Produzir com máxima eficiência, otimizando os processos e eliminando o desperdício, é um pré-requisito para o sucesso de qualquer atividade econômica hoje em dia, especialmente para a agricultura, que tem o desafio de alimentar uma população mundial crescente em um cenário de mudanças climáticas globais. A digitalização da agricultura e o uso de tecnologias de processamento de grandes volumes de dados, popularmente conhecido por Big Data, irão permitir o mapeamento de forma detalhada da produtividade da lavoura, contribuindo com o planejamento das safras pelos agricultores.
A Agricultura Digital tem um conceito diferente da Agricultura de Precisão, que começou a ser adotada no Brasil a partir dos anos 1990. “Agricultura de Precisão está ligada ao uso de equipamentos de georreferenciamento (GPS) que permitem maior precisão nas ações no campo”, diz Bianca Zadrozny, gerente de Análise de Dados de Recursos Naturais do Laboratório de Pesquisa da IBM Brasil. “A Agricultura Digital é um conceito mais amplo, que envolve a coleta de dados no campo usando uma variedade de sensores e o processamento desses dados por meio do uso de modelos físicos e agronômicos para previsões e tomadas de decisão.”
Em outras palavras, a Agricultura Digital permite criar simulações computacionais de como diferentes culturas agrícolas se comportam em diferentes condições, usando os dados coletados para identificar padrões e conhecimentos importantes para a tomada de decisão sobre qual variedade plantar e onde, e com que quantidade de insumos, por exemplo. A ampla adoção desses conceitos deverá trazer impactos benéficos e duradouros para a produção de alimentos, da mesma forma como ocorreu antes com a Revolução Verde, decorrente da mecanização agrícola e da introdução de novos sistemas de plantio, e com o advento da biotecnologia, na década de 80.
Desafios pelo caminho
Segundo um relatório recente da McKinsey, a adoção da análise de Big Data na agricultura brasileira pode gerar ganhos de R$ 24 bilhões nos próximos anos, até 2019. Hoje, porém, essa aplicação é ainda muito incipiente. “Há 20 anos, já temos disponibilidade para coletar dados de toda colheita a partir da colheitadeira. Mas isso não tem sido feito sistematicamente pelo agricultor”, diz José Paulo Molin, professor do Departamento de Engenharia de Biossistemas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ). ”Falo de dados para se fazer o mapa de produtividade de cada colheita, o que seria uma informação fantástica.”
Segundo Molin, mesmo as grandes propriedades, que possuem frotas de colheitadeiras com tecnologia embarcada, ainda não estão prontas para o advento da exploração de Big Data. “Não existe ainda transferência de dados automatizada. Não existe o processamento desses dados de forma centralizada… O procedimento de coletar dados confiáveis, juntar e transformar isso em mapas de colheita de todas as lavouras ainda é muito braçal e incompleto do ponto de vista tecnológico.”
Bianca Zadrozny, da IBM, aponta alguns dos desafios pelo caminho. “Um problema é a questão da conectividade. Os dados têm que ser transferidos para nuvem para serem processados em conjunto com outros dados já obtidos, como dados meteorológicos.” Ou seja: quanto mais conectada é a fazenda, mais fácil é o fluxo de informação. “Outro problema é o desconhecimento e a desconfiança do agricultor nesse tipo de solução.”
Há um terceiro ponto importante: a falta de uma rede mais robusta de radares e estações para monitorar o clima. No Brasil há entre 700 e 1 000 estações meteorológicas públicas e apenas 30 radares (sendo somente nove em áreas agrícolas). Só para efeito de comparação, nos Estados Unidos existem mais de 30 mil estações meteorológicas e 150 radares cobrindo todo o território do país, fornecendo informações valiosas e de domínio público que abastecem desde telejornais, para divulgação da previsão do tempo, até os órgãos de defesa civil, que precisam antecipar eventuais desastres naturais. Esses dados, claro, também são úteis para a agricultura.
Consultor de nitrogênio
Nos Estados Unidos, a Climate Corporation lança mão do Big Data para criar modelagens estatísticas a serviço da agronomia. A ferramenta FieldView® permite gerenciar, em uma única plataforma, dados de diversos fornecedores e fabricantes de máquinas agrícolas – possibilitando o cruzamento dessas informações de modo muito mais simples e dinâmico. Uma das versões fornece imagens de satélite para análise de manchas de produtividade na lavoura: assim, o agricultor pode ter uma visão panorâmica da lavoura, detectando e corrigindo problemas (como falhas de adubação ou de pulverização) praticamente em tempo real, em vez de esperar até o final da safra para perceber que algo deu errado.
Outra função da ferramenta é a análise da demanda de nitrogênio, chamada Nitrogen Advisor (“consultor de nitrogênio”) e é de enorme ajuda para os produtores de milho, principal cultura agrícola dos EUA. Ao contrário da soja, cujas raízes realizam naturalmente o processo de nitrificação, o milho requer aplicações de nitrogênio para o seu desenvolvimento. O insumo representa até 30% dos custos do produtor americano , sendo também um risco ambiental – se colocado em excesso, o nitrogênio pode contaminar o lençol freático. Assim, a grande virtude do Nitrogen Advisor é permitir ao agricultor simular a quantidade necessária de nitrogênio, de acordo com dados como o tipo de solo, o tipo e a concentração do adubo, a demanda da lavoura e a incidência de chuva prevista para aquela semana, dentre outros fatores.
Ganhos de sustentabilidade
O Big Data na agricultura trará ganhos em sustentabilidade. A modelagem agronômica permite antecipar as condições ideais para a ocorrência de uma doença – levando em conta, por exemplo, a presença do patógeno, o nível de umidade e a temperatura ao longo de um número de dias. Os dados são usados para simular a probabilidade da doença atacar a plantação, permitindo ao agricultor embasar a decisão de quando pulverizar – e também o volume adequado de inseticida ou fungicida a ser aplicado na lavoura.
Ou seja: cada vez mais será possível otimizar o uso dos insumos, incluindo os produtos químicos e biológicos. O mesmo poderá ser feito com a água, outro recurso vital. “O solo tem texturas diferentes. Há áreas que armazenam mais água, outras que armazenam menos”, diz Ricardo Inamasu, pesquisador da Embrapa. “A gestão dessa variabilidade espacial vai implicar também na gestão da aplicação da água.” O tema é particularmente sensível no Brasil, num momento em que o país vive ainda reflexos de uma crise hídrica e tem 96% de sua agricultura não irrigada.
Gerar e coletar dados é apenas parte do desafio. “Quando colocamos o foco na ferramenta, perdemos a real dimensão da utilidade desse equipamento e de seu potencial de retorno econômico”, diz Inamasu. A informação por si só não gera valor: é preciso saber transformá-la em conhecimentos a serviço de uma agricultura cada vez mais produtiva e sustentável.