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Política mão na massa: o Vetor Brasil quer criar uma rede de transformadores na gestão pública

Italo Rufino - 19 jan 2016 Joyce e os funcionários da Vetor Brasil, Michel, Leticia e Tâmara (foto: Kalinca Maki).
Joice e os funcionários do Vetor Brasil, Michael, Leticia e Tâmara (foto: Kalinca Maki).
Italo Rufino - 19 jan 2016
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Quem não se lembra das manifestações de junho de 2013 que sacudiram o país? Milhares de pessoas saíram às ruas para mostrar aos governantes suas insatisfações e exigir mudanças nas políticas públicas. Além do passe livre, os manifestantes e a população como um todo pediam melhorias na saúde, educação, mobilidade urbana e segurança. Na mesma época, uma organização estava sendo formada por jovens que também compartilhavam o desejo de mudança: era o Vetor Brasil, que tem como missão levar recém-formados a atuarem como trainees em governos estaduais e municipais de todo o Brasil.

Fundada oficialmente cerca de um ano depois, em junho de 2014, o propósito do Vetor Brasil é criar uma rede de transformadores de políticas públicas – pessoas que unam conhecimento acadêmico com vontade de resolver os problemas do país. A organização já recrutou quase 50 trainees divididos em duas turmas.

O Vetor Brasil não tem fins lucrativos e é um projeto apartidário, ou seja, atua em governos de diferentes siglas, nos níveis estaduais e municipais (não opera com o governo federal). Nas palavras de Joice Toyota, 31, co-fundadora da organização, o que vai ajudar o Brasil é a descentralização de poder e, consequentemente, o fortalecimento dos municípios. “Com prefeituras mais fortes, teríamos maior participação popular nas tomadas de decisões. Além disso, o Brasil é um dos maiores laboratórios federativos do mundo, com mais de 5 000 municípios. Podemos criar boas práticas de políticas públicas nas cidades afim de implantar as melhores ações em outras esferas do governo em todo o país”, diz.

Os trainees do Vetor Brasil são parecidos com os de grandes empresas. Alguns deles, por exemplo, foram aprovados em seleções da Ambev, McKinsey e Embraer, mas preferiram ingressar na carreira pública. E o que leva esses jovens a tomar tal decisão?

COMO CRIAR UMA REDE TRANSFORMADORA

De acordo com Joice, há muitas vantagens de trabalhar no setor público. A primeira é atuar com propósitos mais claros – fazer o que se gosta e gerar impacto social. Há também a vantagem de conhecer diferentes lugares do Brasil e seus desafios reais, que podem ser bem diferentes do que os jovens estão acostumados, como Joice conta:

“Tem trainee que quer seguir carreira em educação pública mas nunca estudou na rede estadual, não faz ideia de como é a rotina dessas escolas. Conhecer a realidade de perto é uma experiência enriquecedora”

Em 2014, houve 1 700 candidatos ao programa de trainee. Havia apenas 12 vagas. Em 2015, o número de inscritos subiu para 9 400, que disputaram 35 posições – a relação de candidatos por vagas ficou próxima a de programas de empresas como Banco Itaú e Votorantim.

Para selecionar os mais aptos, o Vetor realiza uma série de entrevistas, divididas em três etapas – tudo online. A primeira parte da seleção consiste em análise das informações básicas dos candidatos (currículo e experiências), testes (inglês e raciocínio lógico), vídeo gravado pelo candidato sobre sua a trajetória pessoal e questões dissertativas sobre propósito. É preferível jovens com até três anos de formado. Não há delimitação de universidades, cursos e idade – já houve candidato com mais de 60 anos. A formação também varia bastante, há gente de exatas, humanas e biológicas.

Joyce e José junto a trainees e funcionários da Prefeitura de Salvador

Joice e José junto a trainees e funcionários da Prefeitura de Salvador.

Na segunda parte são realizadas entrevistas individuais. A primeira entrevista é por competências. Consultoras independentes indicadas pela Fundação Estudar, apoiadora do Vetor Brasil, participam desta fase. Em seguida, o candidato precisa comentar um caso de administração pública.
Na terceira e última fase, o Vetor Brasil realiza a indicação dos candidatos para o governo, considerando o escopo da posição, perfil dos candidatos e suas respectivas preferências. Por fim, a Secretaria (contratante) realiza a entrevista individual com o candidato e oferece a proposta de trabalho aos aprovados.

Não há testes de integridade ética. No entanto, durante as entrevistas, é avaliada a flexibilidade do trainee. “Entendemos que uma pessoa muito flexível em relação a leis, regras e normas pode estar mais propensa a um comportamento antiético”, afirma Joice.

Passada a prova de fogo, é hora de por a mão na massa. Ao longo de 2015, os trainees da primeira turma foram alocados em diferentes secretarias de vários estados. Eles foram contratados pelos governos por períodos de um ou dois anos. A remuneração fica entre 3 500 e 5 000 reais – a variação se dá de acordo com o diferente custo de vida das cidades em que trabalham.

Hoje, há 46 jovens do Vetor Brasil em secretarias dos governos estaduais do Amazonas, Pará, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Santa Catarina e Paraná e nas prefeituras de São Paulo e Salvador. Um dos trainees que atua em São Paulo, por exemplo, trabalhou no projeto Pitch Gov SP, iniciativa para buscar inovações propostas por startups para os solucionar os problemas do estado. O Pitch recebeu 304 sugestões de empreendedores para as áreas de educação, facilidades ao cidadão e saúde. As 15 melhores ideias foram selecionadas e, agora, o governo estuda a viabilidade das propostas.

De acordo com Joice, uma das grandes dificuldades para fazer reformas de impacto na esfera pública é criar ações que sejam contínuas, ou seja, que não se encerrem na troca de governos. Ela fala um pouco sobre a questão:

“As reformas nos governos falham por não trabalhar com as pessoas, que são as verdadeiras responsáveis por transformar projetos em realidade”

Joice também diz que, além de criar uma rede de transformadores, o Vetor Brasil também quer desenvolver as pessoas que estão dentro do governo. “Passamos a oferecer treinamentos e coaching para os servidores públicos. O governo precisa ter um olhar estratégico para os recursos humanos para que os bons projetos sejam duráveis.”

Os governos que recebem os trainees do projeto são indicados por organizações empresariais e executivos de consultorias de gestão. Além desta via, os profissionais do Vetor também sondam os governos que já demonstraram estar dispostos a realizar mudanças. Joice destaca dois casos. O primeiro é o governo estadual do Mato Grosso, sob comando de Pedro Taques. “ Quando ele assumiu o mandato formou uma equipe jovem afim de trazer mudanças para o estado”, diz. Outro exemplo é o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. “Ele trouxe propostas diferentes, como a implantação das ciclovias”, conta ela. A partir deste mês, a capital paulista vai receber pela primeira vez dois trainees do Vetor Brasil, que atuarão na SP Negócios, organização que desenvolve projetos de parcerias público-privadas na cidade.

QUANDO SE DESCOBRE O QUE FAZER DA VIDA

A história do Vetor Brasil também teve início com jovens querendo fazer a diferença. Além de Joice, a organização tem mais um fundador: José Frederico Lyra – outros estudantes, recém-formados e amigos também participaram da gestação da organização.

Os jovens se conheceram ainda na época da graduação quando atuavam no Movimento Empresa Júnior. Em 2008, eles passaram a desenvolver por livre iniciativa planos de desenvolvimento para pequenos municípios. O problema era que muitos prefeitos gostavam dos planos, mas não tinham pessoas capacitadas para implantá-los. Isso só começou a ser encarado como oportunidade quando José foi convidado pela prefeitura de Araguaçu, cidade com cerca de 9 000 habitantes no interior do Tocantins, para tocar o plano que os jovens tinham criado.

Após a experiência, os dois fundadores do Vetor decidiram que seria melhor mudar a atuação do projeto. Em vez de operar como uma consultoria, a organização teria mais impacto ao capacitar profissionais para trabalhar nos governos. Naquela época, no entanto, devido as ocupações dos jovens, a ideia permaneceu em stand-by.

Em 2013, Joice, que é formada em engenharia e já havia trabalhado na consultoria Bain & Company e em governo, foi cursar MBA e mestrado em educação na Universidade de Stanford. Por sua vez, após terminar o trabalho em Araguaçu e ter atuado na Secretaria de Educação de Goiás, José iniciou o mestrado em políticas públicas na Universidade Harvard. Vivendo em extremos geográficos dos Estados Unidos, eles retomaram à distância o projeto do Vetor Brasil já com o foco de selecionar jovens e alocá-los em governos.

Trainees de 2015 da Vetor Brasil, em aula na FGV.

Selecionados de 2015 do Vetor Brasil, em um treinamento na FGV.

Joice e José também conheceram e estudaram algumas organizações internacionais que tinham modelos semelhantes. A ONG americana Teach for America seleciona recém-formados para dar aulas em escolas públicas. Na Índia, a ONG Swaniti recruta jovens que atuam junto a parlamentares.

No início de 2014, a dupla iniciou o piloto do programa de trainees do Vetor Brasil. Eles receberam a ajuda financeira da Fundação Lemann, em que Joice e José eram bolsistas, e do Instituto Natura, que atua em projetos de educação. As duas organizações continuaram apoiando o Vetor Brasil, juntamente com novas, como Instituto República. Todas as doações somam cerca de 350 000 reais.

A Fundação Estudar também entrou na empreitada com apoio operacional ao processo seletivo e divulgação das vagas do programa de trainees. Outra ajuda financeira veio da própria Universidade de Stanford, quando Joice ganhou uma competição de empreendedorismo social entre estudantes. Com um prêmio de 110 000 dólares, ela decidiu largar a carreira em consultoria e focar integralmente no Vetor Brasil assumindo a direção da organização. O projeto também conseguiu apoio financeiro de outras organizações, como o Instituto Multiplique, do Rio de Janeiro.

MAIS TRANSFORMAÇÕES PELA FRENTE

Atualmente, o Vetor Brasil tem seis funcionários. Além de Joice, atuam na empresa Tâmara Andrade, responsável pela seleção e desenvolvimento de trainees, Leticia Menoita e Michael Cerqueira, que apoiam os gestores, Bianca Cesário, na comunicação, e Karina Bittencourt, no administrativo. José deixou a operação do Vetor Brasil e participa apenas como membro do Conselho da organização. Ele também atua como líder na consultoria Falconi.

A expectativa de Joice é que a organização consiga alocar algumas centenas de trainees em governos nos próximos anos. Ela também deseja abranger outros níveis profissionais, como cargos de liderança. E já têm novidades. A partir deste ano, haverá processos seletivos semestrais.

Ao encerrar a conversa, Joice afirma, esperançosa, que a situação de turbulência social que o Brasil passa atualmente trará resultados positivos. “Haverá um vácuo de lideranças na política e as pessoas boas terão espaço para crescer dentro dos governos. É um momento muito propício para encontrar essas pessoas e realizar todas as mudanças que nós, brasileiros, precisamos.”

DRAFT CARD

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  • Projeto: Vetor Brasil
  • O que faz: Seleciona e capacita trainees para o setor público
  • Sócio(s): Joice Toyota
  • Funcionários: 6 (incluindo Joice)
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2014
  • Investimento inicial: R$ 135.000
  • Faturamento: não gera receita
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