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O que Laura Chiavone aprendeu empreendendo na Limo para, depois, voltar e inovar numa grande agência

Paulo Noviello - 23 out 2015 Laura Chiavoni no palco para mais uma palestra, em Cannes, no ano passado.
Laura Chiavoni no palco para mais uma palestra, em Cannes, no ano passado.
Paulo Noviello - 23 out 2015
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Laura Chiavone é um nome conhecido no mundo da publicidade. Pudera. Ela promoveu uma pequena revolução no planejamento publicitário brasileiro com a sua Limo, empresa que fundou em 2007. Laura passou pelas dificuldades comuns a qualquer um que empreenda no Brasil, mas a Limo ficou na história porque soube como poucos entender o consumidor brasileiro nesta última década, um período de transformações sociais intensas. A experiência com a Limo (e outras mais, que falaremos adiante) a levou ao posto de atual vice-presidente de planejamento da DM9, perene no ranking das melhores e maiores agências de publicidade do Brasil, onde Laura foi eleita a melhor profissional de planejamento brasileira em 2014 pela Associação dos Profissionais de Propaganda.

Em junho deste ano, a equipe liderada por ela venceu o desafio da rede DDB Worldwide, que buscava a solução mais inovadora para resolver questões de gênero. O projeto, The Same Salary Project, utiliza hacking, Big Data e crowdsourcing, conceitos do nosso “hiperpresente futurista”, filtrados pela sensibilidade de socióloga, para atacar a desigualdade salarial entre homens e mulheres. É bom dizer que ela dá aula de planejamento há 11 anos na Miami Ad School e está fazendo mestrado em liderança criativa na Berlin School of Creative Leadership. Ah, e Laura tem 37 anos.

Em família: Laura com Fabio Müller e o filho, Benjamim.

Em família: Laura com Fabio Müller e o filho, Benjamim.

Se o currículo é intimidador, seu jeito despachado desarma qualquer preconceito. “Sou uma construtora”, ela repete muitas vezes, desvelando aí uma marca profissional. “Cresci numa agência. Minha mãe (Celia Belem, VP de planejamento na JWT) foi uma das mulheres pioneiras na publicidade brasileira, nos anos 1970. Me levava para a agência e eu ficava brincando com as máquinas de escrever. O ambiente me é bem familiar, mas eu não tinha o plano de trabalhar nisso”, diz.

Ela cursou Ciências Sociais na USP, mas o desejo de independência financeira a jogou para a profissão materna. “Queria ter dinheiro pra pagar minhas coisas e fui falar com minha mãe, que me mandou bater na porta das agências. Uma das amigas dela, da sociologia, estava se tornando diretora de planejamento da TBWA. Cheguei lá sem saber nada da parte técnica, mas com uma bagagem da sociologia que caía bem no trabalho mais analítico”, conta. Ela passou por nove agências ao longo de 10 anos, chegando a diretora. Em muitas, consolidou as áreas de planejamento. “Funciono melhor em ambientes de mudança, que precisam de uma virada”, diz.

O CASE DAS CASAS BAHIA E UMA NOVA ORDEM

Em 2002, chegou ao grupo Newcomm, de Roberto Justus, detentora da conta de uma grande rede varejista que, até então, não fazia planejamento: as Casas Bahia. Lá, Laura fez parte importante de um marco da publicidade e do varejo brasileiro, que transformou as Casas Bahia no maior anunciante do Brasil, a Newcomm, depois fundida com a Y&R, na maior agência de publicidade brasileira e a rede varejista no símbolo da ascensão da chamada “Nova Classe C”.

“Eles já eram bons no varejo, mas queriam melhorar. Nos deram condições para desenvolver projetos como a primeira grande pesquisa quanti/quali sobre a Classe C, quando esse termo mal existia. Estudamos e percebemos uma movimentação, do ponto de vista de expectativa e autoestima do brasileiro, que gerou algo muito poderoso. Foi uma das chaves para transformar Casas Bahia numa marca tão forte. Antes, o target era resumido na palavra ‘pobre’. Mergulhamos e descobrimos três segmentos atitudinais, trabalhamos forte cada um deles para ter uma direção clara e os resultados foram incríveis em termos de vendas, imagem, lembrança. Naquela época a Casas Bahia foi para o ranking das marcas com propagandas mais lembradas e não saiu até hoje”, conta ela.

Em 2004, Laura ganhou o Young Lions de planejamento em Cannes com o case de Casas Bahia, e sua carreira deu um salto. Passou por quase todos os maiores players do mercado de publicidade, como a Almpap BBDO e a Fischer América. Mas algo começou a incomodá-la: a sensação de estagnação.

“Fiquei muito frustrada, pois eu queria sempre entregar mais, sabia que era possível, mas ninguém parecia interessado. As empresas iam bem, os clientes estavam felizes, mas eu não estava bem. Era a hora de empreender”

Em 2007, ela fez o salto, e relembra o momento do país e o que buscava ao tornar-se empresária e não mais contratada: “A economia explodia, os clientes queriam mais ideias inovadoras, mas faltava fundação, insight. Tinha espaço para um trabalho de profundidade, que eu sabia que conseguiria entregar”. Mas uma coisa ela não sabia: como gerir o próprio negócio. “Quem decide empreender tem que ser um pouco sem noção”, diz. “Comecei sem saber exatamente o formato e sem ter uma missão clara. Não tinha plano de negócios. Não sabia nem qual era o produto, a demanda, como iria saber quanto cobrar? Não fiz nem pesquisa de mercado. Deu certo pra mim, mas hoje não recomendo.”

A AVENTURA E A DURA ESCOLA DE EMPREENDER

Laura lançou a Limo com o projeto Breakonsumers, um documentário sobre o novo consumidor brasileiro que surgia em 2008, resultado de uma pesquisa aprofundada, feita com 2 016 pessoas, sobre seus desejos, aspirações, projetos, valores. “Conseguimos descobrir que o brasileiro tinha um projeto educacional e de evolução cultural. O crescimento de consumo digital e de TV veio disso.”

No Breakonsumers ela gastou praticamente todo dinheiro que tinha para tocar a empresa. Vendeu alguns dos relatórios que serviram de base para o vídeo, com dados exclusivos. “Esses trabalhos de conteúdo nos mantiveram. Fizemos pra Johnson & Johnson um projeto com adolescentes, para Rede Globo fizemos algo mega inovador. Não tinha benchmarking, mas os clientes foram muito parceiros”, conta.

No começo, Laura era a Limo, e vice-versa. Mas conforme aumentavam os clientes e projetos, ela percebeu que a empresa precisaria ter menos a cara de sua fundadora. “Este deve ser um objetivo de todo empreendedor. Um dos maiores desafios é balancear controle com autonomia. Por isso, é necessário criar uma cultura, processo e identidade”, afirma.

Painel de Laura Chiavone com um dos últimos projetos da Limo, sobre consumo no futuro.

Painel com um dos últimos projetos da Limo, sobre consumo no futuro.

Para entregar algo realmente inovador, “hackeou” métodos de pesquisa abandonados da Sociologia e Antropologia dos anos 1970. “Sabe aquelas reuniões da Tupperware, onde as donas de casa se juntavam? Comecei a replicar com grupos de pessoas que já se conheciam, nos lugares que elas conheciam, para conversar sobre assuntos que já faziam parte da vida delas”, conta. Ela logo viu que aquilo funcionava e ficou claro o serviço que a Limo podia oferecer. O foco na qualidade, no entanto, logo trouxe problemas:

“Gastei muito dinheiro. Planejei mal o custo das horas das pessoas. Na indústria criativa isso é muito difícil. Valorizamos muito a capacidade de olhar o job e dar a sua cara. Isso impede processos de trabalho organizados, com criatividade ou autoria”

Numa tentativa de compreender melhor o que estava fazendo, Laura foi para o Vale do Silício e viu, na prática, como as startups de lá trabalhavam com um processo organizado para criar, “um processo que permite o caos”. Ela enfim conseguiu encontrar seu processo, e afirma que envolver o cliente no caminho é fundamental para que funcione. “No começo, cada projeto tinha uma cara própria. Com o tempo, vi que pra ser sustentável e ganhar escala é preciso entender seu jeito de trabalhar.”

Hoje ela é partidária dos hackathons como um jeito de promover o trabalho em equipe de um jeito eficiente. “Ainda insistimos em trabalhar no esquema de uma linha de produção industrial, mas isso não entrega o que os dias de hoje precisam: o melhor produto no menor tempo e com o menor custo”, diz.

Em termos de produtos e entrega, a preocupação em entender o brasileiro como um ator social complexo foi constante nos projetos da Limo e evidenciam seu DNA de socióloga. “Havia pouquíssimo trabalho de tendência social, que para mim fomenta o movimento de consumo”, ela diz, e cita como exemplo a tendência do uso da bicicleta nas cidades, que no seu entender vem de algo anterior, das pessoas se cansarem do modelo de cidade. “Quem detecta isso sai na frente. O McDonald’s acabou de lançar um modelo de embalagem para bicicleta no Drive Thru.”

Por falar em tendência, em 2013 veio o projeto Upwardly Mobile – The Next Brazilian Revolution, que teve jeito de profecia. “Uma delegação inglesa me fez uma provocação perguntando como eu enxergava o futuro do Brasil. Respondi: ‘minha aposta de próximo movimento da população é de cidadania e pertencimento, para gerar identidade nacional’. Aí seis meses depois, em junho, aconteceu aquela explosão social, o povo tomando o Congresso e começaram a me escrever: ‘ei, você é bruxa?’ Falei: ‘esse é o meu trabalho: observar e dizer o que deve acontecer depois, a partir de tudo que eu aprendi’”.

Entre outros projetos públicos da Limo estão o Pais Rehab, que discutia novos paradigmas da identidade masculina e o papel dos pais, e o How to Sell My Stuff in 2033, que buscava respostas sobre como vender para o consumidor de vinte anos no futuro. Este último teve alcance global e foi  apresentado no Festival de Cannes, em 2013.

Laura conta o que foi buscar ali na França: “Eu queria me dispor a pensar o futuro aplicando o crowdsourcing. Inscrevi o projeto em Cannes para fazer um workshop com pessoas do mundo inteiro. Coletar informações sobre visões de futuro com gente que estuda o tema, reunir as previsões em um cápsula do tempo, e daqui a 20 anos abrir e ver o que se realizou ou não. Conseguimos motivar e reunir gente do mundo inteiro. Nos workshops, contratamos uma ilustradora para fazer um mural em tempo real enquanto as pessoas falavam, uma facilitação gráfica, como no South by Southwest. Ao final, um painel ficava pronto e as pessoas podiam fotografar e levar. Esse conteúdo foi pra cápsula do tempo”, conta.

A Limo Inc durou sete anos e, nesse período, entregou 132 projetos: “Foi uma experiência de explosão de aprendizado. Acho que todo mundo tinha que passar por uma dessas”. A empresa fecharia em 2014 e, hoje, um dos painéis do How to Sell My Stuff decora sua sala na DM9.

NUMA GRANDE AGÊNCIA ELA É INTRAEMPREENDEDORA

Laura acredita que voltar a uma grande agência seja a conclusão de um ciclo. “Percebi que o objetivo da Limo era devolver para a prática do mercado o poder de insights feitos com qualidade e profundidade. Senti que precisava de um ambiente maior para gerar mais impacto”, diz. Ela conta que recebeu o convite da DM9 sem saber se eles iam querer alguém com um perfil construtor, provocador. “Mas queriam exatamente isso. Não me sinto empregada, a cada dia venho aqui e invento uma coisa nova.”

A experiência de empreender com a Limo a aproximou dos hackatons, expediente que utiliza hoje na DM9.

A experiência de empreender com a Limo a aproximou dos hackatons, expediente que utiliza hoje na DM9.

Sua rotina pressupõe acompanhar tendências, zeitgeists e propor projetos e ações a partir do que percebe aí. Uma delas, Laura conta, é a necessidade de desconstruir padrões sexistas e tem a ver com seu projeto mais recente, que mapeia a desigualdade salarial entre homens e mulheres nas empresas. “Esse é o zeitgeist atual e a gente tem que entender. Precisamos criar a cultura de discutir o problema dos salários diferentes entre homens e mulheres antes que aconteça. O ambiente da Criação ainda é muito masculino, mas estamos evoluindo”, diz.

O The Same Salary Project buscou, além de abordar o mercado publicitário, criar uma plataforma a ser usada em todos os setores. “Um serviço real é muito mais poderoso como agente transformador da sociedade do que uma campanha publicitária”, conta. No projeto, as pessoas fornecem os dados salariais anonimamente e criam um ranking dinâmico de empresas mais ou menos igualitárias.

A conversa com alguém tão capaz de interpretar dados do presente para estimar o que teremos no futuro não poderia acabar sem abordarmos a crise que o país vive, não só econômica, mas política e de representatividade. “É um fim de festa. Passamos uma década aproveitando, nos acostumamos e nos esquecemos de onde viemos. Achamos que seria para sempre, mas não trabalhamos para que fosse. Só que as pessoas adquiriram coisas que ninguém tira. Desejo cultural, sentimento de pertencimento, a satisfação de aprender”, ela diz. Laura acredita que estamos lidando hoje com um cenário de retração econômica, também mas com um cenário de inconsciente coletivo muito diferente. Ela é otimista:

“Não precisamos alimentar o pessimismo, mas sim aprender com a nossa história. Tenho esperança que o consumidor fique mais consciente de suas escolhas. Penso que a população vai mover uma evolução em relação a pertencimento e identidade e espero que não deixemos essa crise ser só mais uma, que ajude a darmos um salto mais maduro. Daqui a dez anos a gente vê o que aconteceu”, diz ela. De olho no hoje e no futuro.

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