O publicitário Marcelo Tripoli, de 38 anos, empreendedor conhecido por ter fundado em 2002 a agência iThink (uma das pioneiras no mercado digital), acaba de se desligar, no fim de janeiro, da Sapient Nitro, gigante norte-americana da qual ele se tornara executivo desde a aquisição da iThink em 2013. Ele está solto. E cheio de planos.
Em sua nova empreitada, ainda há muitas possibilidades em aberto, mas uma iniciativa é certa: Marcelo não tem pressa para voltar a uma agência e o que quer mesmo fazer é impactar as pessoas pela educação. Para isso, conta com o seu livro, Meaningful Marketing, lançado no fim do ano passado, no qual fala sobre como as marcas podem ter significado na vida das pessoas. “Estou começando uma série de visitas a universidades para que meu livro seja adotado no currículo, como a ESPM e a FAAP. Fui também convidado para dar aula no MBA da BSP (Business School São Paulo)”, conta.
Ao Draft, em uma conversa longa e solta, ele contou que está prestes a anunciar uma atuação com uma ONG americana — e que não descarta investir novamente no mercado de comunicação. “Tenho a comunicação no meu sangue. Adoro propaganda. Mas não quero montar uma agência ou ter um novo trabalho se não for com uma proposta nova de valor para o cliente”, afirma.
Para o menino que era “viciado” em videogame, mas na escola gostava mesmo era da área de Humanas, o que ele buscou foi trabalhar na “intersecção da tecnologia com a humanidade”. Eleito um dos 15 brasileiros mais influentes da internet pela revista GQ em 2015, ele é conhecido principalmente pela iThink. Mas seu primeiro empreendimento surgiu ainda antes, em 1995, quando cursava Publicidade na Faap. A MTM Marketing Digital, especializada em conteúdo multimída, começou em casa, literalmente em seu quarto. No ano 2000, com a bolha da internet, a MTM foi comprada por um fundo do México, o que o levou a morar um tempo em Buenos Aires e na Cidade do México. Era o começo de uma vida atenta, intensa e cheia de aprendizados.
Abaixo, a conversa de Marcelo com o Draft:
Você começou a iThink ainda muito jovem. Como o empreendimento surgiu em sua vida? Foi algo planejado ou algo que você agarrou, meio ao acaso?
Eu tinha 23 anos e pensei “o que vou fazer agora?”. Eu já tinha passado por uma experiência empreendedora (com a MTM), que me ajudou muito a criar valores e a definir minha cultura de trabalho. Digo que foi meu MBA. E decidi criar uma empresa nova em vez de procurar um emprego. Isso foi 2002, um cenário de incertezas, antes do Lula ganhar a eleição, e me desencorajavam a criar uma empresa. Mas era o que eu queria fazer, e montei a iThink com sócios. Começou como uma empresa de consultoria para ajudar as empresas a digitalizarem seu negócio. Depois, como uma reação à demanda dos clientes, reposicionamos, contratamos mais gente, e transformamos a iThink em uma agência digital. O foco era trazer e fazer coisas novas para o anunciante, mas conforme a empresa se desenvolveu, percebemos que tínhamos de ir além. Um pouco antes de vendermos, nos reposicionamos de novo, acreditando na tese de que as agências digitais não são sustentáveis no longo prazo.
Você cresceu, encolheu, a ponto de voltar a atuar em casa como consultor, depois cresceu de novo. Como superou esses altos e baixos na vida no empreendimento?
Em 20 anos, passei por muitos picos e vales. Acho que o mais importante é não perder o brilho no olho. Vejo muita gente que está frustrada, não importa se tem empresa ou se é funcionário. As pessoas não encontram propósito e veem o trabalho só como um local para ganhar dinheiro. Isso não é sustentável. Por isso valorizo cada vez mais a cultura corporativa. Quando se tem uma cultura forte e são contratadas pessoas que compactuam com ela, o negócio precisa de pouca intervenção na gestão.
Cultura é saber se posicionar e falar o que você pensa sem alguém precisar te orientar a toda hora.
Em qualquer coisa que eu vá fazer daqui para frente na minha carreira, vou me preocupar com a cultura corporativa.
Que conselhos você daria para quem deseja abrir seu próprio negócio?
Acredito em dois valores, e o primeiro é a capacidade de se adaptar. Empreender é um processo darwinista, sobrevive quem tem mais capacidade de adaptação. O outro valor é a resiliência, um termo da Física que indica quanto um material consegue voltar ao estado normal depois de passar por uma tensão ou um estresse. É algo que se aplica totalmente ao empreendedor, principalmente no Brasil, em que a gente tem todo um sistema e um governo que funcionam completamente contra o empreendedorismo. Então, é muito importante ter capacidade de tomar na cara, cair e levantar.
As agências de publicidade, e seu modelo de negócio, ainda fazem sentido?
Nos Estados Unidos e na Europa, ao contrário daqui, as agências de mídia são separadas das de criação. As maiores agências brasileiras estão hoje refletindo sobre o quanto este modelo é sustentável no longo prazo. Acredito que muitas chegaram à conclusão de que é preciso se adaptar ao mundo de hoje, que é muito diferente de quando as agências foram concebidas, nas décadas de 1960 e 1970. Tem muita gente que ainda opera em 2015 com uma cabeça da década de 1980.
Há três anos, você e seu sócio, Luiz Trindade, venderam a iThink para a SapientNitro. Como foi virar um executivo na empresa que você fundou?
Tive um choque de realidade muito grande. Assinei o contrato de venda em 16 de janeiro de 2013 e, no dia 23, viajei aos Estados Unidos para uma reunião. Naquela época, a iThink tinha por volta de 80 funcionários e nessa reunião me deparei com 140 vice-presidentes. Aí caiu a minha ficha: “tem mais vice-presidente aqui do que funcionário na minha empresa”. A Sapient é muito grande, tem 15 mil funcionários e faturou mais de 1,5 bilhão de dólares no ano passado. O meu primeiro ano, de transição, foi muito difícil. Teve muito conflito e atrito dos dois lados, porque eles nunca tinham feito negócio na América Latina. Foi necessário muito entendimento mútuo e adaptação. No final deste primeiro ano, eles contrataram uma coach para me guiar e ser minha transição de carreira de empreendedor para executivo.
O processo de coaching foi algo que ajudou também emocionalmente?
Sim, foi o que me ajudou a ter olhar corporativo. Em 20 anos, eu nunca tinha tido chefe e, de repente, eu tinha dois. Foi alguém muito legal comigo, que me ajudou a decidir que eu ficaria focado no que me dava mais tesão, que era cuidar da estratégia dos clientes. E aí, contratamos uma pessoa para cuidar do financeiro e administrar o negócio. Passei três anos na Sapient e digo que os dois últimos anos foram muito melhores por causa do suporte de coaching.
Como foi a saída da SapientNitro?
Foi um processo natural, um ciclo que se fechou. Por contrato eu não podia sair assim que vendesse a agência. Tivemos um processo de adaptação para operar como uma multinacional, com uma série de mudanças, tanto de processos quanto de cultura. No final, ficou uma sensação de missão cumprida associada à minha própria personalidade. Digo que sou muito mais voltado a fazer o avião decolar do que operar quando ele está voando em altitude de cruzeiro.
Senti que meu papel na Sapient não fazia tanto sentido quanto no início e percebi que, se eu não tiver tesão, não consigo trabalhar.
Foi uma transição saudável, amistosa, e só tenho a agradecer a Sapient.
Existe diferença entre ser empreendedor e empresário? Um criaria um negócio para viver e o outro, para vender?
É uma questão de semântica. Na prática, os casos mais bem sucedidos de empreendedorismo e de empresariado têm a ver com adaptabilidade, com paixão, com ser um chamado na sua vida. Pessoas que montam um negócio já com a estratégia de saída debaixo do braço são exceção. Não dá para generalizar, mas pensar no negócio como um ativo desde o começo não é um formato frutífero. Acredito que a capacidade de execução é o que faz a diferença entre dar ou não dar certo. Se usar só a cabeça de empresário, não vai executar direito, por que não vai usar o coração. E empreendedorismo é sacrifício pessoal, ter menos horas de sono e mais preocupação.
Você tem duas filhas pequenas. Como equilibra vida profissional e pessoal?
Esse meu equilíbrio é recente e, para conseguir, tive que ser um pouco radical e estabelecer limites. Minha mulher fica muito feliz, porque de uns anos para cá mudou muito o tempo que dedico à minha família. Entro muito facilmente em flow (estado mental em que a pessoa fica totalmente imersa em uma tarefa) com o trabalho. Então, hoje, estabeleci na agenda: busco minhas filhas (gêmeas de 7 anos) na escola uma vez por semana. Aquele horário fica bloqueado na minha agenda.
Você medita, faz terapia? Trabalha sua espiritualidade de alguma forma?
Sempre fui muito autocentrado, egocêntrico e materialista. Durante anos, procurei compensar o meu lado workaholic de forma material, pensando “já que me mato de trabalhar, vou viajar para os melhores lugares e fazer compras”. De uns cinco anos para cá, comecei a questionar isso. Faço terapia há um ano e meio e meditação há seis meses. Como sou muito ansioso, achei difícil me concentrar para meditar e busquei ajuda na tecnologia e descobri o Muse, uma tiara com sensores, que você põe na cabeça para medir sua atividade cerebral, e que se comunica com um aplicativo. Se me distraio durante a meditação, começo a ouvir um barulho de vento forte. No fim, recebo um gráfico que mostra a evolução do meu estado de atenção. Tem sido incrível. Como sou muito competitivo, isso vira uma meta.
Onde você quer estar daqui a 10 anos?
Minha maior realização profissional está em impactar a vida das outras pessoas, e o vetor que uso é a educação. Por isso escrevi o livro Meaningful Marketing, que quero tornar um material didático de qualidade para quem estuda comunicação no Brasil. Porque hoje, quem estuda jornalismo, marketing, comunicação, tem uma literatura muito desatualizada. Quis fazer um livro sobre o que é construir uma marca no século XXI.
Como e onde você consome informação no dia a dia? O que ou quem você segue?
Acredito muito na premissa do continuous learning. Este ano, fiz um curso da Singularity University sobre inovação e agora para o festival South by Southwest. Sou da geração que consome conteúdo por RSS e, para isso, uso um aplicativo chamado Feedly, conectado com todos os meus devices. E sou um oversharing guy, minha página no Facebook é aberta, publico muita coisa no Linkedin e no Twitter.
De que feitos você tem mais orgulho em sua trajetória?
Ter desenvolvido pessoas, saber que muita gente que trabalhou comigo anos atrás está super bem colocada hoje. Em uma indústria nova, construída on the go, já que fomos uma das primeiras digitais no mercado, saber que tem gente no mercado com quem eu contribuí de alguma forma é meu maior orgulho.
E qual o principal erro que você cometeu nesses anos todos empresariando?
Acreditar, por muito tempo, que eu era insubstituível.
Foi um processo muito dolorido descobrir que eu estava absolutamente enganado: eu não era insubstituível.
E perceber que o correto era o contrário, ou seja, que na minha ausência eu provaria meu valor. Minha crença hoje é de que liderança significa tornar os outros melhores e garantir que esse impacto continue na sua ausência.
Como vê o futuro para a indústria da comunicação e da mídia?
Meu livro inteiro é sobre isso. A publicidade tradicional, criada para a indústria de massa, partia de uma lógica em que era necessário criar uma imagem das marcas, como naqueles comerciais de carros 1.0 em cenários da Itália, mas esse modelo não cabe mais para o consumidor de hoje, que não é mais passivo. Minhas filhas, por exemplo, veem o que querem no Youtube e não gostam de propaganda interruptiva. Vivemos um momento de transição para uma propaganda útil, que gera conhecimento – e isso nem é tão novo. No início do século XX, o Guia Michelin, com um roteiro de restaurantes e hotéis, foi um jeito que a marca encontrou para estimular as pessoas a se locomoverem mais de carro e gastarem mais pneu. Olha o que a publicidade fez: deu uma volta. E é isso que precisa acontecer hoje, a publicidade não pode ser tão direta.
O que espera para 2016? Como vê a atual crise política e econômica brasileira?
Sou muito otimista. Se você for pessimista, não monta nem uma barraquinha na praia. Quando se estuda a história do Brasil, percebe-se que é algo cíclico, que depois de uma época ruim vem uma boa. Não consigo dizer quanto tempo este ciclo vai durar, mas vai virar. Vejo 2016 como um ano difícil, mas em uma situação ruim a competição diminui, e isso pode ser positivo.
Startups, inclusive agências, costumam nascer inovadoras. Com o passar dos anos, como manter vivo aquele DNA do início?
Este é o dilema do século XXI e não tem uma resposta definitiva. Quando uma empresa cresce, demanda mais controle. Digo que inovação não é apontar o lápis, mas sim, trocar por uma caneta. Nunca houve uma grande ruptura econômica, cultural e tecnológica, em que o player dominante anterior continuasse atual. Um jeito de minimizar essa questão é horizontalizar, ou seja, dar mais autonomia para as pessoas. A outra maneira é ter dois tipos de profissionais: o cara que vai defender a fortificação e aquele do barco, que vai se aventurar no mar. Tem que reconhecer que ninguém é bom nas duas coisas e que os dois são necessários. Eu, por exemplo, sou o cara do barco. Se for para o forte, perco o tesão.
Quais são as três coisas que você diria para um cliente ser melhor para a sua agência?
A primeira coisa é para construir uma relação ganha-ganha, porque o negócio tem que ser bom para os dois lados. A segunda coisa é ter fé em quem você contratou. E a terceira é ser transparente, ter uma relação franca, de olho no olho.
E quais são as três coisas que diria para uma agência ser melhor para seus clientes?
A primeira é ser absolutamente apaixonada pelo negócio do cliente. Muitas vezes, a agência vive em um ambiente muito distante, e propõe coisas nada aplicáveis no dia a dia do cliente. Tem que ir para a rua e para a fábrica saber como são as coisas. A segunda é entender que qualquer trabalho criativo tem que servir a um objetivo de negócio, e a terceira é nunca se esquecer de que o momento da verdade é todos os dias. A indústria prestadora de serviços tem que matar um leão por dia, atender bem para atender sempre.
Qual é a principal virtude de um profissional para trabalhar com você?
A capacidade de aprender, porque tudo muda o tempo todo. Gosto muito de trabalhar com pessoas permeáveis, com capacidade de estar aberto a ouvir e a aprender.
E qual é o defeito que considera indesculpável num colaborador?
Lido muito mal com pessoas que não conseguem colocar o coração no que fazem. Acho que é sempre pessoal. Você pode ter seus limites, mas enquanto faz algo, precisa estar como seu coração na mesa. Para mim, nunca é “só um trabalho”.
Você já empregou muitos profissionais. Como vê as questões de gênero e de diversidade?
Não sei se é por que trabalho com propaganda, mas vejo esse meio como muito pragmático para pessoas talentosas, não importa se é homem, mulher, negro, gay. Óbvio que, em uma sociedade desigual, as pessoas com uma boa bagagem cultural têm mais chances na propaganda. Mas não vejo julgamentos nem desvantagens competitivas entre gêneros. Entendo que é um problema em uma série de indústrias e, na propaganda, falam muito que a Criação é uma área masculina, mas não vejo hoje uma mulher criativa sofrer preconceito nem ter menos oportunidades. Trabalhei com criativas excelentes. Não digo que essa questão não exista, mas não vivi isso.
Qual foi o momento mais difícil em sua carreira e como superou?
Um ano depois de fundar a iThink, quando perdemos um dos nossos principais clientes. Tive que decidir se ia desistir ou continuar, se queria passar de novo pelo esquema homeoffice e não ter grana no fim do mês. O tesão pelo trabalho foi o que me fez superar o desânimo. E tinha ainda um ponto forte na época: eu não via os empregos disponíveis como potenciais para mim. Não foi nem um pouco fácil.
Você faz algum trabalho social ou voluntário?
Procuro ajudar o terceiro setor com conhecimento. Fiz algumas coisas esporádicas e quero entrar nisso mais forte e de forma mais contínua. Tive a oportunidade de observar algumas ONGs nos EUA e percebi que elas atuam de forma empresarial. Essa é uma das virtudes do mundo empresarial: a busca por eficiência, e acredito que, como mecanismo de operação, as ONGs devem atuar do mesmo jeito.
Do que você não sente falta no mercado publicitário?
Desse vício de criar coisas descartáveis, de ter de saber qual é a “musiquinha que está bombando no Carnaval”. Entendo o lado descartável, por que a propaganda é um reflexo da sociedade. Não estou dizendo que não funciona ou que tem de ser extinto, mas a minha vertente é outra.
Consideraria emigrar? Como vê as pessoas que estão desistindo do Brasil e indo morar e trabalhar noutros países?
Sim, super consideraria. Acho que o brasileiro, em geral, é muito voltado para o mercado interior, não sei se por causa do idioma ou por sermos um país continental. Mas, quando você passa a viver globalmente, ganha novas perspectivas. Então, independente de fazer coisas no Brasil, quero impactar as pessoas globalmente, tanto que meu livro vai ser traduzido para o inglês.
Às vezes, mastigar dados com tecnologia não basta para conhecer o seu público. Julia Ades e Helena Dias estão à frente da Apoema, uma empresa de pesquisa low-tech que busca conexões nas entrelinhas e atende marcas como Nike e Natura.
Movida pelo lema “siga sua paixão”, Letícia Schwartz foi viver nos EUA e fez sucesso com livros sobre gastronomia. Até que se apaixonou pela educação e fundou uma consultoria que ajuda alunos a ingressar em faculdades americanas.
A falência do pai marcou a infância e mudou a vida de Edu Paraske. Ele conta os perrengues que superou até decolar na carreira – e por que largou a estabilidade corporativa para empreender uma consultoria e uma startup de educação.