Está em curso uma transformação que vai impactar o dia-a-dia corporativo, sobretudo no que se refere à relação entre empresas e funcionários e ao uso da tecnologia. A mudança se traduz em quatro letras: BYOD, acrônimo da expressão inglesa Bring Your Own Device, ou “Traga Seu Próprio Dispositivo”. As mesmas inovações que promoveram o advento da mobilidade trouxeram o efeito colateral positivo de baratear os dispositivos e ampliar o acesso a ferramentas que antes só as empresas tinham condições de fornecer. Hoje, com frequência um profissional possui em casa um computador ou notebook melhor do que o do escritório. E essa discrepância pode inclusive ter influência na sua performance no trabalho.
“O uso intensivo de tecnologia no dia-a-dia tem tornado os usuários cada vez mais exigentes em relação aos equipamentos e sistemas utilizados no trabalho”, afirma Luis Gonçalves, presidente da Dell Brasil, líder em venda de computadores no país. “A permissão para que o funcionário escolha o computador que será usado no escritório tende a atender a uma demanda do próprio usuário, que tem exigências específicas em relação à performance e ao form factor mais adequado para suas necessidades. Na prática, essa política tende a gerar mais motivação na equipe.”
Mobile Device Management
Uma pesquisa realizada pelo IBOPE CONECTA a pedido da Dell, com mil brasileiros acima de 18 anos que possuem computador, identificou que, entre aqueles que trabalham (77%), 57% têm permissão da empresa para uso do computador pessoal no ambiente profissional. “Nos últimos anos, as áreas de TI estão pressionadas pela pessoa física que tem um aparelho melhor do que o que a empresa consegue disponibilizar”, afirma Julio Baião, CIO [Chief Information Officer] da Via Varejo, que reúne Casas Bahia e Ponto Frio (e faz parte do grupo varejista GPA, que inclui marcas como Pão de Açúcar e Assaí).
Com 60 mil funcionários, a Via Varejo começou há alguns anos a mergulhar na mobilidade, adquirindo tablets e smartphones para equipar montadores (encarregados da montagem de móveis em domicílio), pessoal de assistência técnica e de vendas nas lojas, entre outras funções. Ao todo, 10 mil dispositivos móveis estão nas mãos dos colaboradores e fazem parte do ativo da companhia – a tendência, porém, é que isso mude. “Nosso próximo passo é exatamente definir como usar a questão do Bring Your Own Device de forma madura”, diz Baião. Um comitê formado por representantes das áreas de RH e de TI e do departamento jurídico debate a questão – a ideia é que a política de BYOD esteja pronta em 2016.
Subsidiar a compra dos aparelhos pode ser uma forma de se permitir o uso dos equipamentos pessoais no trabalho sem abrir mão de uma certa padronização. “Não adianta pensar que o vendedor vai chegar na loja com o aparelho que quiser e usar o sistema corporativo. O dispositivo que a pessoa física traz tem que ser utilizável dentro dos processos da empresa”, afirma Baião. “Uma solução de MDM (Mobile Device Management, gestão de dispositivos móveis) é imprescindível, independentemente de ser um ativo da empresa ou um equipamento do próprio colaborador. E hoje há tecnologias que permitem criar containers no smartphone onde a pessoa vai ter o ambiente particular dela e o ambiente corporativo.”
Blindagem legal
Além da segurança das informações, há uma questão trabalhista que se impõe na discussão. “Será que podemos deixar o vendedor acessar o sistema da empresa fora do expediente e fazer uma venda no fim de semana?”, questiona Baião. A advogada Patricia Peck Pinheiro concorda que é preciso atenção aos dois aspectos, e faz um alerta: “Mesmo a empresa que ainda não adotou uma regra clara sobre BYOD por certo já lida com colaboradores acessando informações via ambientes na nuvem, interagindo por aplicativos sociais como WhatsApp através de seus celulares pessoais e carregando tablets próprios para as reuniões. O maior risco é não assumir logo esse fato e tardar a implantar a blindagem legal.”
Especialista em Direito Digital, a advogada comanda o escritório que leva seu nome e presta consultoria a firmas na adoção de políticas de Bring Your Own Device. Ela acha que as empresas precisam agir de forma mais célere. “O BYOD é um caminho sem volta e está ocorrendo muito rápido. Vivemos em uma sociedade que exige maior mobilidade. Qualquer um hoje, com um smartphone e uma conexão wi-fi, consegue realizar atividades que antes exigiam um deslocamento até a sede física do empregador. O melhor caminho, portanto, é implantar uma política [de BYOD] bem detalhada. Fazer vista grossa para os equipamentos particulares, que já invadiram o ambiente corporativo, é tapar o sol com a peneira.”