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Um relato da “guerra” que é ter uma ideia disruptiva e fazer o mundo comprá-la

Daniela Paiva - 15 jul 2016
Alex (o terceiro, de esq. para a dir.) e o time da Meenkee numa exposição de startups.
Daniela Paiva - 15 jul 2016
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“This is war”, diz Alex Ross com um sotaque “alpaccinesco”, estilão Bronx, sobre suas batalhas como empreendedor à frente da Zap to Buy, empresa de tecnologia e inovação que desenvolveu o aplicativo Meenkee. O aplicativo traz um software que “lê” e interage com imagens exibidas em uma tela, que pode ser de TV ou de cinema. Funciona assim: aponta-se o celular, captura-se a cena e o sistema te leva para conteúdos relacionados ao que aparece no frame. Por exemplo: se você está assistindo a um filme estrelado por Angelina Jolie e a musa exibe um vestidão mara, pelo app é possível descobrir a marca, ir até a loja virtual e comprá-la imediatamente. Ou até encontrar alternativas mais agradáveis ao bolso.

Alex comenta outras possibilidades do aplicativo: o Meenkee consegue coletar dados de interação, o que se mostra bastante interessante para a indústria do marketing. Também pode ser usado na educação expandindo conteúdos, e por aí vai. A Zap to Buy é a “big idea” de Alex, um alemão de 45 anos que mora na Inglaterra e que passou quase 20 anos em Los Angeles trabalhando na produção de filmes para grandes estúdios. Ele teve o estalo em plena Hollywood, há seis anos, após um típico serão noturno. O local era seu restaurante tailandês favorito. Jantava sozinho e, plim:

“Não seria ótimo se as pessoas pudessem se conectar com as imagens na tela do cinema ou na TV?”

Desde então, Alex venceu alguns bons combates para transformar a ideia em uma empresa, com modelo de negócio e operação minimamente viável. O maior desafio foi o desenvolvimento e patenteamento da tecnologia. Para isso, ele contou com um subsídio de 80 mil libras (cerca de 410 mil reais) da agência britânica Innovate UK em 2014. Acrescente aí economias pessoais que também sustentam sua dedicação à empresa.

O ABISMO ENTRE A IDEIA E SUA EXECUÇÃO NO MUNDO REAL

Vender o produto é uma história ainda em andamento. E sua perseverança e trajetória na guerra chamam a atenção. Alex é constantemente convidado para participar e falar em eventos de empreendedorismo. Recentemente foi congratulado membro da Guild of Entrepreneurs, espécie de confraria de empreendedores britânicos.

A “big ideia” da solução do Meenkee consiste na união de: identificação de imagem (como o Google Images faz), reconhecimento da pegada sonora (como Shazam e similares fazem) e um software da Amazon para e-commerce. É assim, portanto, que ao apontar o smartphone para uma cena de Modern Family, o aplicativo te redireciona para o e-commerce em que você pode comprar, na hora, a malha que Claire Dunphy está usando. O faturamento do Meenkee vem de uma comissão cobrada sobre os valores negociados e também da licença de uso do app.

O Menkee identifica o que há na tela e oferece o produto em e-commerces, para compra imediata.

O Meenkee identifica o que há na tela e oferece o produto em e-commerces, para compra imediata.

No momento, o Meenkee prepara pilotos em parceria com a operadora de TV Sky, a marca de cosméticos Avon, a fabricante de móveis Ikea e a agência de publicidade Saatchi & Saatchi. Mas o app não está, ainda, efetivamente operando. É duro. Ao abordar sua rotina de empreendedor, Alex faz questão de reforçar os detalhes nada, mas nada mesmo glamurosos. Diz que há três anos não tem vida. A labuta vai das oito da manhã até 11 da noite. Exceções para manter a sanidade: pratica uma hora de esporte por dia e segue com a pesquisa para seu doutorado.

Deixa na cabeceira um iPad para “emergências mentais”, como a lembrança de um contato importante ou um lampejo sobre uma ação estratégica que não pode esperar o dia seguinte. E elas são frequentes. “Preciso. Se eu não trabalhar todas essas horas, os competidores certamente o farão”, diz. E tome balde de realidade na cara do empreendedor que embarca no hype e acha descobriu uma saída para todos os seus problemas:

“Trabalhar 90 horas por semana não tem nada a ver com encontrar algum tipo de paz. Não é sobre nirvana, mindfulness: aqui é guerra. Ser empreendedor é estar em guerra”

Ele prossegue: “Você tem que lutar as batalhas. Ou leva a porrada e vai atrás de um emprego, o que não é uma opção para mim. Eu tenho que vencer, não tenho outra opção”. A primeira de suas batalhas começou lá atrás, em 2010, e consistia em compreender se a tal ideia de Alex soava coisa de maluco, ou não.

SERÁ QUE SOU MALUCO?

Ele foi conversar com um velho amigo dono de uma empresa de engenharia de software. Perguntou o que achava do potencial do produto, se haveria uma solução técnica. Em british english, a resposta começou com um piss off (sai daqui), seguida por algo do tipo: “Isso não vai acontecer tão cedo. Sabe o tele transporte? Também é uma ideia legal, mas até hoje, necas”.

Só que caiu a noite e a pilha de Alex atormentou o sono do amigo, que no dia seguinte decidiu ajudá-lo. Próxima batalha: orçar o projeto e encontrar suporte financeiro para o protótipo, ou seja, descolar um investidor.

O amigo-figurão repassou contatos em Stanford e no Vale do Silício, e Alex começou a gastar o entusiasmo e a simpatia com reuniões e telefonemas. Muita conversa e bate-papo na Meca do empreendedorismo durante um ano, e nada de tutu. Alex lembra:

“Falar com as pessoas no Vale do Silício é fácil. Você liga, elas conversam. Mas não vão te dar um centavo”

A questão é que o projeto de Alex precisava de pelo menos dois engenheiros para sair da cabeça e se tornar um app. E hoje, diz Alex, um garotão de 22 anos recém-formado em Stanford, Caltech ou no MIT cobra de 100 a 150 mil dólares para botar seus mãozinhas douradas num novo aplicativo. Foi preciso mudar o rumo do barco e explorar outros territórios para buscar o que ele precisava – no caso, nos arredores da rainha.

DÓI, MAS FALHAR E SE DECEPCIONAR É BOM

Voltando no tempo um pouco na história, Alex nasceu em Munique, mas morou na Escócia e na Inglaterra na infância e juventude. Cursou Economia e Ciência Política em Cambridge, influenciado pelos seus pais acadêmicos, mas a empolgação com a sétima arte o levou para os Estados Unidos aos 21 anos. Queria ser roteirista, produtor, respirar tudo de cinema. Foi o que fez.

Trabalhou com estúdios como Warner Brothers e MGM, fundou a companhia Fortis Entertainment, produção e gerenciamento, que foi vendida para Sandra Bullock (ela mesma!). Alex chegou a assinar a produção de um filme, a pouco conhecida comédia romântica The List. Mas, os holofotes e a badalação de Hollywood não sustentaram seus sonhos.

“Quando aprendi como a indústria realmente funciona, o que estava envolvido, algumas ilusões se despedaçaram”, conta. “É hardcore, não tem meritocracia. Os melhores projetos não são feitos. Ver o Oscar, ir para as festas… Para mim é irrelevante. Depois de um tempo aquilo se tornou apenas business, e eu achei muito difícil continuar a ter paixão.”

O aplicativo reconhece o filme (seriado, comercial) e em seguida oferece as opções de compra de produtos disponívels.

O aplicativo Meenkee reconhece o filme (ou seriado, ou comercial de TV) e em seguida oferece as opções de compra de produtos disponíveis na imagem.

O desencanto mudou seu foco de interesse já nos anos 1990. Naquela época ele se uniu a um grupo de amigos para lançar um então inédito modelo de venda de música pela internet. Chamava-se Total Gold Music. Tudo ia bem, conseguiram levantar 1 milhão de dólares para desenvolver o plano de negócios. Só que, na hora de comercializar o produto, ninguém acreditou que o mundo seria como hoje tão rápido. “Alguns anos depois, Jeff Bezos aparece com algo muito menos sexy vendendo livros, a Amazon”, diz ele. Fato é que bateu algo que ficou:

“Tive um gostinho dessa coisa chamada empreendedorismo ao me comprometer com esse projeto e vê-lo afundar. Fiquei empolgado com o potencial da tecnologia”

Mais um punhado de anos e nasceria a Zap to Buy em uma madrugada de um restaurante tailandês. Em 2011, depois de um ano de conversas, Alex empacotou sua ideia e rumou para a Inglaterra. Ouvira de amigos que o ecossistema do empreendedorismo no Reino Unido soprava ventos promissores. Engenheiros mais baratos, dinheiro fluindo por fundos de investimento. O cenário soava interessante. Mas… “Achei que ia chegar aqui e levantar o dinheiro, juntar os engenheiros em três, quatro meses. Levou um ano e meio até encontrar as pessoas certas, porque as melhores já estão trabalhando em grandes projetos nas universidades”, diz. “Não foi nada fácil.”

O DESAFIO DA RESILIÊNCIA. É PRECISO SER – MUITO – FORTE

Outra peleja foi superar as barreiras que se apresentaram no processo de concepção de uma tecnologia do começo ao fim. Ele compara: “Você faz todo o estudo para a cura do câncer, mas isso não significa que vá achar a cura. Pode bater em uma parede e não ir para lugar algum. Há um risco alto”.

Considera esse o maior desafio da empreitada? Não exatamente: “O maior desafio até hoje para essa companhia é a aversão ao risco das empresas na Inglaterra. Conversamos com muitos heads de inovação, e eles não estão realmente procurando isso. Simplesmente não querem balançar o barco. Querem jogar no seguro. As pessoas se sentem ameaçadas porque a nossa tecnologia é disruptiva”.

O Meenkee foi apresentado ao mercado em dezembro de 2015. Desde o lançamento, Alex e sua equipe discutem oportunidades e potenciais com grandes empresas. Já receberam o endosso da Saatchi & Saatchi, IBM, Ikea, Google. E até estão de conversê com o Brasil. Apesar da receptividade, o projeto ainda não virou em termos comerciais — o que leva Alex a apontar para mais um gigantesco desafio como empreendedor: sobreviver ao tempo de espera para as decisões das grandes companhias.

“Não é que as empresas não queiram fazer negócio, usar a sua tecnologia, aplicá-la. Mas, esse comprometimento leva um longo tempo. Muitos empreendedores acabam falindo por problemas de fluxo de caixa e seus ciclos de pagamento”, diz. Alex relata uma péssima experiência recente com um venture capitalist baseado na Ásia. Durante três meses e meio, a Zap to Buy passou por um extenuante processo de análise e assinatura de contrato. Incontáveis e exaustivos pedidos de documentos e formulários.

Ao final, a resposta negativa o deixou possesso: “Eles nos fizeram perder muito tempo. Realmente estressaram a companhia. Um dos meus caras teve que gastar 40 horas criando uma papelada boba. São 40 horas não foram usadas para desenvolver a tecnologia, buscar vendas ou ir atrás de contratos”. Lição aprendida: vender o produto é prioridade. O investidor que se abolete no segundo lugar.

O QUE FAZER SE O PLANO NÃO DER CERTO?

Hoje a Zap to Buy é formada por um time de sete pessoas, incluindo Alex. A sede é em Cambridge, mas boa parte da equipe trabalha remotamente. Outra lição também recente nesse sentido. Alex contratou um engenheiro em Cambridge que quase provocou discórdia geral por não saber trabalhar em equipe: “Meu erro foi não demiti-lo rápido o suficiente. A presença dele poderia ter criado consequências negativas”.

Sobre a questão, ele diz: “Como empreendedor, tenho que pensar em gerar dinheiro para contratar pessoas e delegar mais. Mas, muito frequentemente a quantidade de trabalho não muda. Você tem que motivar a equipe, monitorá-la, responder perguntas. Você faz algumas coisas, mas acrescenta outras às suas tarefas”.

Ele afirma estar meio frustrado com o Reino Unido por conta de todas essas idas e vindas com empresas (para não falar das consequências do Brexit). O investimento inicial recebido foi bom para o desenvolvimento do app, mas agora ele precisa colocar o produto na praça. Virar business de verdade. “Estamos começando a atacar com agressividade Nova York e o Vale do Silício, novamente”, diz. Se a Zap to Buy não der certo, Alex vai buscar inspiração para uma outra big idea?

“Não penso no que vai acontecer se não der certo. Trabalhar três anos 90 horas por semana tira muito de você, então não acho que algo vá superar a minha ideia ou fazer eu me comprometer com alguma coisa nesse mesmo nível”. Ele se despede, mas não antes de dizer, naquele tom de quem vai vencer a guerra de qualquer jeito: “This is it”.

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