Alugar um imóvel é um perrengue, por definição. Não bastasse a dificuldade natural de se encontrar um lugar que atenda o que você precisa e caiba no seu bolso, há também a burocracia… É um tal de conseguir um fiador com um imóvel na cidade, juntar uma série de documentos dele, juntar uma série de outros documentos seus, ir ao cartório, ratificar assinaturas, enfim, coisas que tornam a experiência uma penúria. Há tempos a internet já dá uma forcinha, com uma oferta enorme de sites que mostram apartamentos por bairro, características e preço, mas a barreira da papelada segue imutável. E se tudo pudesse ser bem mais simples e rápido? Com um modelo ousado de negócio, totalmente online, o QuintoAndar está crescendo ao facilitar a vida de muita gente eliminando, por exemplo, a necessidade fiador.
É o jeito que os sócios encontraram para, seguindo uma cartilha relativamente comum no mundo do empreendedorismo, resolver o próprio problema enquanto criavam uma empresa que viabilizava isso em escala para o mercado. O mineiro Gabriel Braga, 34, sofreu na pele todos os problemas clássicos quando tentava alugar um apartamento em São Paulo, logo após sair de Belo Horizonte. Ele não tinha fiador. Já André Penha, 36, que viria a ser o seu sócio, não conseguia alugar um apartamento que tinha em Campinas, que estava encalhado há meses, porque os inquilinos também se perdiam na burocracia.
Gabriel conta sobre o embrião da empresa: “A gente tinha uma motivação genuína em resolver o problema, que era nosso e de muita gente. Todas as nossas experiências pessoais com locação de imóveis foram frustradas, e as dos nossos amigos também. Aí pensamos: ‘Vamos resolver esse problema de verdade’”. Ele diz que criar a empresa foi uma consequência disso e acredita que, mesmo com as dificuldades enfrentadas (pois não basta uma boa ideia para algo dar certo), foi justamente a lembrança de que o problema persistia, sem solução, no mercado, que os fez insistir até encontrar a melhor forma de resolvê-lo:
“É muito fácil um negócio fazer sentido no PowerPoint, no Excel. Aí, você passa três meses na rua e nada acontece. O que nos fez continuar foi a crença de que tínhamos que resolver aquele problema”
Gabriel e André se conheceram quando foram colegas de curso na Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Eles maturaram o projeto lá mesmo e, para tanto, tiveram o apoio de professores e de experts da área. Uma ajuda que foi muito útil, como contam, pois desde a formatação da empresa eles encontraram pelo caminho pessoas dispostas a investir no projeto, caso ele andasse.
COMO DISRUPTAR O NEGÓCIO DAS IMOBILIÁRIAS
O QuintoAndar trabalha apenas com apartamentos (atualmente há cerca de 1 700 unidades disponíveis em São Paulo), expostos no site, que tem um funcionamento simples e alguns detalhes que acabam fazendo a diferença. Por exemplo: as fotos dos imóveis são todas tiradas por um fotógrafo profissional, um serviço exclusivo do QuintoAndar, que sai de graça para o dono do apartamento.
Escolhido o imóvel, você pode agendar a visita pela internet e receberá online as opções de horários. Caso o interessado queira negociar o valor ou fazer uma contraproposta, ele pode tratar disso diretamente com o proprietário, sem depender do corretor de imóvel. “Para os proprietários não ficarem no escuro, sem saber se o corretor levou determinada proposta ao interessado ou não, a gente criou esse mecanismo, que deixa a negociação muito transparente”, diz Gabriel.
Visto e aprovado, é hora de fechar negócio. Hora do QuintoAndar mostrar a que veio — e reduzir a burocracia ao mínimo. Para alugar, o cliente precisa ter uma renda igual ou superior a 3,4 vezes o valor do aluguel. Aqui entra detalhe ousado: vale juntar a renda de pessoas próximas para chegar ao valor desejado. Por exemplo, se uma garota que é estagiária e ganha 1 000 reais por mês, mas quer alugar o apartamento de 1 600 reais, a renda de seus pais pode entrar no processo para fechar a conta. A documentação é enviada via e-mail para a empresa, que aprova ou não os dados.
Outro detalhe — e talvez o principal diferencial do QuintoAndar — é que inexiste a necessidade de fiador, já que a empresa arca com o custo de um seguro-fiança, que é grátis para quem aluga. Nas imobiliárias tradicionais, a praxe é quem aluga o imóvel ser responsável pelo seguro, que é usado como garantia. Inverter essa lógica parece um suicídio empresarial, não? “Tem dado certo”, os sócios afirmam.
Aprovado o cadastro e acertado o valor, o futuro morador recebe online o contrato e, em vez de ter que ir pessoalmente a um cartório, pode utilizar a assinatura virtual para fechar o negócio. Uma área específica do site explica o funcionamento de todas essas etapas, tanto para proprietários como para corretores e inquilinos. O processo todo costuma durar, dizem os sócios, de dois a quatro dias, enquanto numa imobiliária tradicional esses trâmites podem levar de 20 a 30 dias.
O faturamento do QuintoAndar é gerado da seguinte forma: para anunciar e ter o seu imóvel administrado pela empresa, o proprietário paga uma comissão de 8% em cima do valor do aluguel e, fechada a locação, o primeiro aluguel fica para a empresa.
OS BASTIDORES DA OPERAÇÃO
Vendo assim, como a empresa está estruturada hoje, parece tudo lindo, mas até chegar ao atual modelo André e Gabriel tiveram uma série de obstáculos, tanto na hora de convencer as pessoas de que o projeto era viável, quanto para conseguir chegar no formato que ele está atualmente.
Convencer as respectivas mulheres de que queriam voltar ao Brasil para abrir a startup não foi tão difícil. No final de 2012 já estavam por aqui, em Campinas, que fica a 100 km da capital paulista. O desafio seguinte foi conversar com os investidores-anjo, aqueles que tinham acenado positivamente para a ideia lá em Stanford, para dar encaminhamento ao projeto. A duras penas, ele conseguiriam levantar 300 mil dólares de investimento inicial.
O QuintoAndar começou com uma pequena sala em Campinas, com uma equipe de quatro pessoas. O site entrou no ar seis meses depois. Durante este tempo, André e Gabriel reduziram o custo de vida e tiravam apenas uma ajuda de custo, que afirmam ser algo bem longe de um salário. Era hora de buscar fundos para o crescimento da empresa. André conta:
“Ao saber que o seguro-fiança era grátis, as pessoas riam e falavam: ‘Tá bom, daqui seis meses se vocês ainda estiverem no mercado a gente conversa’”
Os investidores não apareciam, o negócio não decolava. Isso os obrigou a dar um passo atrás e começar a operação do QuintoAndar sem o diferencial do seguro-fiança grátis. Eles acordaram que iriam implementar a medida depois. Aceitaram, então, entrar no jogo usando as garantias normais do mercado tradicional: fiador, seguro, renda 3 vezes o valor do aluguel. Provaram o que já sabiam que não iriam gostar: “Era um inferno! Um caso era fiador, contrato e demorava de 20 a 30 dias para gente conseguir fechar o aluguel”, conta Gabriel.
UMA SÉRIE DE AS IDAS E VINDAS ATÉ ACERTAR O TOM
O sonho era bacana, ousado, poderia dar super certo, mas a realidade exigiu deles uma espécie de purgatório antes de conseguir colocar em prática o que haviam planejado. Foram dois anos de muita disciplina, resolvendo os problemas mais urgentes da jovem empresa. De acordo com André, eles viam o que estava “gritando” mais, para ir fazendo as coisas, uma de cada vez.
Durante esse período, o site do QuintoAndar também abria espaço para que imobiliárias e locadores anunciassem seus imóveis, o que ajudava o negócio a ganhar corpo e visibilidade, mas desviava a principal receita desse business, que é a taxa de administração cobrada dos proprietários. Como André e Gabriel já estavam há dois anos querendo implementar o tal do seguro-fiança e não conseguiam, resolveram dar mais um passo atrás. Decidiram que era a hora deles mesmos administrarem os imóveis anunciados — quem não quisesse continuar ali, estava livre para ir embora.
“Não dava certo a gente não administrar o imóvel, porque o usuário entrava no site, alugava com a gente, mas de repente quem administra o imóvel é uma administradora que não é muito legal e aí, a experiência do locatário vai embora. Decidimos diminuir os clientes do QuintoAndar para poder crescer. Isso é contra intuitivo”, conta André. E complementa seu raciocínio:
“Uma das coisas mais difíceis de empreender não é decidir o que fazer. É decidir o que não fazer”
Resiliência, confiança e uma pitada de coragem. O passo atrás acabou provando que a intuição dos dois estava certa. A empresa voltou a crescer e, agora, está prestes a se despedir do escritório que esta repórter visitou próximo a Avenida Paulista, em São Paulo, para um espaço maior. Hoje a empresa tem 70 funcionários, a maioria deles trabalhando com tecnologia e produtos, na capital paulista, e mais 30 pessoas no escritório em Campinas.
PARA ONDE CRESCER
Os sócios contam que, para o proprietário, o processo de colocar um imóvel no ar demora 48 horas, às vezes, um pouquinho mais. Já a saída de um imóvel vai variar de acordo com a região em que ele está, se ele está perto do metrô, o valor do aluguel, como acontece em outras imobiliárias. Foi este um dos motivos deles terem optado por não trabalhar em alguns bairros da capital paulista, como o Morumbi (que tem apartamentos muito grandes e com valores altos, que demoram para sair). “A gente ainda não encontrou a fórmula para alugá-los”, diz André. Como comparação, ele conta que o imóvel que deixou em Campinas, quando se mudou para São Paulo, foi alugado em apenas uma semana. Até por conta desse tipo de problema, estava nos planos do QuintoAndar desenvolver uma ferramenta para ajudar os locadores a precificar o imóvel, e isso já começou a acontecer.
Os planos de expansão da startup são ambiciosos: não só chegar a todos os bairros de São Paulo e Campinas, mas também romper as fronteiras do estado. Também está nessa lista o aumento da área de tecnologia da empresa, e para isso, eles irão contratar de mais gente. “A nossa vantagem é que temos uma estrutura enxuta e é mais fácil expandir”, diz André. “É um misto de expansão tecnológica e geográfica. Tem muita gente perguntando quando vamos atender a Zona Norte, quando vamos para Porto Alegre.”
Há décadas, a paisagem do Centro de São Paulo é marcada por usuários de drogas e prédios desocupados. Na contramão da decadência, a incorporadora Somauma investe no retrofit de edifícios antigos e aposta que a região pode voltar a pulsar.
A plataforma surgiu chacoalhando o segmento, agilizando processos e dispensando fiador. Nos últimos anos, reposicionou-se como parceira das imobiliárias (para alcançar clientes mais “offline”) e recebeu um aporte de US$ 250 milhões que catapultou seu valor de mercado.