Em 2013, o Brasil recebia a Copa das Confederações – um pequeno aperitivo do que seria a Copa do Mundo, no ano seguinte. Apaixonados por esporte e com o desejo de empreender, os amigos de infância Carlos Felipe Leão, Daniel Figueira e Gustavo Valente perceberam o bom momento para o futebol e investiram no projeto Olho do Furacão, que consistia em reproduzir a atmosfera de uma mesa de bar em vídeos do YouTube. “A gente gravava o jogo e depois editava a reação das torcidas”, conta Gustavo.
O programa trazia torcedores de cada equipe em campo. Daniel e Carlos haviam passado por um intercâmbio em Salamanca, na Espanha, onde conheceram Brenno Eudes. Quando a final se desenhou entre Brasil e Espanha, o trio não teve dúvidas: convidou Brenno para fazer as vezes de torcedor espanhol. Os rapazes ainda não sabiam, mas nascia ali a parceria que, meses mais tarde, resultaria na criação startup Doutor Já — uma plataforma que facilita a marcação de consultas médicas de baixo custo: dá a localização de médicos, apresenta uma ficha desses profissionais (se atendem convênio, e também a avaliação que receberam dos usuários da plataforma) e os horários disponíveis na agenda. Funciona em dispositivos móveis e no desktop.
Empreendendo em tecnologia, Gustavo revirava a internet em busca de informações, inspirações e modelos para o Olho do Furacão. Foi assim que esbarrou na ZocDoc, startup americana de marcação de consultas médicas. Ele mostrou o modelo para Daniel e Carlos. “Vimos que era uma proposta de valor bacana e algo que a gente podia fazer”, conta Gustavo. Desenvolver algo nesse sentido ficou como um projeto paralelo ao de conteúdo esportivo, mas que também mereceu a dedicação dos amigos. Eles, então, pesquisaram a fundo o setor de saúde ao analisar alguns dos (muitos) gargalos do sistema no Brasil, perceberam o potencial da ideia.
Em um país com acesso problemático à saúde (e escrevemos essa reportagem antes do colapso do sistema de saúde pública no Rio), o projeto esportivo ficou pequeno diante da possibilidade de impactar milhões de brasileiros. Carlos fala da ambição que motivou ele e os amigos:
“Algumas pessoas nascem com a vontade de resolver problemas ao longo da vida. Acho que empreender tem a ver com isso, com encontrar soluções para problemas que ninguém resolveu antes”
Com essa ideia em mente, eles voltaram a entrar em contato com Brenno que, formado em Publicidade e Propaganda, tinha a expertise que faltava ao grupo composto por um advogado (Daniel), um engenheiro (Carlos) e um administrador (Gustavo). O time estava formado. E eles se inspiraram no modelo da ZocDoc para em seguida, como gostam de dizer, “tropicalizar” a ideia.
COMO ESCAPAR DOS RISCOS AO SE INSPIRAR EM ALGO EXISTENTE
Brenno comenta a questão: “Sabemos que não adiantaria pegar um modelo que deu certo lá fora, copiar e colar aqui, achando que vai funcionar também”. Para evitar as armadilhas que a inspiração externa poderia oferecer, ainda em 2013, os amigos começaram a pesquisar os diferentes aspectos de uma possível aplicação de um modelo semelhante ao da ZocDoc no Brasil.
O trabalho revelou inúmeras diferenças entre o ambiente do aplicativo nos dois países, que iam desde a existência de um sistema público gratuito de saúde no Brasil, o SUS, (algo que começou a se desenvolver nos Estados Unidos apenas em 2014, lá chamado de Obamacare) até a diferença na qualidade da cobertura de internet móvel e acesso a smartphones da população (muito maior na terra de Obama do que por aqui). O modelo da ZocDoc parecia uma boa inspiração — mas nem de longe representava um formato pronto.
Ao se aprofundarem na saúde brasileira, os amigos identificaram que, à esteira da célebre ascensão da classe C na última década, ocorreu uma proliferação de clínicas populares no país. Ao mesmo tempo, os planos de saúde apertam cada vez mais o cinto, extinguindo contratos individuais e aumentando tarifas dos existentes. Hoje, no Brasil, menos de 30% da população tem plano de saúde. “O usuário do SUS tem que ir ao hospital, pegar fila. E um dos problemas mais relatados é a possibilidade de não ser atendido, porque sistema está superlotado”, diz Gustavo.
Nesta massa de 150 milhões de pessoas que não contam com planos de saúde está uma parcela da população que, embora não tenha condições de contratar uma seguradora, poderia arcar com consultas pontuais a preços mais em conta. Aí, na visão deles, estava o mercado a ser atingido pela empresa que estavam gestando. Este se revelou o oceano azul da empresa.
Ainda na fase de pesquisa de mercado e hábitos das pessoas, sócios descobriram que muitas vezes elas procuram o SUS por não saber que há consultas particulares a valores acessíveis (na Doutor Já, há consultas por 72 reais). O modelo foi sendo lapidado até chegar à sua versão final: uma plataforma criada para democratizar o acesso da população a profissionais de saúde, com foco nos pacientes que podem pagar por consultas a preços populares, “mas ainda não sabem disso”. Ao catalogar profissionais e clínicas com os preços de consulta, a Doutor Já pretende mostrar a estes pacientes que eles podem contar com um atendimento de melhor qualidade a valores acessíveis. Gustavo fala desse nicho:
“O usuário de plano de saúde, bem ou mal, tem o seu livrinho. Para ele, marcar a consulta online é só um adendo. O paciente do nosso oceano azul está desamparado. Para ele, a Doutor Já não é apenas legal: é a solução, é o impacto, é a mudança”
Os sócios acreditam, também, que ao direcionar estes pacientes para a rede particular, a Doutor Já alivia a demanda no SUS, o que representa uma melhora também para as classes mais baixas, aqueles que não podem pagar consultas nem a preços populares.
Para os médicos, a plataforma Já funciona da seguinte maneira: os profissionais enviam suas informações (foto, currículo, horários e locais de atendimento, valor da consulta e planos de saúde atendidos, se houver) para a Doutor Já, que verifica a situação do profissional no respectivo Conselho de classe. Se o registro estiver regular, ele entra para o cadastro, e será responsável por atualizar sua agenda no sistema.
Para os pacientes, após preencher um cadastro e aplicar filtros de especialidade procurada, região, plano de saúde ou consulta particular, a Doutor Já exibe os profissionais mais próximos dentro do plano de saúde ou orçamento permitido, bem como as disponibilidades de agenda. O paciente escolhe o horário mais conveniente e pronto, a consulta estará marcada. Para evitar esquecimentos, tanto os profissionais como os pacientes recebem alertas por e-mail, SMS e post no celular (WhatsApp) 24 horas antes do horário marcado. Caso uma das partes não possa comparecer, é possível desmarcar ou remarcar a consulta pelo próprio aplicativo.
Mais particularidades do negócio: com o objetivo de promover o melhor relacionamento entre as partes, pacientes que faltam três vezes a consultas marcadas têm o cadastro cancelado. Após a consulta, pacientes e profissionais recebem um pedido de avaliação da experiência, e os profissionais mais bem avaliados passam a ocupar as primeiras posições nas buscas. A Doutor Já ainda não cobra pelo serviço — a startup estava em fase de investimento até o fim de 2015. Neste período, os sócios levantaram cerca de 1 milhão de reais no mercado.
A OPERAÇÃO COMEÇA LENTA, BASEADA NO TRATAMENTO PESSOAL
O site foi lançado em agosto do ano passado e a Doutor Já está disponível também em aplicativos dos sistemas iOS e Android. Hoje, há cerca de 3 000 profissionais da saúde cadastrados (entre médicos, dentistas, nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos e fonoaudiólogos). Os mais de 40 mil usuários da plataforma realizam em média 2 000 consultas por mês.
Finalizada a fase de testes e de validação da proposta, a plataforma deverá se tornar um market place no primeiro semestre deste ano, passando a cobrar dos médicos um percentual sobre cada consulta gerada por lá. Profissionais novos na plataforma terão um período gratuito para testar a ferramenta e, para os pacientes, o serviço seguirá gratuito.
Um dos maiores desafios da empresa, especialmente no início, foi a adesão de profissionais à ideia. “Esta é uma classe que valoriza muito a confiança. Precisa do contato, do aperto de mão”, conta Daniel. Não teve jeito: para conseguir cadastrar os profissionais, os sócios tiveram de fazer visitas pessoais, de consultório em consultório. Com o tempo, o bom resultado das consultas aumentou o boca a boca entre a classe, até hoje o maior aliado de marketing Doutor Já, que a despeito de contar com equipes comerciais apenas no Rio de Janeiro, tem profissionais cadastrados em 12 estados do país.
Para manter a relação bem próxima, uma vez por semana os sócios visitam alguns desses profissionais e, regularmente, a empresa prepara eventos, como cafés da manhã, com médicos. O relacionamento com doutores de outros estados ainda não é presencial, mas é feito por Skype, telefone, e-mail e WhatsApp. A estratégia tem dado certo, na visão dos sócios, e eles informam centralizar 90% da atuação da Doutor Já na região metropolitana fluminense – exatamente onde o oceano lhes era mais azul.
NO HORIZONTE, PLANOS DE EXPANSÃO E GAMIFICAÇÃO
Entre os planos dos sócios está a vontade de incluir conceitos de gamificação da plataforma — com a criação de mecanismos de estímulo e recompensas aos usuários. E olha só se o futebol não ia voltar à roda: os fundadores também estão em início de negociação com alguns clubes de futebol do Rio para firmar parcerias envolvendo as torcidas. Ainda na pegada esportiva, os sócios veem nos Jogos Olímpicos deste ano uma grande oportunidade para desenvolver ainda mais a plataforma – afinal, democratizar o acesso à saúde também inclui os turistas no Rio de Janeiro, berço da startup. Também para este ano, está prevista a entrada oficial no mercado de São Paulo.
Os quatro amigos não escondem o entusiasmo com o empreendimento que, se os prognósticos estiverem certos, vai começar a gerar suas primeiras receitas este ano. Não são poucos os planos dos sócios tanto que Brenno foi assertivo ao descrever onde vê a si mesmo, e aos companheiros, no futuro: “Em Nova York… comprando a ZocDoc”. Saúde!
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