Durante o mês de junho, interrompemos a sequência de Verbetes Draft sobre termos da nova economia para apresentar uma série especial dedicada às “profissões” reveladas pela Operação Lava Jato (e, por favor, não se candidate a nenhuma delas). O Verbete Especial Lava Jato de hoje é:
TESOUREIRO DE CAMPANHA
O que a gente pensa que é: O profissional, geralmente um contador ou economista, que cuida das finanças de uma campanha eleitoral.
O que realmente é: Na Lava Jato, é responsável por inflar o caixa de campanha, participando do esquema de desvio de dinheiro. O tesoureiro, originalmente, tem a função de gerenciar os recibos eleitorais e orientar o candidato em relação à prestação de contas. Ele é membro obrigatório do Comitê Financeiro de Campanha. Igor Tamasauskas, advogado com estudos na área da corrupção, diz que o tesoureiro é a pessoa legalmente investida, junto ao candidato, a responder sobre todas as receitas e despesas decorrentes de uma campanha eleitoral. “Tanto que ele e o candidato assinam juntos o demonstrativo de receita e despesa”, diz.
A jornalista Marina Motomura, editora do UOL em Brasília, afirma que, na Lava Jato, mesmo as doações legais a campanhas podem ter sido oriundas de propina: “Segundo a delação premiada do ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, a empreiteira fez doações legais às campanhas de Dilma Rousseff (PT) e seus aliados em 2010 e 2014 utilizando propinas oriundas de obras superfaturadas da Petrobras e do sistema elétrico”.
O que é preciso para se tornar um: “Sobretudo, ser alguém da estrita confiança do candidato”, diz Tamasauskas. Assim como nas “funções” de operador e gerente de caixa 2, o requisito do tesoureiro de campanha é ter trânsito livre nas altas esferas do poder, tanto políticas como econômicas, já que não há necessidade de graduação ou profissão específicas para o posto. Dentre os acusados de envolvimento (ou de fato envolvidos) na Lava Jato, há dois empresários (Farias e Baltazar); um ex-secretário municipal, engenheiro e ex-prefeito (Filippi); um ex-ministro e sociólogo (Silva); um tesoureiro propriamente (Genú); um matemático (Soares), e um bancário e ex-secretário de finanças e planejamento de partido político (Vaccari) — os dois últimos também ex-sindicalistas. .
Quanto dinheiro envolve: As cifras investigadas envolvem 750 mil reais (Filippi), 1 milhão de reais (Baltazar), 2 milhões (Genú),4,26 milhões (Vaccari), 7,5 milhões (Silva) e 12 milhões de reais.
Quem são as referências na área: Delúbio Soares, Edinho Silva, João Claudio Genú, João Vaccari Neto, José de Filippi Júnior, Paulo César Siqueira Cavalcante Farias (PC Farias) e Ronaldo da Silva Baltazar.
Em que esfera atua e como: Em âmbito federal. Dentre os ligados ao PT, Fillipi foi tesoureiro da campanha de Dilma Roussef para a presidência em 2008, cargo ocupado por Edinho em 2014; Delúbio e Vaccari foram tesoureiros do partido e Baltazar foi tesoureiro da campanha da senadora Gleisi Hoffmann e de seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo. Genú foi tesoureiro do PP. PC Farias foi tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor de Mello na campanha que o elegeu, em 1990, Presidente da República. Morto em 1996, PC Farias aparece na Lava Jato na delação do ex-deputado federal Pedro Corrêa, que implica o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), já investigado por envolvimento na corrupção sistematizada na Petrobras e outras estatais. Corrêa diz que Calheiros usou dinheiro arrecadado por PC Farias (e advindo de propinas) em suas campanhas.
Os tesoureiros de campanha da Operação Lava Jato são acusados de atuar de forma análoga à de gerente de caixa 2 ou de operador. No caso de Edinho Silva e Vaccari, as atuações são (respectivamente) concomitantes.
A quem serve: A políticos e seus partidos. Como dito acima, Fillipi e Silva à Dilma Roussef; Delúbio e Vaccari ao PT; Baltazar à senadora Gleisi Hoffmann e ao ex-ministro Paulo Bernardo; Genú ao PP e PC Farias ao presidente do Senado, Renan Calheiros.
Com quem atua: Com doleiros e empresários, essencialmente. Baltazar com o doleiro Alberto Youssef e com Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras; Filippi com as empreiteiras Andrade Gutierrez e UTC Engenharia; Genú com Youssef; Silva com empreiteiras como UTC Engenharia, a OAS e Odebretch; Soares com o empresário Ronan Maria Pinto (dono do jornal Diário do Grande ABC), o banco Schahin e empresas intermediárias e Vaccari com a Interpar e a CMMS. PC Farias esteve diretamente ligado ao esquema de corrupção do governo do presidente Fernando Collor — não à toa, o escândalo ficou conhecido com o “Esquema PC”. A influência do tesoureiro ia do Palácio do Planalto ao Banco Central. Muitas dessas informações acima são acusações e indícios em fase de apuração.
Efeitos de suas ações: Em geral, o tesoureiro que comete crime o faz para inflar o caixa de campanha do candidato (e, assim, alargar as chances de eleição) e fazer conluios com políticos e empresários para a manutenção do poder, do esquema de corrupção e para enriquecimento ilícito.
João Vaccari Neto, preso pela Lava Jato em abril do ano passado, foi tesoureiro do PT. Segundo o juiz Sérgio Moro, ele participou do esquema de desvio de dinheiro da diretoria de Serviços e Engenharia da Petrobras em que se envolveram o ex-diretor Renato Duque e o gerente Pedro Barusco.
Como é denunciado: Tamasauskas diz que há uma mescla entre delação e investigação até porque a delação é, na verdade, um dos instrumentos de uma investigação. “A delação premiada é uma técnica de obtenção de investigação vista como um caminho para obtenção de provas. Foi regulamentada com mais precisão a partir de 2015, na Lei de Organizações Criminosas, embora já existisse em algumas legislações como a Lei de Lavagem de Dinheiro e de Crimes Econômicos.”
Filippi foi denunciado na delação da publicitária Danielle Fonteles, dona da agência de comunicação Pepper Interativa, ligada ao PT; Genú foi delatado por Youssef, Carlos Rocha e Fernando Baiano; PC Farias, na delação do ex-deputado federal Pedro Corrêa; Silva por meio da delação do ex-senador Delcídio Amaral e Vaccari pelo ex-executivo da Andrade Gutierrez, Otávio de Azevedo.
As exceções são Baltazar, que foi descoberto pelo rastreamento (seguido pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot) das ligações telefônicas de Paulo Bernardo e Gleisi Hoffman e Soares, pelo Ministério Público e por quebra de sigilo da Lava Jato. PC Farias caiu, junto com Fernando Collor, em função das denúncias feitas por Pedro Collor, irmão do ex-presidente.
Como pode ser preso: “A princípio, podem ser presos de estiverem interferindo negativamente na instrução processual criminal e, então, se forem condenados”, fala Tamasauskas. Baltazar e Filippi estão sendo investigados. Réu no Mensalão, Genú está preso desde maio, em Brasília (foi pego na Operação Repescagem, a 29ª fase da Lava Jato) e negocia delação premiada. Silva é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal; Soares, que já cumpriu pena no Mensalão, é réu em ação penal da Lava Jato (relacionada à 27ª fase da operação, Carbono-14) e Vaccari foi condenado a 24 de anos de prisão (por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa) e está preso há um ano e dois meses. A ligação de PC Farias e Renan Calheiros está sendo investigada.
Curiosidades:
— A 29ª fase da Operação Lava Jato, na qual o alvo foi ex-tesoureiro do PP, João Cláudio Genú, foi batizada de Repescagem por investigar um suspeito absolvido no julgamento do mensalão.
— Em 2014, Genú foi condenado por lavagem de dinheiro, mas recorreu e foi inocentado.
—O corpo de PC Farias foi encontrado em junho de 1996, ao lado do da namorada, também morta, em sua casa de praia. O caso foi considerado crime passional (Suzana teria matado o amante e se suicidado) embora haja peritos que, até hoje, apontem o caso como duplo assassinato e queima de provas que envolviam casos de corrupção.
Para saber mais:
1) Veja, em Ex-tesoureiro da campanha de Dilma manda a Moro fotos de presentes que ganhou da UTC, do Estadão, quais foram os presentes ganhos por Filippi de empreiteira.
2) Leia, no G1, Moro cita compra de joias e imóveis para prisão de ex-tesoureiro do PP, sobre a afirmação, da força-tarefa da Operação Lava Jato, de que a esposa Genú comprou mais de 100 mil reais em joias com dinheiro oriundo de corrupção.
3) Leia, na Folha, Para ex-ministro Edinho Silva, eleição de 2016 deve ser a pior vivida pelo PT. Na entrevista, Silva confessa arrependimento em ter aceitado a função de tesoureiro de Dilma em 2014 e fala sobre o que acredita ser “a falência dos modelos de funcionamento e financiamento partidário no Brasil”.