial de monetização do experimento. Por isso, o sonho de empreender acontece em paralelo com empregos de tempo integral.
Já fora do Google, Guilherme hoje toca o RH do Enjoei, uma espécie de brechó virtual. André também já deixou o gigante de tecnologia e hoje divide seu tempo entre o trabalho na Escola de Design Thinking e um mestrado em Inteligência Coletiva na PUC.
A rotina puxada quase sempre termina com os jantares que inspiraram o Panela. Eles acontecem em um apartamento no Itaim, ao som da TV ligada no Jornal da Cultura, onde dois jovens amigos debatem acaloradamente assuntos que vão da política nacional a questões filosóficas. Ali, diariamente eles reafirmam a certeza que virou o Panela: deve haver muita gente interessante por aí a fim de se encontrar para um bom jantar e uma boa conversa. Deu fome?
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