Se você estiver em um workshop ministrado pela gaúcha aí de cima, de sorriso doce e fala empolgada, e ela te pedir um abraço, cuidado! Poderá estar prestes a cair numa armadilha preparada por Mariana Camardelli e seus quase 30 anos, fundadora da Altos Eventos, empresa de design de eventos e experiências. Uma pequena cilada do bem, nesse caso.
O exercício com o qual Mari costuma iniciar os seus workshops convida cada pessoa a dar um abraço em alguém da audiência. O que geralmente acontece, conta ela, é que desencadeia-se um abraçaço, caetaneando por aqui.
E Mari explica que aquilo é pura manipulação. É que o abraço libera a oxitocina, ou o viciante hormônio do amor. Daí 1, 2, 3… abraços sem parar. E mais, ela revela: a partir dali as pessoas estariam mais dispostas a acharem o dia – e o workshop, naquele caso — incríveis.
O que ela quer dizer é que o sucesso de um evento, qualquer que seja, muitas vezes pode estar atrelado a pequenos detalhes. Por exemplo: há uma diferença brutal entre ser recebido por um receptivo sentado de cabeça baixa anotando a sua presença e uma equipe sorridente de pé a postos para te dar as boas-vindas. Tá dá!
Parece básico. E é mesmo, diz Mari, que criou a Altos Eventos em outubro de 2010. A empresa trabalhou com as mais diversas marcas e companhias ao longo deste tempo — Ambev, Google, Melitta, Osklen, Mozilla, entre outras, num leque de cerca de 40 clientes. Para a marca de café, a Altos chegou a planejar e promover 200 eventos em um mesmo ano. Em 2014, o faturamento da empresa foi de 300 mil reais.
O segredo do sucesso da Altos é um modelinho que une três metodologias: design thinking, estratégico e design de serviços. A ideia é em breve lançar um livro e um tool kit sobre esse jeito de transformar qualquer bate-papo em um momento maior. Único. Mas Mari está longe de ser pretensiosa:
“Não tem nada de inovador. É tudo dinâmica roubada de algum lugar, Open Source de Design Thinking, IDEO, Business Model Canvas, Value Proposition Canvas… A única coisa diferente é que tu cria um evento olhando para a pessoa que está vindo”
E ela prossegue. “Quero conhecer uma pessoa que trabalhe com eventos e que queria fazer isso desde pequenininha. O que você quer ser quando crescer? Quero trabalhar com eventos. Não existe essa pessoa. Todo mundo cai de paraquedas. Comigo foi assim também”, diz.
UM POUCO DE VÍCIO NÃO FAZ MAL A NINGUÉM
Foi aos 18 anos que a gaúcha despencou sem proteção nessa área. Havia acabado de terminar o colégio, namorava um jogador de futebol e esperava notícias das provas de vestibular. Prestou para direito, psicologia, medicina. Jurava que seguiria a vocação de parte da família do pai, feita de advogados e engenheiros. No seu entender, tudo corria muito certinho, até que sua madrinha a instigou a passar um tempo como uma espécie de faz-tudo na VJS Assessoria de Eventos. Aí bagunçou.
“Aprendi muito do que sei com a Vicky Simon, sócia da empresa. Ela é super exigente, meio Miranda, de O Diabo Veste Prada”, conta. Desse período, ela lembra de um evento em Gramado em que a empresa quebrou a tradição dos estandes e mesinhas para os coffee-breaks construindo uma cidade de época dentro do pavilhão. Pela primeira vez, então, o conversê deu-se nos bancos das pracinhas. Mari apaixonou-se por aqui.
“Sempre falei que a coisa mais legal dos eventos é que tu vira a noite colando etiqueta, aí acorda e vai buscar o cara mais rico da Coreia do Sul no aeroporto. Eu já fiz isso. É multidisciplinar na prática”, afirma. E continua:
“O evento é um serviço. E é um serviço muito complicado porque tudo vai dar errado no mesmo dia. Você faz tudo para chegar ali, na hora, pois não dá para ajustar depois”
Mari é dessas que não consegue ficar quieta diante de um problema clamando por solução. Certa vez, desafiou sua chefe. A cada novo projeto, era preciso gastar tempo e dinheiro para criar um hot site fresquinho. Na cabeça dela, tinha de haver um jeito mais barato e prático de fazer isso. A chefe topou, e junto com um programador Mari desenvolveu um sistema que facilitou a inserção de conteúdo diferente para cada cliente. Uma espécie de WordPress (o programa que facilita a criação de blogs e sites, como o Draft, por sinal) quando o sisteminha não existia. Bingo!
A esta altura, Mari já estava numa onda bem distante da faculdade (em tempo: ela foi aprovada em Medicina na PUC, mas não cursou). Embarcou em uma temporada com o namorado pela Europa, que acabou resultando em quatro anos pela Itália e pela Suíça, além de um casamento. Nesse período, ela fazia home office de lá, alimentando o sistema que criara na VJS.
Então veio 2009, o relacionamento amoroso acabou, Mari voltou para o Brasil e, como tudo na vida dela parece acontecer de turbilhão, recebeu um convite para fazer todos os eventos da Comissão Científica de Cirurgia Minimamente Invasiva na Coluna (ela saiu da VJS e foi contratada pela Comissão). Ao mesmo tempo, passou no vestibular para Marketing no Senac.
A Altos começou a brotar no meio disso, junto com a vontade de empreender. Ela conta: “Me lembro do evento, a palestra e a inspiração. Foi o Congresso Internacional de Inovação, em POA, com o Tom Kelley”. O autor do livro As 10 Faces da Inovação narrou a transformação das escovas de dentes para criança na Colgate, que foram adaptadas para as necessidades infantis depois de muita análise e observação. “A partir do momento que a entrega é perfeita para o público, você vai vender. É natural”, diz Mari. “Falei para mim mesma: eu preciso fazer isso”, diz, já influenciada pela mudança para São Paulo, em fevereiro daquele ano.
O EMPURRÃO PARA EMPREENDER? UMA PROVOCAÇÃO NO TWITTER
“Não pensei em criar uma empresa direito. Fui a um evento incrível, de um cara que é meu parceiro até hoje de trabalho, só que foi meio mal organizado, longe”, conta ela, que acabou reclamando do evento em sua conta no Twitter, e se lascou com a resposta: “Tu aí que reclamou, quer fazer melhor no ano que vem?”. Ela topou.
Em outubro de 2010 surgia a Altos Eventos. Chegou a ter uma sócia nessa época, Fernanda Meixedo, professora de yoga, mas a parceria não durou muito tempo pelos rumos adversos da vida. Valeu a criação do nome e da marca, que custou uns 300 reais, pagos com sessões de yoga. As duas são amigas até hoje.
Mari começou sozinha, trabalhando em um coworking. Trocava a mesa por trabalho. Ela compara a sua paixão com o ato de empreender:
“Evento é uma droga, no cérebro o efeito é uma descarga muito louca de adrenalina, você fica loucão, depois baixa, aí você precisa de mais. Empreender também é assim”
Esse processo no coworking durou dois anos, até que as caixas de material passaram a ocupar espaço demais, e Mari resolveu armar a própria banquinha: alugou uma salinha de 50 metros, contratou duas pessoas fixas. Também ficou pequeno. “Chegavam 50 caixas de café, não dava para sentar porque tinha tanta tralha”.
Mais um passo: juntou-se com um grupo de amigos e montou um lugar chamado Casa Olívia, amplo e para servir também de local para eventos e cursos. Só que depois perceberam que financeiramente aquela ideia não era viável. “Fizemos as contas e vimos que não dava. Falimos a Casa Olívia, mas a gente continua se amando”, diz.
E como nascem os eventos? Eles chegam via interesse de um cliente, e aqui vale citar que Mari diz que não entra em concorrência pois grande parte do trabalho exige imersão e parceria. O primeiro exercício, conta, é um mergulho sobre o perfil do público, o target. “A gente tem que parar de pensar onde vai ser, que horas começa, que é o que o cliente faz em geral”.
É o caso, por exemplo, de um happy hour que desenvolveu para um escritório de advocacia de lançamento da nova marca. Ela levou gerentes e diretores de grandes empresas a entrarem vendados em uma sala fria com barulhos, nas palavras dela, bizarros. Depois do quase congelamento, eles saíam e assistiam a uma palestra da Perestroika sobre a Era da Experiência. “A gente queria mostrar o valor do serviço quando supera a expectativa. Foi bem disruptivo”, conta.
Outra fonte é a própria cachola, ligadíssima em temas como em inovação, empreendedorismo e criatividade. Mari chegou a escrever uma lista, no papel mesmo, com todos os eventos que queria fazer, seja criando, trazendo para o Brasil ou apenas metendo a mão no que achava legal. “Ticou” todos. Alguns dos que ela tirou do papel foram Startup Weekend; FailCon. Fez a edição brasileira do 99u, evento sobre criatividade, do qual é embaixadora no país. Ela ainda é host dos Creative Mornings e das Pecha Kucha Nights no Brasil. “Eu boto na cabeça que vou fazer, que quero ser host, vou lá, faço, aplico, mobilizo”, diz.
Há um tempo atrás, ela imaginou um mestrado. Cogitou cursos, discutiu com amigos, guardou dinheiro. No final, seu mestrado acabou se transmutando no seguinte: ela escolheu ir aos eventos mais incríveis do mundo, na sua opinião (a saber, o Service Design Global Conference, em Wales, um festival de inovação social no Chile e a Pop-Up School, em Nova York). Terminou o que considera o primeiro ano com um mês de cursos na Escola São Paulo. O segundo foi um curso na School of Visual Arts, também na Big Apple, no ano passado. Ali, afinou sua metodologia e os formatos de consultoria, workshop, planejamento e produção.
Pergunto o que a move, o que desperta sua paixão por esse fazer eventos. “Começar e terminar um projeto. Quando tu começa, faz, entrega e termina. Tenho muita dificuldade com as coisas que não se movem, não terminam, ficam paradas, são adiadas. Essa questão de fazer muita coisa diferente também é legal. Mas a paixão mesmo é o serviço. O evento é um serviço, então tu está entregando alguma coisa de valor. E um evento pode mudar de alguma forma a vida de uma pessoa”, afirma.
Daqui a cinco anos, ela quer estar em uma fase meio grávida. Sobre a Altos, metralha esta: “O que eu queria mesmo é que a Altos fosse uma empresa incontratável”. Como assim? “Que a gente criasse as experiências, coisas e eventos, que a gente se aliasse a marcas para nos ajudarem, mas que não ficasse só produzindo. Que fosse quase uma vitrine de projetos.” Não vai demorar muito para Mari correr para o abraço nessa questão.
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