É fazendo que se aprende. Compartilhando o que se aprendeu, pode-se fazer muito mais. O movimento maker, uma extensão mais tecnológica e da cultura faça-você-mesmo, tem como base a ideia que é mais interessante fazer as coisas em vez de comprá-las prontas. Para tornar isso possível há, espalhados pelo mundo, inúmeros makerspaces, que são as oficinas-laboratórios montados com o objetivo de aguçar a criatividade e a inovação ao dar a qualquer interessado acesso a ferramentas de uso compartilhado, desde pregos até impressoras 3D, cortadoras a laser, furadeiras e componentes eletrônicos. É um princípio semelhante ao dos Fab Labs (dos quais falamos aqui): com a presença de pessoas de diferentes áreas, a inovação surge de maneira multidisciplinar a partir das trocas ali realizadas.
O primeiro makerspace do Rio de Janeiro, o OHMS, está completando cinco anos de atividade, o que é um convite para olhar o que funcionou, o que já mudou e o que ainda vai mudar em seu modelo de funcionamento.
Seu fundador, o carioca Dado Sutter, de 55 anos, é maker desde antes dessa denominação existir. Quando criança, ao assistir filmes de rolo, enquanto todos olhavam para o que estava sendo projetado ele ficava vidrado no projetor para entender como aquela máquina funcionava. Não demorou muito para que, em 1979, se tornasse o primeiro brasileiro a montar o próprio computador em casa, aos 19 anos, quatro anos antes do primeiro PC da IBM chegar ao mercado nacional. Formado em informática, mas “sem pedigree acadêmico e na livre aprendizagem” segundo ele mesmo, Dado é a favor de compartilhar conhecimento:
“Sempre detestei patentes. O colaborativo é sempre mais rico. Se algo serve para alguém, não pode ser de posse de uma pessoa ou empresa. Se tem utilidade e valor, precisa ser de todos”
Dado abriu o makerspace em 2011, na garagem de sua casa, após ter trabalhado no desenvolvimento do laboratório de eletrônica e software da PUC-Rio. Ele conta que na universidade não havia interesse de se montar um makerspace aberto a quem quisessem participar, e diz que a demanda por esse espaço era grande. Foi o que o levou a deixar o laboratório da PUC e abrir o seu: “Eu não queria mais perder tempo com algo que não era talento meu”.
O PREÇO DE DECIDIR APRENDER FAZENDO
Ciente de que precisaria de uma equipe experiente para colocar o sonho na rua, Dado juntou-se a André Sarmento, professor de eletrônica da Universidade Estácio de Sá e André Trichez, engenheiro de patrimônio do Banco Central. Os três decidiram, então, aprender fazendo. “Eu queria tornar aquilo realidade, parar de teorizar no ideal e fazer no real. Não queria fazer da melhor forma, mas da forma possível”, conta Dado. O desejo era ampliar as discussões para além do ambiente universitário e estimular quem queria fazer e não só discutir como se faz.
O carro de Dado nunca mais voltou à garagem, que deu espaço ao OMHS, anagrama de Our Home Maker Space, que faz referência a uma unidade de resistência elétrica. “Porque é uma unidade de resistência manter um makerspace no Rio de Janeiro.” No OMHS todos eram bem vindos: vizinhos, estudantes, curiosos, quem quer que passasse pela garagem de uma rua sem saída no bairro do Jardim Botânico. Eles sabiam que o espaço era pequeno: 26m² divididos entre marcenaria, eletrônica e mecânica, mas isso não foi empecilho. “Queríamos aprender com as portas abertas”, conta Dado.
A ideia inicial era ser um espaço colaborativo, sustentado com a contribuição espontânea dos frequentadores. “Achamos que que as pessoas interessadas, ao frequentar um lugar que contribui com seu desenvolvimento, colaborariam com o desenvolvimento do lugar”, ele diz, fosse com dinheiro, ferramentas, equipamento, maquinário ou mesmo manutenção. Cerca de 50 pessoas utilizavam o espaço frequentemente e a ideia do fundador era de que pudessem investir para que o espaço se sustentasse.
Não foi o que aconteceu. O modelo se mostrou financeiramente inviável, mas isso não frustrou Dado. “Trabalhamos e nos organizamos enquanto rede de maneira muito positiva. Foi graças à nossa atuação em rede e ao compartilhamento de conhecimentos, encontramos cabeças que realmente se identificaram com o espaço e pudemos ser vistos por tantas outras pessoas que sempre tiveram reações positivas em relação ao nosso trabalho”, avalia ele.
Foi assim, “em rede”, que a comunidade criada ao redor do local desenvolveu um modelo de remuneração para o uso do OHMS. Haviam os Super Condutores (os três sócios iniciais) e os Condutores, que eram cerca de 12 pessoas que frequentavam o espaço e pagavam 95 reais por mês para ajudar com os custos. Aos poucos, o número de Condutores foi diminuindo, pois as pessoas estavam tendo dificuldades para colaborar com a quantia.
FALHE CEDO, FALHE BARATO, FALHE SEMPRE
Mais uma vez, o ideal e o real não estavam se fundindo. Mariana Salles, 28, atual sócia de Dado fala sobre a entrega dele à ideia de um espaço ideal e colaborativo. “As pessoas chegavam aqui a qualquer dia, em qualquer hora e achavam que Dado precisava parar o que estivesse fazendo para ajudá-las”, diz ela, designer de produto formada na Michigan State University e fundadora da Bolei, que cria produtos ecológicos e criativo. Mari chegou ao OHMS em 2014 para ajudar Dado a desenhar formatos rentáveis — e, na prática, para ensiná-lo a dizer “não”. A inexistência de um modelo de negócios, junto a uma educação equivocada dos frequentadores fez com que todo o funcionamento do espaço precisasse ser repensado.
A dupla Dado e Mari tinha grandes desafios. O espaço reduzido, o custo de manutenção, a compra de ferramentas e o aluguel do espaço somavam cerca de dois mil reais por mês, valor que não era atingido com as contribuições. Mari vislumbrou que demanda das pessoas para que Dado as ajudasse em trabalhos não remunerados poderia ser solucionada com uma organização mais estruturada da agenda, um treinamento inicial e portas “não tão” abertas assim.
Eles seguiam acreditando na colaboração, mas percebiam que as pessoas não haviam sido educadas para isso. Era hora de diminuir o entra e sai, sem eliminá-lo, já que seguia sendo importante ver a oficina rodando, sem maquinário ocioso. Contudo, era necessário ganhar dinheiro a curto prazo. Prestar serviço para empresas foi a estratégica escolhida. As portas da garagem foram fechadas temporariamente e os projetos para empresas, que entraram no primeiro semestre de 2015, puderam pagar as contas e tranquilizar Dado e Mari.
Os serviços se dividem em três: o primeiro é chamado Protótipos Inteligentes, onde o OHMS faz a implementação tecnológica de projetos, como o parquinho inteligente feito para o Museu da Light, no qual Dado e Mari elaboraram e implementaram e a tecnologia para os brinquedos. Outro é chamado Produtos Inovadores, no qual o OHMS dá espaço para a produção de itens autorais como o Vrum Vrum (idealizado e produzido pela Mari), que transforma mouses velhos em carrinhos e trenzinhos de brinquedo. Por fim, há o eLua: um software livre desenvolvido a quatro mãos por Dado e pelo romeno Bogdan Marinescu que poderá ser usado pela Nasa para ajudar a controlar o pouso de espaçonaves.
APÓS O CHOQUE, NOVAS REGRAS E UM NOVO MODELO
No início do segundo semestre de 2015, já reestruturados financeiramente, Dado e Mari reabiram o OHMS como espaço colaborativo, mascom um novo modelo de remuneração. Os cinco Condutores restantes e os Super Condutores colaboram com 60 reais mensais e os serviços prestados para empresas (que não pararam de acontecer) são o que garante a sustentabilidade financeira do espaço. As mensalidades agora são somente uma ajuda de custo. “O espaço é muito pequeno e que mensalidade não iria nunca pagar nossos custos”, conta Mari.
O oficina voltou a abrir suas portas, mas com uma análise mais cuidadosa de quem poderia se beneficiar dela. “Não somos o lugar para produção em escala, somos o lugar para prototipação. A estadia da pessoa aqui precisa ser boa para todos”, diz Mari. Também foi instaurado um horário de visitação com número restrito de participantes (às quartas-feiras, das 17h às 19hs, com agendamento por email), que devem se apresentar e dizer o que querem fazer no OHMS. Quem mais se beneficia do modelo são pessoas que já vêm com a ideia concebida e precisam de ferramentas para realizá-la. Mari fala a respeito:
“Quando a pessoa vem com uma ideia muito solta do que quer fazer, nada acontece e a gente acaba drenado”
Com uma pauta minimamente organizada, e tendo ao redor pessoas com conhecimento prévio, acaba colaborando com os projetos ali realizados e a permuta passa a ser interessante para todos. As pessoas usam as máquinas e fornecem serviços gratuitos para o OHMS. “Tem uma pessoa que usa a nossa CNC (máquina digital que posiciona uma ferramenta qualquer em determinada posição) para projetos próprios, terceirizados e para o OHMS também. Com ele fazemos uma troca. Ele não paga para usar o OHMS para projetos próprios, mas também não recebe para fazer projetos para o OHMS. E se ele terceirizar, ele paga o OHMS por hora”, conta Mari.
O momento agora é de equilibrar a gestão do espaço colaborativo com os serviços prestados. Para que essa maneira de produzir e funcionar possa existir de maneira sustentável, o makerspace passou a contar com um outro braço de serviços, chamado Educação Para o Fazer, que dissemina conhecimento em escolas, para professores e alunos e também nas empresas. A ideia é que o conhecimento seja difundido para a próxima geração e também para quem multiplica. Hoje, Dado e Mari oferecem cursos no SESC e em um projeto para qualificar os “Professores Fazedores” da Escola Parque.
O sonho dos dois sócios é ver o OHMS funcionando com uma cartela de clientes, pessoas frequentando o espaço e novos projetos surgindo da interação entre todos. “Mas não queremos crescer muito, para não ficarmos amarrados. Quero liberdade de vida. Não queremos ser replicáveis nem gigantes. Queremos ter estrutura e qualidade para realizarmos os nossos projetos e os de outras pessoas”, diz Mari, com o entusiasmo de quem começou há pouco e vê potencial em tudo que a garagem pode oferecer.
Dado está feliz de tê-la por perto, visivelmente ajudando-o a dar estrutura para um sonho pelo qual ele vinha batalhando há tantos anos. Mesmo com uma estrada com tantos percalços, ele segue firme na proposta do fazer. “Ainda tem uma galera que bota o dedo na cara, criticando. Mas eles estão lá sentados, e eu estou aqui, fazendo. Prefiro agir desse jeito, fazendo”, diz ele. Dito e feito.
Com móveis de encaixe e produção sob demanda, a Fitto quer tornar a indústria moveleira mais prática e sustentável. (Agora, se prepara para desembarcar no mercado europeu.)
Neto do fundador de uma das mais conhecidas empresas de cadeados do Brasil, Gianpaolo Papaiz não se identificava com os negócios da família. Foi se encontrar em meio a kits de Arduino e lançou no fim de 2019 seu primeiro produto (ou experiência, como prefere): a Alva, uma luminária vendida em peças, para ser montada em casa.
Mãe e filha, Adriana e Maria Fontana uniram o gosto por trabalhos manuais e a preocupação com o meio ambiente. No começo, coloriam e estampavam roupas e acessórios com foco no consumidor final, mas hoje atendem encomendas de confecções – e agora querem crescer sem perder sua essência.