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Por que a 3M, tricampeã em inovação no país, não tem um departamento de inovação?

Marina Audi - 21 mar 2016
A 3M, mundialmente conhecida por ser a inventora do Post-It, lança centenas de novos produtos por ano. Qual o segredo?
Marina Audi - 21 mar 2016
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Rejuvenescer o portfólio, sempre. Esta é a jogada.

Como? Desde a década de 1980, a 3M usa, globalmente, uma métrica interna de inovação chamada NPVI — ou Índice de Vitalidade de Produtos Novos — que indica, entre outras coisas, qual a porcentagem da receita vem de novos produtos. Em 2014, no Brasil, foi 34%, muito similar à média global da empresa, que foi de 35%.

Presente no país desde 1946, a primeira unidade fabril da 3M foi instalada em Campinas (SP) e, hoje, há 23 unidades de negócios distribuídas pelas fábricas de Campinas, Sumaré, Ribeirão Preto, Itapetininga, Mairinque, São José do Rio Preto – todas no interior paulista– e Manaus. Além disso, a 3M do Brasil detém o controle da Incavas, produtora de insumos e acessórios para limpeza doméstica, instalada em Bom Princípio, no Rio Grande do Sul. Trata-se da subsidiária da 3M Company com a maior capacidade produtiva instalada. Isso não é pouco, já que o grupo opera em mais de 70 países, tem um portfólio de 50 000 itens – entre eles, clássicos como os indefectíveis Post-it, e as esponjas das linhas Scotch, Scotch-Brite e Command – e é avaliada em US$ 30 bilhões.

Marcelo Gandur, 50, está na empresa desde 1991. Formado em Engenharia Química pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), ele já gerenciou unidades de negócio, P&D e comercialização & inovação. Atualmente, ocupa a gerência de Produto EHS (Environmental Health and Safety) na Organização de P&D e trabalha orientado ao desenvolvimento de produtos com assuntos específicos de Meio Ambiente, Saúde e Segurança.

Marcelo Gandur, da 3M, conta como a inovação está disseminada em todos os processos da empresa.

Marcelo Gandur, da 3M, conta como a inovação está disseminada em todos os processos da empresa.

Durante uma conversa descontraída com o Draft, o executivo contou que a 3M do Brasil busca estabelecer conexões com outras empresas e startups com afinidade e potencial para potencializar o NPVI. Um exemplo é a participação dele no processo de seleção do Wenovate da FGV. O objetivo é entender o conteúdo, analisar se alguma coisa faz sentido para empresa para, quem sabe, levar para dentro da 3M… 

Marcelo lembra também que, em 2016, a empresa faz 70 anos de Brasil e contabiliza iniciativas como o portal 3minovacao.com.br que conecta pessoas, compartilha conhecimento, transmite eventos ao vivo e promove seminários; e o Centro Técnico para Clientes, ou CTC, um espaço aberto a clientes e empresas parceiras da 3M, usado para demonstrar as soluções desenvolvidas pela 3M. Este último, uma espécie de Epcot Center da região de Campinas, no interior de São Paulo.

Leia, abaixo, os principais trechos da conversa:

Como é essa história de a 3M não ter um departamento específico para inovação?
Marcelo:
Para a 3M, inovação é um problema corporativo de crescimento. Isso significa que todas as ações de investimento em inovação estão orientadas a promover o crescimento do NPVI, Índice de Vitalidade de Produtos Novos. Por conta disso, não temos um departamento nem pessoas específicas responsáveis pela inovação. Aqui, todos pensam e buscam inovação, em todas as áreas. Nosso CEO, Inge Thulin, fala das nossas métricas de inovação como um dos principais indicadores de vitalidade da empresa em Wall Street; o gerente de negócios pensa inovação; o cara de P&D; a pessoa de manufatura… Todo mundo tem a sua participação na inovação.

Quantas pessoas, então, trabalham em P&D na 3M Brasil?
Marcelo:
Na Diretoria de P&D somos, hoje, 162 pessoas, dando suporte a todas as 23 unidades de negócios daqui. Cada uma tem seu próprio time de marketing, vendas e manufatura. As maiores possuem um laboratório dedicado, com a responsabilidade de apresentar novos produtos e soluções para provocar o crescimento orgânico. As áreas menores podem ter recursos compartilhados.

Esses laboratórios são independentes?
Marcelo: 
São interdependentes em função da tecnologia. Temos 46 plataformas tecnológicas corporativas, que eu comparo com peças de Lego. Qualquer unidade de negócio pode usar e combinar todas as plataformas, gerar, transferir conhecimento e tecnologia para dar suporte à fabricação de produtos. A gente tem várias vitaminas que estimulam isso, as principais são a cultura corporativa, a cooperação e um processo extremamente organizado com o New Product Portal (que permite a visualização e gestão do pipeline de inovação de toda a empresa) e uma ferramenta eletrônica de mídia social corporativa, na qual posso pedir ajuda e receber respostas de todas as partes do mundo.

Quando saiu o resultado do Best Innovator 2015, e a 3M foi tricampeã, alguns cases de inovação que receberam destaque (Santander, Poupatempo e Telefónica) não traziam produtos e, sim, a inovação agregada a serviços. Na 3M o foco é inovar em produto apenas?
Marcelo: 
A gente fala que tudo aqui se desenvolve a partir de uma oportunidade de negócios. Gosto da definição: “O nosso negócio é criar novos negócios”. É possível contar histórias de inovação acontecendo em qualquer área da empresa.

Claro que temos um histórico enorme de inovações incorporadas em produtos, mas inovação só em produto, às vezes, não basta para o sucesso.

Se entramos no mercado pelo modelo de negócio convencional, ficamos muito limitados. Buscamos as contribuições de inovação em todos os segmentos da empresa. Por isso, a comunicação e a sintonia são importantes.

O caso Nexcare, que foi para o Best Innovator, é emblemático porque é quase uma inovação pura de marketing. O produto em si não é desenvolvido no Brasil, é uma bandagem para cuidado pessoal que pode ter várias aplicações, e que a gente já tinha incorporado em outros produtos. A grande sacada do time do Brasil foi endereçar a oportunidade identificada no segmento feminino: as mulheres amam os seus calçados e, ainda que eles machuquem os pés, elas encontram formas para continuar a usá-los! O Marketing pensou: “Elas utilizam um produto genérico. Vamos criar uma categoria de produto orientada a essa aplicação: o Foot Care!”. Com isso, Nexcare tornou-se um projeto global que a 3M agora está replicando nos outros países.

O Centro Técnico para Clientes, da 3M, fica em Campinas e é um laboratório aberto a empresas parceiras e clientes.

O Centro Técnico para Clientes, da 3M, fica em Campinas e é um laboratório aberto a empresas parceiras e clientes.

Já o caso da Telefónica é emblemático em relação à entrada, cada vez mais forte, de serviços como um direcionador de inovação. A solução tecnológica, nesse caso, tinha um componente bastante importante porque desenvolvemos um bloco de conexão para central telefônica que reduz em praticamente 50% o volume de área ocupada. Identificamos também que a substituição dos blocos antigos pela solução da 3M era um grande problema para a Telefónica. Vimos que a probabilidade de sucesso de ir ao mercado oferecendo só o conector era muito menor do que propor a solução completa: gerenciar a transformação da central telefônica.

É mais difícil inovar em serviços?
Marcelo: 
Não dissocio as duas coisas: produto e serviço. A proposta para melhorar a vida das pessoas usando como core competence a ciência, às vezes, exige a incorporação da inovação do modelo de negócio através de serviço. A sacada de serviços começou forte aqui no Brasil, em 2007, com o projeto do banco Santander. Com a compra do Real, oferecemos uma solução completa de gerenciamento da nova marca e não apenas o fornecimento da película com novo logotipo, como faria até então. O trabalho incluiu até arquitetura e pintura de uma rede de 1,2 mil agências. Como não tínhamos uma central de competências de serviço, criamos uma estrutura de serviços corporativos.

Houve mudanças na maneira de incentivar a inovação nos últimos 5 anos? Marcelo: Eu diria que não teve nenhuma mudança drástica nos últimos 15 anos. O modelo de gestão da inovação evoluiu, houve refinamento no grau de controle. Por exemplo, hoje temos categorias de projetos de inovação que entram dentro do NPVI, a ponta da lança do processo todo. A categoria 3 refere-se à Inovação Incremental, a 4 à Inovação Adjacente e a 5 à Inovação Radical.

Pode nos contar como isso se reflete nos produtos?
Marcelo:
 Uma inovação radical que lançamos há pouco tempo é a fita Multipack. Derivada do mercado de saúde, ela é usada na formação de pacotes promocionais. Ela tem um adesivo suave, que não machuca a embalagem e suporta impressão. Então, você pode montar e desmontar o pacote promocional com muita facilidade. A fita Multipack foi desenvolvida para determinadas categorias de produtos da Natura. Foi um projeto classe 5. Uma solução que trouxe venda incremental pura para a 3M, pois não atuávamos nessa aplicação. Daqui a pouco, alguém da área hospitalar chega aqui com uma demanda e a gente pode usar essa mesma categoria de produto para esse mercado adjacente. Isso a gente vai considerar um projeto classe 4. Ele também trará venda incremental e talvez tenhamos que fazer pequenas adequações para introdução.

A fita Multipack, da 3M, foi desenvolvida para uma empresa parceira, a Natura, e passará por três ciclos de venda distintos.

A fita Multipack, da 3M, foi desenvolvida para uma empresa parceira, a Natura, e passará por três ciclos de venda distintos.

A manutenção desses segmentos, depois de alguns anos, será um projeto classe 3. Quando a gente não consegue mais dar manutenção, os produtos morrem. O produto nasce classe 5, se expande via classe 4 e reforçamos a competitividade da linha com os classe 3. Então, refinamos o NPVI e o desdobramos nas classes para entender quão agressivos estamos sendo nas inovações mais radicais e quão defensivos estamos sendo nas inovações incrementais. Nós damos um valor bastante grande à inovação incremental. Dentro da empresa enorme que somos, a manutenção do core com as inovações incrementais é extremamente importante. Esse é o grande barato da cultura de colaboração da 3M, de todo mundo buscar oportunidades de negócio.

Quais outros projetos de inovação se destacam na filial brasileira?
Marcelo: 
Falamos, antes, de exemplos de consumo, mas a 3M do Brasil, em termos de negócios é praticamente 45% industrial. Existem práticas muito bacanas, entre elas a de Tear Down, na qual desmontamos e reconstruímos um produto, no Centro Técnico para Clientes, usando as nossas soluções. Isso foi feito, recentemente, às vistas dos visitantes, com uma lavadora de roupas. Depois enviamos um relatório ao cliente explicando a proposta e qual o benefício. Em conjunto com o cliente, determinamos o que é prioritário. Às vezes, temos uma solução imediata, outras vezes, abrimos um projeto específico de desenvolvimento para a oportunidade.

Alguma dessas você destacaria como o grande projeto inovador da 3M?
Marcelo: 
Não existe “o” grande projeto inovador da 3M! Se formos falar do potencial inovador de um projeto frente ao portfólio que temos, frequentemente, sozinho, ele será insignificante. No nosso pipeline no Brasil, temos uma frequência de lançamento de 100 projetos por ano, sendo que cada projeto tem os seus filhotes. Na média, temos 5 SKU (Unidade de Manutenção de Estoque) introduzidos por projeto. Então, dá para dizer que são 500 novos itens de venda por ano. Nosso grande barato é essa mentalidade de criar coisas novas, essa diversidade e esse motorzão de lançar coisas novas, de ver o que não está legal e matar o que for preciso.

A 3M não tem medo de lançar um produto, depois ver que ele não foi o que se esperava, e ter de tirá-lo do mercado?
Embora a gente encare isso como um processo natural, temos um cuidado enorme durante o processo todo. Trabalhamos e controlamos tudo para tentar minimizar este risco e estender a vida saudável de um produto, tão longa quanto possível. A gente tem os princípios de inovação herdados de William L. McKnight, CEO da empresa na década de 1940. Ele já falava, no século passado, de tolerância a erros e incentivar o empreendedorismo das pessoas para conseguir inovar. Nosso processo tem muita comunicação, visibilidade e cumplicidade ao longo do desenvolvimento dos projetos. É tão explícito que se der certo é porque todo mundo colaborou. Se deu errado foi porque, ao longo do percurso, ninguém foi capaz de identificar um erro crítico. E a atitude é de aprendizado com esses erros.

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