O contexto de transformação, enfim, atingiu o setor bancário. Essas instituições com décadas de história, burocráticas e, muitas vezes, lentas no atendimento aos consumidores, estão em descompasso com os clientes descontentes, ávidos por mais simplicidade. “Antes os grandes bancos não se assustavam com concorrência porque eles entregavam uma tecnologia cara para o cliente. Hoje a situação mudou e um bom aplicativo pode substituir um prédio inteiro de dados de uma instituição tradicional”, diz Newton Campos, professor de empreendedorismo e inovação da FGV, sinalizando que há urgência em mudar a abordagem.
Ele se refere às fintechs, startups de serviços financeiros que foram tema desta reportagem no Draft e são responsáveis por colocar inovação, agilidade e transparência na ordem do dia. Apesar de não serem uma ameaça imediata, elas tendem a ganhar espaço. Uma pesquisa da Accenture indicou que em 2020 até um terço do mercado global pode ser dominado por fintechs. É uma fatia a se considerar. Isso, é claro, preocupa e estimula os bancos a buscar mudanças, a enfim moverem-se mais rapidamente em direção à inovação.
“Mudou a forma de se relacionar com o cliente. Temos de corresponder a níveis muito altos de transparência e atendimento. O nosso espelho não está mais nos outros bancos, mas em empresas com grande conexão com as novas gerações, como Google e Amazon”, diz Rogério Saab, gerente nacional de inovação da Caixa, uma área, por sinal, criada apenas em 2014.
Uma pesquisa da Fecomércio-RJ mostrou que mais de 86 milhões de brasileiros têm conta em banco. Este número torna qualquer processo de inovação bem mais desafiador e, no entender dos profissionais ouvidos pelo Draft, consiste em justamente buscar o novo enquanto o velho passa por adaptações e também evolui, gradativamente.
Rogério considera que os bancos precisarão manejar uma mudança complicada em breve. Ele aponta que está próximo do fim o modelo em que as instituições ganham dinheiro com o spread, a lucrativa diferença entre a taxa de juros que o banco paga para tomar dinheiro emprestado e a que ele cobra para emprestar. Ele diz:
“O sistema bancário está em xeque. A tendência é que as receitas se concentrem nos serviços”
Algo semelhante acontece no Bradesco. “O sucesso é saber mudar o modelo de negócio ao perceber transformação no cenário. Queremos agregar o melhor dos dois lados: a agilidade de um novo empreendimento e a experiência das grandes empresas”, diz Marcelo Frontini, diretor do departamento de pesquisa e inovação do Bradesco. Isso tem ainda que acontecer, lembra ele, em um ambiente altamente regulado, já que Brasil conta com regras rígidas do Banco Central para o sistema financeiro.
Com tantos desafios por vir, enumeramos abaixo quatro perspectivas dos bancos para o futuro e as principais medidas destas empresas para enfrentar as mudanças do mercado:
1) Incorporar a inovação como cultura
A inovação sai da área de pesquisa e desenvolvimento para integrar a cultura dos bancos. O movimento, lembra Newton, da FGV, é o mesmo que as empresas de outras áreas estão fazendo. “É uma missão extremamente complexa”, resume. No Itaú, esta busca passa por tornar os departamentos mais simples e colaborativos com as células de inovação, que empregam metodologia para que cada projeto seja concluído em apenas dez dias úteis.
São montados times multidisciplinares, aos moldes do que acontece em empresas de tecnologia. “Este modelo amplia a visão do todo de nossos colaboradores. Eles passam a entender que o objetivo não é servir o sistema no qual eles estão trabalhando, mas conseguir oferecer o melhor serviço para o cliente”, conta Erica Jannini, superintendente de gestão de TI do Itaú Unibanco. A instituição implementou, ainda, um programa de geração de ideias, mentorias internas e a Inovateca, um espaço físico voltado a projetos colaborativos dentro da organização.
No Bradesco, há esforço para dar mais espaço ao erro, essencial dentro do processo de inovação. “As pessoas precisam ter liberdade de opinar, propor, contrariar e aceitar serem contrariadas”, conta Marcelo. Já a Caixa, ao criar a gerência de inovação, notou que faltava dar voz aos funcionários, com demanda reprimida por espaço para escoar ideias e projetos. Este canal foi aberto (a primeira experiência se chamou Caixa Lab) e parece promissor. “Todas as áreas têm nos procurado muito”, afirma Rogério.
2) Desenvolver novas soluções e produtos
Levar novidade aos clientes é objetivo claro das instituições. O Bradesco colhe os primeiros resultados do InovaBRA, programa de inovação aberta lançado em 2014 para apoiar startups com soluções que possam ser usadas pelo banco. No primeiro ciclo, foram selecionadas oito empresas. Elas trouxeram novidades que começam a ser implementadas. Entre elas, o sistema de autoserviço que permite aos clientes renegociar e quitar dívidas pela internet e um wearable, em formato de pulseira ou anel, que serve como meio de pagamento. “Este último rodamos em fase piloto, mas talvez precise de aprimoramentos para a chegar ao mercado, que pode não estar pronto para a novidade”, diz Marcelo.
O Itaú também se volta cada vez mais aos serviços digitais. A empresa inaugurou em 2015 o Centro Tecnológico de Mogi Mirim com a meta de trazer experiência cada vez mais ágil e segura aos clientes em novas plataformas. “Com ele aumentaremos em 25 vezes a capacidade de processamento e armazenamento do banco”, diz Erica. A iniciativa recebeu parte do investimento de 11,1 bilhões de reais que a organização anunciou para a área de tecnologia nos próximos anos.
Por sua vez, a Caixa encara as limitações de um órgão público para oferecer novidades aos consumidores. “Não podemos, por exemplo, contratar tecnologia nova imediatamente quando o mercado quer”, diz, sobre os complexos processos de escolha de fornecedores. Ainda assim, a instituição busca meios de evoluir e melhorar seus serviços, como conta Rogério: “Temos portfólio de cerca de 10 projetos em andamento. Dois deles devem começar ainda este ano: um ligado ao crédito para habitação e outro focado em novas gerações, para rejuvenescer a marca.”
3) Aprender a cooperar e concorrer com as fintechs
“Antes era simples para nós mapear a concorrência, com poucos competidores. Agora já existem cerca de 150 fintechs, número que tende a evoluir para 400 em pouco tempo”, diz Rogério ao falar dos jovens concorrentes. Para acompanhar este bonde, a empresa desenvolve um projeto de inovação aberta que pode começar ainda em 2016. “Nos Estados Unidos as fintechs têm se aproximado dos grandes players mais do que competido com eles. Talvez esta seja a tendência.” Marcelo, do Bradesco, concorda:
“Fintech pode ser concorrente, mas também é uma parceira. Na revolução digital as coisas se misturam”
Nesta frente, o banco avança com o InovaBRA. Foram 500 inscrições no primeiro ciclo. Agora a empresa trabalha no segundo ciclo e busca manter este ecossistema vivo em seu entorno. Para este ano está prevista a chegada do Bradesco Ventures, braço da instituição voltado ao investimento em startups promissoras. Na visão de Marcelo, as aptidões das grandes e das pequenas empresas são complementares. “A posse e o consumo não são tão relevantes quanto a experiência. Notamos que as fintechs têm capacidade rápida de levar boa experiência para o cliente.”
Também de olho nesta evolução, o Itaú corre para se posicionar como uma instituição financeira próxima dos empreendedores. “Vemos as fintechs como iniciativas com as quais podemos aprender e contribuir”, diz Erica. O banco inaugurou em 2015 o Cubo em parceria com a Redpoint Eventures. O centro de empreendedorismo instalado em São Paulo pretende oferecer “ambiente inspirador para conectar pessoas brilhantes, com vontade de transformar negócios, tecnologia e a vida das pessoas para melhor.” De quebra o Itaú acompanha de perto e se aproxima das iniciativas inovadoras.
4) Estar pronto para o futuro
Newton, da FGV, acredita que, nos próximos 10 a 20 anos, a evolução tecnológica vai causar profunda transformação no sistema bancário, “As startups e seus aplicativos mudam brutalmente a ordem de grandeza dos custos”, diz ele, prevendo cada vez mais facilidade em contratar serviços financeiros online.
O fim das agências ainda não está decretado, ao menos para a Caixa. “Teremos novas formas de relacionamento, mas a presença física continua importante. Existe um público que não quer ir ao banco, mas também aquele que vai e quer ter uma boa experiência”, diz, indicando, ainda, que será decisivo para qualquer instituição estar onipresente e atender ao cliente no momento e formato que ele preferir.
“O grande ativo do banco é segurança e confidencialidade e isso continuará assim”, afirma Marcelo. Ele acredita que a principal mudança, neste futuro nem tão distante, deva ser a oferta mais individualizada de serviços, de acordo com a necessidade do consumidor. A proatividade e a transparência também tendem a crescer ao lado da oferta maior de recursos para comparar taxas e cobranças de cada instituição. Com isso, ganha o mercado, ganham os clientes e, afinal, nem tudo que é antigo deixa de fazer sentido: ganha quem tiver a melhor oferta.
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