Imagina aprender a fazer uma massa de macarrão perfeita com um dos melhores profissionais italianos no assunto? Ou então receber instruções de como cortar um peixe sem dificuldades com um dos melhores chefs do momento? Ou, ainda, fazer com que sua mãe dê literalmente uma aula a todos os seus amigos que vivem cobrando aquela receita de como preparar a melhor panqueca que eles já provaram?
Pois nesses tempos atuais, em que as tecnologias parecem turbinar nossos comportamentos e vontades, uma plataforma criada por uma brasileira quer reunir chefs e cozinheiros do mundo todo através de aulas de culinária como essas, ao vivo, via streaming. O CookMood nasceu de uma ideia da empreendedora e cozinheira Patrícia Abbodanza, fundadora da consultoria de gastronomia Dedo de Moça, de resgatar o DNA da sua empresa de ensinar pessoas comuns a cozinharem. “No início, a Dedo de Moça era focada em pessoas físicas, numa ideia de aula em domicílio: eu ia até a casa das pessoas e as ensinava a cozinhar”, conta Patrícia.
Com o passar do tempo, a empresa acabou se encaminhando para uma proposta mais B2B, sendo contratada por companhias de diversos portes para prestar consultorias e produzir conteúdos (desde avaliação de aceitação de produtos a manuais de utilização, com receitas etc). Patrícia diz que 90% de seu faturamento vinha dos serviços prestados para pessoa jurídica e 10% dos serviços para pessoa física, com as aulas em domicílio:
“Minha empresa tinha se distanciado do meu DNA de interagir com as pessoas pelo ato de cozinhar. Eu queria uma forma de resgatar isso, que é tão importante para mim”
A partir deste questionamento, Patrícia começou a pensar no projeto de um aplicativo pelo qual fosse possível encontrar pessoas que soubessem cozinhar próximas a você para te ensinar na sua casa. Uma espécie de Uber ou Airbnb de cozinheiros: unir pessoas que querem aprender a cozinheiros dispostos a ensinar.
Para viabilizar o projeto, ela se pôs a rascunhar um business plan, com precificação dos custos, viabilidade, plataformas necessárias para desenvolvê-lo e passou a procurar investidores para apresentar a ideia. “Como envolvia o desenvolvimento de tecnologia, era um projeto mais caro e eu não tinha capital para bancar sozinha. Comecei a buscar também um sócio, já que a Dedo de Moça já tomava muito do meu tempo”, diz.
O feedback positivo de alguns investidores a incentivava a seguir com o projeto, embora as ofertas recebidas estivessem longe do que ela queria. “Alguns adoraram a ideia, mas a contrapartida era ruim demais: me pediam 60% do negócio. Aí, percebi que não estava procurando o tipo de investidor certo para o meu business”, conta Patrícia: “Eu não queria só ter a ideia do projeto, mas sim estar inserida nele”.
Nesse processo, ela conheceu o engenheiro Felipe Novaes, que se tornaria seu primeiro sócio. Felipa é marido de uma amiga e estava decidido a trocar o histórico profissional em multinacionais por um projeto de negócio mais pessoal. Ele conta: “Eu já estava numa fase de querer trabalhar com algo que tivesse mais sentido para mim. Estava muito mais ligado às preocupações com relação à alimentação e o convite da Patrícia chegou em ótima hora. A ideia de empoderar mais pessoas a cozinhar sua própria alimentação me pareceu uma ótima missão a abraçar”.
QUE TAL PENSAR IMENSO?
Foi dele a ideia de inscrever o projeto na Food-X, uma aceleradora com base em Nova York voltada apenas para startups de comida. Recém-egresso da cidade, ele tinha conhecido o trabalho da Food-X em um Demo Day (como se chama o dia de apresentações das startups aceleradas) promovido por eles que participou em 2014. “Eu estava na cidade para pesquisar sobre o setor de alimentação e fazendas urbanas, quando um amigo me falou do evento e me credenciei. Quando voltei a São Paulo e a Patrícia me contou do projeto, na hora pensamos em nos inscrever”, conta Felipe. Além de um projeto bem estruturado, eles tiveram que enviar documentos e participaram de diversas entrevistas com o time da Food-X. O processo durou um mês e meio e, entre os 600 postulantes a dez vagas no programa de aceleração, eles foram selecionados.
O CookMood funciona assim: qualquer interessado pode se cadastrar para dar ou receber aulas de culinária por streaming de vídeo. O professor escolhe o valor da aula que quer dar (o mínimo é 5 dólares) e o valor depende do conteúdo, da experiência que tem etc. Os pagamentos são feitos via PayPal — tanto pelos alunos quanto o repasse aos professores — e o CookMood fica com 20% dos valores negociados.
Mas este não foi o formato inicial. No meio do processo de desenvolvimento do negócio os sócios deram uma guinada no formato inicial da plataforma. “O localizador de cozinheiros era ótimo, mas não tão democrático. Por envolver o valor alto de ter uma pessoa cozinhando na sua casa, percebemos que estávamos criando um serviço muito elitizado”, conta Patrícia. Em busca de tornar a plataforma mais acessível, pensaram no modelo de interações virtuais, para chegar a mais pessoas, ter um cunho mais democrático e conectar pessoas que estão distantes, não só aquele cozinheiro que mora na rua da sua casa. A solução: streaming. “Foi assim que o CookMood se tornou o que é hoje, e tenho certeza que nosso projeto só foi aceito por conta desse formato mais popular”, diz ela.
UMA COISA LEVA À OUTRA
Para viabilizar o que haviam pensado, o aplicativo demandava ainda mais tecnologia que o modelo inicial. Foi preciso buscar uma agência que pudesse colocar em algoritmos a ideia. “Depois de pesquisar, encontramos uma agência que poderia fazer o que precisávamos. Durante nossas reuniões como cliente, o dono da agência ficou muito entusiasmado com a ideia. Ele não quis ser apenas fornecedor, ele propôs entrar sócio, o que foi ótimo, porque faltava mesmo na equipe alguém com esse background na área”, conta Patrícia. Assim, o programador e diretor de criação Jonattas Poltronieri se tornou o terceiro sócio do CookMood. “O trabalho dele foi primordial. Ele a equipe de tecnologia deixaram a plataforma pronta em tempo recorde”, diz Felipe.
Em setembro deste ano, a equipe partiu para Nova York, pois o processo de aceleração envolvia monitorias, networking com outros empreendedores da área, encontro com diversos mentores da área, discussões do projeto para que ele pudesse ficar mais lapidado. “Foi um aprendizado que nunca teríamos aqui. O processo todo foi muito transformador para cada um de nós, profissionalmente, e também para nós como equipe”, conta Patrícia. Em Nova York, a publicitária Michelle Burgees, filha de pai americano e mãe brasileira que já trabalhava em agências da cidade como marketing, chegou a integrar o grupo como sócia, mas meses depois deixou o projeto.
Uma segunda mudança de rumo no projeto veio após o aconselhamento da equipe da Food-X de que eles deveriam lançar a CookMood globalmente, o que implicaria em fazê-lo em Nova York. “Pensamos que voltaríamos com uma bagagem enorme para o Brasil para lançar o aplicativo no país. Quando eles sugeriram o lançamento nos Estados Unidos, tivemos que repensar toda a estratégia, até em nossas vidas”, conta Patrícia.
Por ter dois filhos pequenos, ela se mantém entre São Paulo e Nova York. O restante da equipe agora adotou a cidade americana como base. Em novembro, os quatro se juntaram para o Demo Day (o mesmo que Felipe esteve como convidado no ano passado), onde apresentaram o projeto formatado para grupos de investidores, ventures, mídia e público especializado. Agora, os planos são de encontrar ali investidores dispostos a financiar o desenvolvimento do projeto.
A versão beta do CookMood está no ar desde o final de novembro, já tem mais de 1 000 cadastros, cerca de 20 aulas ministradas e deve permanecer assim por pelo menos três meses. “É o tempo que temos para acertar a tecnologia, a ponto de podermos pesquisar e fazer os testes que queremos. Se é esse mesmo o modelo de interação, então estamos coletando a experiência do professor, do aluno. Neste primeiro momento, as aulas são gratuitas”, conta Patrícia. Também é um período para encontrar os investidores e poder desenvolver a plataforma para iOS e Android.
Inicialmente, Patrícia investiu 150 mil reais no projeto. Com a aprovação no programa da Food-X, eles receberam mais 10 mil dólares. No momento, Felipe segue em Nova York em reuniões com investidores e Patrícia, em São Paulo, também tem feito prospecções. “Estamos também conversando com investidores brasileiros e, apesar das taxas de câmbio, existe a possibilidade de termos investidores nacionais, que é algo que a gente adoraria”, diz.
O valor para o desenvolvimento completo da operação foi orçado em 800 mil dólares. “Não é um valor baixo, porque envolve uma equipe grande de tecnologia e a tecnologia de live streaming é cara. A gente precisa marketear a plataforma nos EUA, também, e o valor seria para fazer tudo isso”, conta Felipe. A equipe sabe que o desafio é grande – na mesma medida da ambição do projeto, aliás. Patrícia fala de como é estar de novo próxima do DNA de que sentia falta:
“O CookMood é empoderador e inovador. Qualquer um que saiba cozinhar pode ser um professor. Você precisa de poucos recursos para filmar: um celular, um tablet ou um computador. A aula acontece na sua cozinha ou na cozinha que você quiser”
Outro argumento dela é o fato de ser uma aula real, sem produção, edição, como é o caso dos principais programas de TV ou de canais de culinária na internet. “Isso permite uma identificação e uma interação muito maior com quem tá dos dois lados da tela”, afirma ela.
Para Felipe, o fato da gastronomia ter se tornado atualmente um assunto mais recorrente na vida e na preocupação das pessoas ajuda para que o projeto cresça. “O mais gratificante é fazer com que pessoas que amam cozinhar influenciem outras pessoas a cozinhar também. É uma corrente que não tem fim”, diz ele: “É nisso que acreditamos”. Não é à toa que o chef catalão Ferran Adrià, um dos mais inovadores e visionários cozinheiros da atualidade, uma vez disse que a culinária é “a maior rede social que existe”. Patrícia, Felipe e Jonattas estão dispostos a comprovar isso.
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