Você pode até não ter se dado conta (será?), mas 2015 representa um marco na história dos festivais no Brasil. Pela primeira vez, cinco gigantes de repercussão mundial, acontecem no mesmo ano por aqui: Lollapalooza, Tomorrowland, Rock in Rio, Sónar e Electric Daisy Carnival.
Atentos a este momento, o casal Carol Soares, 35, e Franklin Costa, 37, que coleciona festivais ao redor do mundo há mais de uma década, enxergou uma oportunidade de negócio e, em um processo que também é um amadurecimento da trajetória pessoal de cada um, lançaram o Projeto Pulso.
A ideia é ambiciosa: convidar pesquisadores, fotógrafos, video makers, designers, estrategistas digitais e trendhunters para investigar, em campo e nas mídias sociais, esses cinco grandes eventos e fazer um estudo detalhado sobre os frequentadores de festivais de música no Brasil. Em paralelo a essa imersão, em andamento até o final de 2015, um time de jornalistas e especialistas em festivais alimenta um blog sobre arte e tecnologia, gastronomia, moda, mercado e comportamento nos festivais. O negócio tem três frentes: criação de conteúdo original, elaboração de cursos (em parceria com a Perestroika, como falaremos adiante) e consultoria para marcas.
A essência do Pulso, porém, não tem a ver só com uma constatação mercadológica ou com a identificação de uma demanda. É resultado da soma das características pessoais e profissionais dos dois sócios. Franklin é comunicador. Publicitário com duas pós-graduações em marketing, sabe o que dizer e como dizer para conquistar e cativar uma audiência (ou clientes). Carol é bióloga, com mestrado e doutorado na área de meio ambiente e outro mestrado em antropologia. Ela agrega uma pegada técnica, de estudo social e comportamental ao trabalho da dupla. Em comum, a paixão pelos festivais.
UMA BIFURCAÇÃO NA VIDA E OPORTUNIDADES ESCONDIDAS APARECEM
Foi a cumplicidade do casal e uma sequência de desdobramentos que os trouxe até o empreendedorismo em conjunto. No início dos anos 2000, Franklin trabalhou durante sete anos nos canais Globosat. Sua carreira estava em ascensão, sendo promovido seguidamente, quando ele se deparou com uma daquelas bifurcações da vida. “A Carol era acadêmica e foi convidada para fazer um doutorado na Holanda, com bolsa integral. Nessa hora, o coração falou mais alto, larguei tudo e quis ficar ao lado dela”, conta.
Mesmo morando fora, ele trabalhou com produtoras brasileiras na consultoria de marketing e estratégia de comunicação digital de algumas marcas. Ao mesmo tempo, abriu espaço para se envolver profissionalmente com a sua grande paixão, a música eletrônica. Na época, a cena eletrônica explodia na Holanda e Franklin colaborou com projetos de entretenimento, comunicação, comercialização e divulgação para festivais e eventos corporativos.
Por causa da experiência na Europa, na sua volta ao Brasil, Franklin recebeu um convite do coordenador da marca de energéticos Burn, da Coca-Cola, a fim de desenvolver um projeto. Assim nascia a Movimento Comunicação, agência carioca que entre 2009 e 2013 desenvolveu e executou projetos em mídias sociais para marcas como Guaraná Kuat, Unilever, Hellmans, Powerade, Burger King e Oi.
“A missão da Movimento era ajudar empresas a se preparar para um mundo cada vez mais conectado, transparente e social. A acomodação é confortável, mas não leva ao progresso”, diz. Progresso foi o que se viu durante os anos da Movimento. A empresa cresceu na velocidade das diversas plataformas digitais, alimentada pela demanda crescente das empresas em se adequar a essa nova forma de se aproximar das pessoas, do seu público-alvo. Esse sucesso chamou a atenção de players maiores. No meio de 2013 a Flag, um tubarão que na época abocanhava várias empresas de destaque desse “novo mercado”, anunciou a compra da Movimento. Atualmente, Franklin é executivo da Flag no Rio de Janeiro, mas ele sentiu que era hora de empreender novamente e voltar àquilo que fazia o seu corpo pulsar: os festivais de música.
HORA DE VOLTAR AO BÁSICO
Na outra ponta da história, Carol acompanhou tudo isso vivendo seu próprio dilema. Quanto mais se aprofundava na vida acadêmica, mais ela se afastava da vida social e do marido. Nessa época, já casados, ela morava e trabalhava como pesquisadora em Juiz de Fora (MG) e ele tocava a Movimento no Rio de Janeiro. Ela era bem sucedida, tinha um futuro promissor mas, como conta, sentia que acabaria se tornando uma profissional medíocre, por “pura falta de paixão por aquilo tudo”.
Foi depois de uma experiência mágica durante o Sónar de Barcelona, em 2012, que Carol resolveu dar um novo rumo à sua história. Foi a vez dela abandonar tudo por causa dele. Voltou para o Rio de vez, deixou pra trás a biologia e se reinventou profissionalmente. Fez diversos cursos, entre eles o que mais gostou foi o de Antropologia do Consumo, e logo depois engatou em um segundo mestrado, dessa vez na Antropologia. A cientista bióloga começava a assumir uma nova persona e ver o mundo com outros olhos, num outro extremo, das ciências sociais. Toda a lógica de estudo e os anos de pesquisa e pensamento científico agora seriam empregados com um olhar crítico e afiado nas imersões do Pulso.
O Pulso é um projeto coletivo feito por e para apaixonados por festivais. Os sócios acreditam que ele evidencia um momento de “festivalização da cultura”. Graças às rede sociais e à internet, os festivais de hoje foram ressignificados para além da música e representam uma das mais importantes manifestações culturais de uma sociedade cada vez mais conectada.
“Nosso propósito é investigar este fenômeno para compartilhar com fãs e seguidores nosso amor e entendimento sobre festivais, inspirá-los e instigá-los a serem mais curiosos culturalmente. E, também, é ajudar marcas a se conectarem de forma autêntica, relevante e contemporânea com fãs de festivais, sejam eles de música, tecnologia, gastronomia etc. Nos interessa entender como estas comunidades vibrantes surgem, se relacionam e o que podemos aprender com elas”, conta Carol.
O modelo de negócios do Pulso é líquido, como uma startup em fase exploratória. Eles não têm um fluxo de caixa constante, recebem por projeto. Também não pretendem mudar isso agora, como ela diz:
“Nossa meta é encontrar um equilíbrio entre contas a pagar e receber, sem ter que abrir mão do modelo sob medida que fazemos questão de manter em nossos projetos”
A empresa atua em três frentes:
1) Produção de conteúdo autoral: ainda não monetizada, mas segue o modelo de branded content. A ideia é que o site do Projeto Pulso seja uma plataforma de conteúdo para marcas interessadas em relacionamento always on com fãs de festivais. Para isso, a bagagem dos anos na Movimento, uma das primeiras agências a se especializar em content marketing no Brasil, é fundamental.
2) Educação e treinamento: são cursos (B2C) e treinamentos in company (B2B). O curso Circus, idealizado por Franklin em parceria com a Perestroika, voltado para profissionais da indústria do entretenimento e da economia criativa, nasceu como um desdobramento do Pulso. A primeira edição foi um sucesso (40 alunos e filas de espera). Em outubro, o curso terá a segunda e terceira edições, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, respectivamente.
3) Consultoria: ajudando marcas a desenvolver estratégias de relacionamento com seu público usando festivais como plataformas de experiência e comunicação. Atendendo de forma altamente customizada, moldando cada projeto de acordo com as necessidades de cada cliente. O primeiro projeto da Pulso, realizado na Tomorrowland deste ano, foi feito sob encomenda para a ID&T (empresa que organiza o festival pelo mundo). Pesquisas sobre o Lollapalooza e sobre o Rock in Rio estão em curso, feitas para a Heineken.
Em todas essas ações, Carol e Franklin colocam a mão na massa e lideram os projetos pessoalmente. Por isso, defendem esse modelo boutique de empreender. Franklin diz ser resistente ao discurso de crescimento exponencial e startups bilionárias, e prossegue:
“Riqueza não é acumular coisas ou meter os pés pelas mãos. Minha definição de riqueza é poder escolher quando, com quem e no quê trabalhar. Tenho absoluta noção de que para chegar nesse ponto é preciso roer muito osso. Mas também não acho que seja um sonho impossível”
Por ora, ele vivencia a experiência de empreender e trabalhar pela primeira vez com a Carol: “O Pulso está mudando bastante coisa na minha vida, a mais especial é trabalhar pela primeira vez com minha esposa. Eu a conheço há 19 anos, mas profissionalmente é como se estivéssemos começando a namorar”.
Além das motivações pessoais, esse é um mercado que cada vez mais atrai a atenção de investidores e empreendedores. Segundo pesquisa publicada pelo Ibiza International Music Summit, só a indústria da EDM (electronic dance music) movimenta hoje em torno de 6,2 bilhões de dólares por ano.
O empreendimento de Carol e Franklin navega na percepção de que, hoje em dia, os festivais de música são valiosas plataformas para discussões, hubs de inovações, veículos de uma mobilização global e que inspiram o estilo de vida das pessoas, atraídas por essa manifestação natural de coletividade a partir de um desejo individual de se emocionar.
“As melhores lembranças da minha vida foram vividas com amigos e minha mulher em festivais. O que mais me deixa feliz é aquele momento em que estou no meio da multidão, compartilhando uma espécie de catarse coletiva. Para mim, é o que mais se aproxima do divino. Estar em busca deste momento é o que me motiva e inspira. Não consigo ficar muito tempo afastado da pista”, diz Franklin. E segue pulsando.
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