Sempre que a ciência faz novas descobertas, a reação das pessoas varia entre a empolgação e a incerteza. Pense no caso da saúde. Quando surgiram as primeiras vacinas e os antibióticos, a população reagiu com temor e desconfiança. Graças a esses avanços, porém, muitas doenças hoje podem ser facilmente combatidas ou evitadas. Tudo isso só foi possível após inúmeros estudos e pesquisas, comprovando a eficácia e a segurança dos medicamentos. E é assim também no campo da tecnologia alimentar. Os Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), popularmente conhecidos como “transgênicos”, passam por uma longa, intensa e criteriosa avaliação até que se tenha certeza de que o seu consumo não oferece riscos. Somente após este processo, eles se tornam disponíveis para o consumidor final.
Os estudos sobre segurança dos alimentos derivados de OGMs seguem padrões definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU) – e são mais rigorosos do que os realizados com alimentos tradicionais. Só a União Europeia já realizou mais de 130 projetos de pesquisas envolvendo mais de 500 grupos independentes durante os últimos 25 anos e a conclusão é que as culturas derivadas da biotecnologia são tão seguras quanto as tecnologias convencionais de cruzamento de plantas. Esse resultado se repete em todo o mundo – já são mais de 2 mil pesquisas sobre o tema, realizadas por órgãos científicos e agências reguladoras.
E aqui no Brasil?
A Legislação brasileira sobre os produtos transgênicos é reconhecida por sua eficiência e estabilidade. “Ela determina, por exemplo, que qualquer instituição ou empresa que quiser fazer pesquisas envolvendo os OGMs deverá obter credenciamento e permissão na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação”, diz Luciano Fonseca, gerente de Regulamentação-Segurança de Produtos da Monsanto.
O processo de aprovação dos transgênicos no Brasil passa pelas seguintes etapas:
Fase 1: Comprovação do novo produto biotecnológico via complementação dos estudos.
Fase 2: Submissão do pedido de aprovação para a comercialização à CTNBio.
Fase 3: Avaliação e aprovação pela CTNBio.
Fase 4: Reiteração com o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), quando necessário.
Fase 5: Solicitação de aprovação a órgãos dos países importadores.
São cerca de 10 anos de testes, análises toxicológicas, alergênicas, nutricionais e ambientais, seguindo rígidos protocolos de biossegurança para garantir que os produtos estejam aptos para o consumo humano, animal e para o meio ambiente. “Estes estudos são gerados em laboratório ou em campo, seguindo os mais rígidos padrões de pesquisa estabelecidos e aceitos pela comunidade científica internacional”, diz Luciano.
Airton Vialta, pesquisador científico do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), dá uma idéia do nível de detalhamento exigido pela CTNBio. “Os estudos incluem desde informações referentes aos genes introduzidos e suas funções específicas, até a análise da capacidade deste OGM causar efeitos adversos ao consumidor, seja humano ou animal. É preciso, também, verificar os resultados em relação à toxicologia e reações alérgicas. Os estudos ainda fazem um comparativo entre a versão geneticamente modificada e a tradicional, e até mesmo os efeitos da polinização das plantas transgênicas são profundamente observados. Por tudo isso, podemos afirmar com base científica que o consumo de transgênicos não oferece riscos”, diz.
Polêmicas em série
Adriana Brondani, diretora-executiva do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), lembra que os transgênicos vêm sendo utilizados há mais de 15 anos, em pelo menos 50 países. “E nunca houve registros sobre o impacto negativo, seja na saúde humana ou na saúde animal”, explica. “Afirmação contrária a essa não encontra respaldo na literatura científica mundial.” O fato é que, apesar da Comunidade Científica Internacional reconhecer a biossegurança dos transgênicos, ainda se fala relativamente pouco sobre o tema. E a falta de informações acaba alimentando opiniões equivocadas. Para dar fim à polêmica, vale a pena conferir a opinião de experts no assunto.
Um estudo publicado em outubro de 2014 pela revista científica Journal of Animal Science abordou a presença dos OGMs na alimentação de bovinos. Conduzida pela geneticista da Universidade da Califórnia-Davis, Alison Van Eenennaam, a pesquisa analisou 29 anos de produção pecuária e colheu dados sobre a saúde do gado antes e depois da introdução dos transgênicos. A amostragem foi representada por mais de 100 bilhões de animais e incluiu o período anterior a 1996, época em que a alimentação era composta 100% de não transgênicos, e a fase posterior, quando atingiu quase 90% de OGM na ração. A principal conclusão é que a alimentação transgênica equivale a convencional, não geneticamente modificada. A publicação ainda comprovou que não há diferenças na qualidade nutricional da carne, do leite ou de outros produtos derivados de animais alimentados com ração contendo ingredientes geneticamente modificados.
A verdade é que o assunto alimentação sempre gera polêmica, mesmo se não envolve transgênicos. Ingredientes comuns no dia a dia são exaltados por seus benefícios ou acusados de prejudicar a nossa saúde – alternando-se nos papeis de mocinho e vilão. Citemos o ovo, por exemplo. Em 2012, a revista Atherosclerosis alertou que as gemas eram tão prejudiciais quanto o fumo. Já em 2013, o British Medical Journal anunciou que não havia relação entre o consumo do ovo, desde que uma unidade por dia, e o aumento do risco de problemas cardiovasculares. O café também esteve sob ataque – e acabou reabilitado. Neste ano, um trabalho de pesquisadores sul-coreanos divulgado na publicação científica Heart mostrou que o consumo diário de algumas xícaras pode ajudar a evitar o entupimento das artérias.
Diante de tantas informações, algumas às vezes desencontradas, é normal ter dúvidas. O melhor caminho para uma alimentação saudável é seguir o bom senso, adotando um cardápio variado – e fugindo dos radicalismos.