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Ele transformou lixo em negócio, mesmo concorrendo com a coleta gratuita

Bibiana Maia - 7 jun 2016
Lucas Chiabi, criador do Ciclo Orgânico.
Bibiana Maia - 7 jun 2016
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O que para uns é objeto de repulsa, desde a infância gerava curiosidade em Lucas Chiabi, de 24 anos. Mineiro de Belo Horizonte, o estudante de Engenharia Ambiental da UFRJ queria ser lixeiro quando criança. Hoje, está à frente da Ciclo Orgânico, uma empresa carioca que coleta lixo em residências mediante o pagamento de uma mensalidade de 60 reais. O empreendimento atende 110 residências em oito bairros: Leblon, Ipanema, Copacabana, Leme, Botafogo, Humaitá, Jardim Botânico e Gávea.

A diferença para a coleta gratuita, que no Rio é feita pela Comlurb, é que a empresa de Lucas foca em um público que está preocupado com o destino do seu lixo e seu impacto no meio ambiente. Um público que vai além da separação de materiais recicláveis e olha também para o outro tipo de lixo que produz: o orgânico. A Ciclo Orgânico atua neste campo específico: recolhe e dá destino aos resíduos orgânicos, ou seja, o material de origem vegetal ou animal (como cascas de frutas, de legumes e restos de comida).

Lucas prepara a compostagem no Parque do Martelo, no Humaitá, no Rio.

Lucas prepara a compostagem no Parque do Martelo, no Humaitá, no Rio.

O esquema é simples: após pagar uma matrícula de 30 reais, o cliente recebe um baldinho, com capacidade de 10 litros, com um saco plástico biodegradável para depositar o resíduo orgânico – como fazemos normalmente com sacola de supermercado. Um dos funcionários pesa e recolhe este resíduo, semanalmente, e o transporta de bicicleta para um ponto onde é feita a compostagem. A compostagem consiste em misturar o resíduo orgânico à terra e ao resíduo mais antigo, alternando descanso e manejo, até que o material naturalmente se transforme em um adubo natural riquíssimo em nutrientes, também chamado de composto. Lucas fala:

“A compostagem é um ciclo de vida: mexo com construção ao produzir o adubo, planto e ainda transformo o lixo, que ninguém queria por perto, em algo bacana”

Atualmente, o processo acontece no Parque do Martelo, no Humaitá, Zona Sul do Rio de Janeiro. Lucas usa o local e, em contrapartida, metade do adubo fica para a associação de moradores que faz a gestão do espaço. No fim do mês, o cliente da Ciclo Orgânico, além de ter a consciência de que seu lixo vai para um lugar adequado, ainda tem direito a recompensas: ele pode escolher receber uma muda ou o adubo de volta. Se não quiser, pode optar pela doação, e a Ciclo Orgânico destina o material para pequenos produtores e para o reflorestamento do Parque do Martelo.

O MENINO QUE VIA TESOUROS NO LIXO

A raiz da Ciclo Orgânico remete à infância do estudante Lucas Chiabi. Filho de um engenheiro civil da Vale e de uma psicóloga, antes de chegar ao Rio, aos 13 anos, ele viveu em diversas cidades do país. A que mais lhe marcou foi Carajás, no Pará, onde morou entre 1 e 7 anos.

“É uma cidadezinha no meio da Amazônia. A escola era em ocas de índios, eu tinha uma casa legal, com três goiabeiras, e meu pai plantou cana no quintal. Carajás tem uma cerca em volta da cidade por causa de onças”, diz.

Lucas conta que as maiores diversões nesta fase da infância eram fazer pequenas construções de madeira, plantar mudas e encontrar tesouros no lixo (qualquer semelhança com o que ele faz hoje não é coincidência). Quando chegou a hora do vestibular, não teve dúvidas e escolheu fazer engenharia ambiental para unir o amor por matemática e plantas. Porém, no primeiro dia de aula na UFRJ, levou um banho de água fria: “O professor avisou que quem tinha entrado pensando em ver planta e bicho que era para esquecer. Foi um choque de realidade. Mas aí encontrei lá dentro o Projeto Muda, sobre permacultura e agroecologia”.

As opções de recompensas aos clientes: um saco de adubo gerado a partir do lixo recolhido ou uma mudinha da Ciclo Orgânico.

As opções de recompensas aos clientes: um saco de adubo gerado a partir do lixo recolhido ou uma mudinha da Ciclo Orgânico.

Por causa da pesquisa, ele passou a levar o resíduo orgânico familiar em um baldinho, semanalmente, para a universidade. Ao sair do projeto, no ano passado, estagiou na Vide Verde, uma empresa de compostagem com foco na indústria. O conhecimento da área de atuação vem dessas duas experiências. O gostinho por empreender ele experimentou um pouco antes, em 2011.

“Abri uma marca de roupa chamada ‘Alien’ porque eu competi com skimboard (tipo de surf que usa uma prancha sem quilha para fazer manobras perto da areia) e vi que nenhuma marca abordava este assunto. Me juntei com dois amigos, mas o projeto durou apenas um ano, porque faltou planejamento. Nunca tinha um retorno financeiro legal para poder escalar. Eu sabia que não poderia repetir este erro no Ciclo Orgânico”, afirma.

UM GATILHO PARA EMPREENDER NUM NEGÓCIO SOCIAL

O lado empreendedor ficou esquecido até que a namorada de Lucas, Thamyris Soliva, o inscreveu no programa Shell Iniciativa Jovem, no ano passado. Era preciso escrever um projeto para ser desenvolvido e ele decidiu investir nos resíduos orgânicos. As inspirações para sua empresa vieram, principalmente, do projeto sócio-ambiental Revolução dos Baldinhos, em Florianópolis, Santa Catarina, que solucionou o problema do lixo orgânico no bairro de Monte Cristo, e o Compost Pedallers, em Austin, nos Estados Unidos, que já usava bicicletas como veículo para coletar o resíduo orgânico na casa dos clientes. Os modelos mostraram que o caminho era viável. Com auxílio do programa, Lucas desenvolveu um plano de negócios e conseguiu um aporte inicial de 8 mil reais.

Uma das bicicletas usadas na coleta de resíduos pela Ciclo Orgânico.

Uma das bicicletas usadas na coleta de resíduos pela Ciclo Orgânico.

Para testar o serviço, no início ele ofereceu para amigos assinaturas gratuitas. Ainda assim, teve que enfrentar a desconfiança, já que a coleta de lixo é oferecida gratuitamente pela prefeitura. Apesar do público-alvo ser consciente, ele criou três formas de engajamento: “Na maior parte dos programas de reciclagem, a pessoa entrega o resíduo, mas não sabe o que vira. No Ciclo Orgânico, acaba em adubo ou muda. Além disso, a pessoa fica sabendo o impacto, pois informamos, no fim do mês, a quantidade de resíduos coletados, de composto produzido e as emissões evitadas”, diz ele. “E é perto de casa. Se a pessoa quiser, ela pode vir ver o processo.”

Por ser um serviço que demanda convencimento, Lucas tentou definir um preço que não fosse muito alto. A matrícula de 30 reais paga o custo inicial do baldinho. A mensalidade, de 60 reais, cobre todo o restante dos custos. Para tornar o serviço mais ágil e atraente para mais pessoas em um mesmo condomínio, Lucas oferece planos coletivos. A partir de dez famílias, por exemplo, a assinatura cai para 51 reais.

ERROS E TROPEÇOS NO INÍCIO DA OPERAÇÃO

Com a estratégia definida, os primeiros tropeços surgiram na operação. No início, ele é quem definia as rotas diárias, fazia a coleta, a compostagem, e a gestão financeira. Lucas lembra que atrasou por três vezes a coleta a de uma cliente, o que o fez ouvir reclamações e lidar com o primeiro cancelamento:

“Nunca imaginei, mas reclamação de cliente é algo que dói muito. Você fica sentido e magoado. É bom porque posso melhorar, mas sinto como se fosse comigo”

O sofrimento o fez perceber a importância de outro pilar do seu negócio: a pontualidade. Atualmente, Lucas se concentra em lidar com clientes, planejar a operação e administrar.

De manhã, ele cursa as aulas que faltam para acabar a faculdade de Engenharia Ambiental – a Ciclo Orgânico, por sinal, será seu tema no Trabalho de Conclusão de Curso. À tarde, vai ao Parque do Martelo checar como andam a coleta e a compostagem. Dois funcionários fazem as coletas de bicicleta. Elas acontecem a cada dia em uma área de cobertura. Os dois também são responsáveis pela compostagem. O pai de Lucas o ajuda no setor financeiro e Thamyris, na comunicação. A meta da empresa era fechar 2015 com 100 assinaturas, marca conquistada em janeiro deste ano.

“Ainda não tiro um salário, mas não preciso colocar dinheiro. A conta fecha com os cerca de 6 mil reais mensais. Quero conseguir uma ajuda de custo para mim este ano”, diz ele. A maior dificuldade, ainda hoje, é a logística de coleta com as assinaturas individuais. “Os planos coletivos, como condomínios, são melhores para a gente”

O futuro traz um punhado de novos desafios para a Ciclo Orgânico. Parte deles, consequências do sucesso: as oito composteiras estão ficando sobrecarregadas. Cada uma suporta 200 kg de resíduos, que são preenchidos em uma semana. É preciso remanejar os compostos, quando diminuem de volume, para que se abra espaço para novas cargas de resíduos. Lucas estuda a ampliação de composteiras no próprio parque e talvez em outros pontos da cidade, como em Botafogo, Tijuca, e Barra da Tijuca, a fim de ampliar a cobertura e ser capaz de atender também restaurantes. Para isso, pretende contratar mais funcionários para dar conta da demanda. De baldinho em baldinho, de ciclo em ciclo, são problemas que Lucas está feliz em ter que resolver.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Ciclo Orgânico
  • O que faz: Coleta resíduos orgânicos em sistema de assinatura
  • Sócio(s): Lucas Chiabi
  • Funcionários: 3 (incluindo Lucas)
  • Sede: Rio de Janeiro
  • Início das atividades: 2015
  • Investimento inicial: R$ 8.000
  • Faturamento: R$ 6.000 por mês
  • Contato: [email protected]
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