Gustavo Lembert, Tomás Susin, Arthur Dambros, Álvaro Englert e Pablo Valdez, todos com 20 e poucos anos, sempre ouviram dizer que brasileiro não gosta de ler. Tivessem acreditado, talvez não teriam se tornado empreendedores justamente no mercado de livros. Os cinco gaúchos são sócios na Tag Experiência Literárias, uma empresa que desde 2014 vende livros surpresa por assinatura. Funciona assim: todo mês o associado recebe um kit contendo a obra surpresa — sempre escolhida com a curadoria de alguma referência do cenário cultural —, uma revista para incrementar a leitura e, também, um mimo que dialogue com a indicação do mês. Com o kit, a Tag transforma seu produto em uma “experiência literária”, mais do que um simples clube do livro.
O quinteto se conheceu no curso de Administração Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalhando na empresa júnior da faculdade, descobriram que tinham em comum um certo desdém pelo sonho, recorrente naquele nicho, de ingressar em algum programa de trainee e ascender em uma grande corporação. Eles tinham era vontade de construir algo que tivesse a cara deles. Só não sabiam o quê.
Depois de buscar inspiração em mochilões pelo mundo, três deles se reencontraram e montaram um grupo informal de empreendedorismo. Arthur, Gustavo e Tomás reuniam-se semanalmente para tentar descobrir qual seria o seu negócio e começar a esboçar um plano. Pensaram em abrir um quiosque de kebab, um hostel no litoral do Rio Grande do Sul e até chegaram a abrir, em 2012, um curso de mecânica de bicicletas, mas o negócio não vingou. Por inexperiência, por desconhecimento do mercado, por desacordo entre sonho e realidade, enfim, por motivos que levam tantos e tantos primeiros negócios a simplesmente darem errado.
UM SUSTO: FAZER É BEM MAIS DIFÍCIL DO QUE SONHAR
Em 2013, Gustavo voltou de um verão na Europa empolgado com o modelo de livros por assinatura. Os três conheciam o esquema de entregar ao cliente um produto surpresa. No Brasil já era bastante comum a experiência com vinhos, em que um time de enólogos envia ao assinante um vinho selecionado com uma frequência fixa. Mas, eles pesquisaram, até aquele momento não havia ninguém por aqui fazendo isso com livros. Arthur olha para trás e conta da ingenuidade dos amigos, antes de conheceram a realidade do mercao:
“Éramos três administradores que, só por gostarem de ler, achavam que iam entrar no mercado de livros”
O modelo de negócios, em tese, não tem mistério: o kit por uma assinatura mensal a 69,90 reais. Mas era preciso enriquecer a experiência, torná-la mais pessoal e mais carinhosa. A referência do trio era uma memória remota dos clubes de leitura. Eles se lembravam de, na infância, conhecer gente que tinha o hábito de se reunir para compartilhar e debater leituras.
Para trazer de volta esse clima, criaram a figura do curador do mês. A essas personalidades, de alguma maneira ligadas ao universo dos livros, cabe a indicação de leitura, e eles sempre fizeram questão de que essa relação não fosse mediada pelo dinheiro, de modo a garantir escolhas genuínas.
Apesar de o título da obra permanecer em segredo até que o assinante abra a caixa da Tag, todo mês o site anuncia o curador e publica uma pequena resenha, para despertar a curiosidade e engajar o leitor-assinante. E, sempre, um mimo acompanha o kit. “Para acompanhar a leitura de um clássico da literatura inglesa, nada melhor que um chá inglês”, lia-se no kit do livro Orgulho e Preconceito.
Finalmente, o kit completa-se com uma revista, sempre dividida em 3 seções. Na primeira, conhece-se um pouco mais sobre o curador (suas principais obras, prêmios, biografia etc). A segunda é sobre o livro do mês e traz um pouco sobre seu contexto, curiosidades e os porquês de ter sido a escolha do curador. A última parte traz os ecos da leitura: filmes e séries inspirados na obra, livros de outros autores que dialoguem com ela, exposições etc.
Arthur explica que a ideia é que a revista seja lida antes do livro, “pra que tu termine e fale: ‘eu preciso ler esse livro ontem!’”. Ele conta, por exemplo, que os assinantes ficaram muito empolgados para a leitura de Memória de Adriano, da belga Marguerite Yourcenar, quando a revista revelou que a autora demorou 27 anos para escrever o livro: “Na caixa vem muito mais do que um livro, vem carinho, vem cuidado. A Tag é a representação física do nosso sonho, por isso a gente quer que as pessoas realmente fiquem empolgadas quando ela chega”.
Em agosto de 2014, apesar de estrearem com Mario Sergio Cortella na curadoria, a Tag tinha apenas 65 assinantes — dos quais boa parte eram amigos e familiares, como é comum na estreia de qualquer empreendimento moldado por paixão e um pouco de sonho. Para piorar, o custo de impressão da revista, com uma tiragem tão baixa, ficou em 50 reais por exemplar, sem contar os gastos com ilustração, editoração, e as horas de trabalho dos três sócios para para pesquisar e escrever. Receita para um desastre financeiro.
PASSA O TEMPO… E NADA DO NEGÓCIO ESCALAR. QUE FAZER?
Passaram-se alguns meses e nada de o negócio crescer. Eles divulgavam no Facebook, iam atrás de imprensa, ativavam todos os contatos que podiam, mas mesmo com o trabalho caprichoso, fecharam o primeiro ano de operação, 2014, com cerca de 100 assinantes. Arthur fala da surpresa com a dificuldade, e do que os fez insistir no negócio, apesar do prognóstico ruim:
“Achávamos que era só abrir um e-commerce e pronto. Nem sei como não fechamos… foi uma fé cega”
A fé cega levou o trio a uma escolha ousada: na hora da crise, em vez de encolher, eles resolveram expandir. Convidaram os também administradores Álvaro e Pablo para investir pesado na prospecção de clientes. Fecharam com a dupla um acordo de seis meses, com possibilidade de sociedade caso a coisa desse certo — e deu.
Arthur conta que a abertura da Tag não foi calculada como eles gostariam: “A gente não fez análise de mercado, pegamos uma ideia em que acreditávamos e fomos”. Com a entrada de Álvaro e Pablo, bastante coisa foi redesenhada, em especial a estratégia de divulgação.
A dupla investiu pesado em assessoria de imprensa, e logo eles começaram a aparecer em jornais e revistas. Em 2015, uma reportagem na capa do jornal Zero Hora, enfim, coroou a persistência dos empreendedores, e em meados daquele ano a Tag já tinha cerca de 500 assinantes.
Em outubro chegaram a 1 000. Hoje, mais de 5 000 amantes dos livros esperam todo mês pela bela caixa com um livro surpresa.
ONDE ACHAR FÔLEGO PARA CONTINUAR
O engajamento dos usuários — ou das usuárias, já que 70% são mulheres, com média de 33 anos — é enorme, contam os sócios. À revelia da própria Tag, criaram um grupo fechado no Facebook, com cerca de 2 300 membros e, também, grupos de WhatsApp onde rola até amigo secreto: tudo mais uma desculpa para trocar leituras. Parte do sucesso da empresa, eles acreditam, se deve ao mistério da indicação, que a Tag conseguiu transformar em algo que realmente deixa o associado ansioso. Outra parte é mérito da estrela do mês. A lista de curadores que já sugeriram seus livros favoritos inclui ilustres como os escritores Mario Prata, Luis Fernando Verissimo e Gregório Duvivier, o físico Marcelo Gleiser e o médico celebridade Patch Adams.
As vacas gordas são responsáveis por um faturamento mensal atualmente na casa dos 280 mil reais e pelo novo escritório, inaugurado em janeiro deste ano. Hoje a TAG tem 10 funcionários, que incluem designer e diagramador para a revista, uma equipe de montagem do kit, entre outras funções. Além de o faturamento ter aumentado, a escala também, finalmente, derrubou os custos. Com uma tiragem maior, a revista ficou mais barata. Os livros, antes comprados de distribuidoras, passaram a vir direto das editoras. Pedidos desse porte são coisa rara no mercado de livros, o que garante ótimos preços e, às vezes, até a possibilidade de comprar em consignação. O volume de compras tem sido grande o suficiente para fazê-los decidir que, em breve, alguns livros começarão a ser impressos em edições exclusivas e personalizadas para os kit da Tag.
Para aproveitar a espiral positiva, a próxima empreitada dos gaúchos para expandir ainda mais o público será criar um canal no YouTube, aberto ao público e estruturado em 3 vídeos por mês: a ideia é ter um vídeo com resenhas do livro do mês, outro dando voz aos assinantes e um terceiro com teasers e pistas sobre o livro a ser indicado no seguinte. Além de aumentar o engajamento dos associados o canal visa engordar ainda mais o corpo de assinantes — além de dar uma resposta e tanto para quem ainda acredita que brasileiro não gosta de ler.
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