Quando fiz 40, depois de dois anos tomando dois calmantes e meia garrafa de uísque por dia, todo dia, me vi incapacitado num sofá. Vivi essa situação por 11 meses. Foi um colapso psiconeurológico anunciado, pois apesar de ter uma vida pessoal ótima, e sucesso como empreendedor na área de telecom e informática, uma angústia muito grande me consumia por dentro, já havia muito tempo.
Nasci no Rio de Janeiro, mas me mudei cedo para São Paulo. Aos 19, iniciei minha carreira como funcionário na área informática, caminho que me levou a trabalhar em diversas multinacionais. Em 1987, aos 30, depois me desiludir com tudo de patológico que a convivência corporativa pode conter, em que politicagens, jogos do poder, hipocrisias e pequenos (e às vezes grandes) delitos são vistos como coisa normal, resolvi sair do mundo das grandes companhias e criar a minha própria empresa. Era o início da chamada microinformática, dos primeiros sistemas de rede de computadores. Ajudei a construir esse mercado no Brasil.
Os anos foram passando, e as desilusões com o mundo corporativo se transformaram em frustrações também no mundo do empreendimento. Não conseguia desenvolver relacionamentos empresariais saudáveis – era comum o pagamento de propinas nas propostas que me eram solicitadas. Assim como também era corriqueiro “molhar a mão de fiscais corruptos”, que alegavam irregularidades fictícias para poder achacar o empresário. Não conseguia engolir um sistema tributário insano, e uma legislação trabalhista que mais complicava a geração de empregos do que protegia os trabalhadores. Isso realmente foi dilapidando minha força para ir adiante.
Tive outras empresas na área de tecnologia, e seis anos depois, me percebi questionando se tudo aquilo valia pena. Cheguei inclusive a me perguntar se valia a pena continuar vivendo. Eu parecia não encaixar no mundo. Minha rotina de viajar para o exterior, dar entrevistas, participar de reuniões e feiras de negócios, muitas vezes em ambientes glamorosos, só aumentava a minha sensação de estar sozinho – e de desconexão em relação ao que me cercava.
Essa mistura de frustração e angústia virou raiva, e apesar da minha família perceber que tinha algo de errado, nada podia fazer – a minha postura era arrogante, eu era o dono da verdade. Mesmo chafurdado na infelicidade (ou talvez exatamente por isso), eu era autoritário, prepotente e egoísta. Tentava me encaixar, me convencer que seria possível me adaptar àquela realidade maluca em que vivia, onde ética, valores e cooperação não faziam parte do repertório dos negócios.
O jeitinho brasileiro me irritava, me deixava exausto, a falsa malandragem (que é puro atraso e ineficiência) é um jeito estúpido e improdutivo de passar pelos problemas sem resolvê-los.
De tanto escutar que era assim mesmo, que não adiantava nadar contra a correnteza, que tinha que deixar de ser romântico, cansei e passei a tomar parte naquela loucura. Já que não adiantava dar murro em ponta de faca, aderi à administração por conflito, e joguei o jogo, deixando de criticar e até incentivando um bocado de desumanidades que grassavam naquele mundo dos negócios marcado por paranoias e insensibilidades. Lá no fundo, no entanto, isso me minava – eu continuava acreditando que era possível competir sem destruir o outro. Apesar de no meu dia-a-dia ver e praticar cada vez mais atitudes destrutivas.
Um dia, ao chegar em casa, depois de tomar um uísque, que meses antes começara com uma dose, e foi aumentando até se transformar em meia garrafa, não consegui dormir. O gelo do copo me fez perceber que meu coração e minhas emoções também estavam congelados. Percebi que não estava construindo legado algum. Se morresse, com a exceção da minha família, poucos se lembrariam de mim. Estava cansado de precisar me provar um sucesso, para os outros e para mim mesmo, baseado apenas em bens materiais e resultados financeiros. E essa exaustão começou a corroer o desempenho dos meus negócios e o meu desempenho à frente deles.
Me percebi cinzento, sem brilho, um zumbi, bêbado, com o coração debilitado, o estômago em frangalhos, o fígado e os rins sobrecarregados, me deixando inchado, o organismo com a pressão absurdamente alta, me avisando que era hora de parar e rever aquele caminho e aquelas escolhas.
Apesar de ter acumulado bens e de ter uma família maravilhosa, eu estava muito infeliz. Meu mundo, o único que eu conseguia enxergar, derretia à minha volta.
Mesmo confuso, entendi que o principal motivo era viver em função de um trabalho sem sentido. Intuía que precisava de algo que realmente me motivasse, me deixasse respirar.
Desesperado, me escondendo para chorar, sem saber como mudar aquela situação, comecei a acrescentar à minha rotina etílica um calmante. Uma semana depois, dobrei a dose. Nos meses seguintes comecei a tremer, já não conseguia segurar o garfo sem a ajuda da outra mão, e tinha dificuldade de acertar a comida na boca. Um medo aterrador começou a tomar conta de mim. As tremedeiras começaram a ser acompanhadas por faltas de ar, e na sequência travamentos que começaram a me manter em choque no meio da rua. Como não existia celular, quando meus membros travavam precisava aguardar até que alguém tivesse coragem de me ajudar.
Imagino que fosse estranho, ou mesmo grotesco, ver aquele ser humano todo torto, de terno e gravata, parado, sem se mexer. Não cheguei a ficar inválido, mas tive a oportunidade de criar empatia com os deficientes. Vivi momentos de humilhação ao depender da ajuda de estranhos para me encaminharem até um hospital, ou a um lugar seguro, onde pudesse aguardar a crise passar e chamar alguém da família para me resgatar.
Um dia me percebi prostrado no sofá do meu apartamento. Depois de escutar, assustado, de profissionais da saúde, que não poderia mais trabalhar normalmente, que o meu colapso tinha me tirado a capacidade de lidar com tensões, pensei que tinha acabado tudo. Sabia que o que diziam era verdade, pois bastava um objeto qualquer cair no chão que começava a tremer, ficava paralisado e o ar me faltava até quase sufocar. Crise de pânico. A ansiedade já tinha vencido o jogo dentro de mim.
Naquele sofá do meu apartamento num condomínio de alto padrão em Moema, em São Paulo, sem poder trabalhar, um morto-vivo, eu me culpava por estar falido, com dívidas impagáveis. Me achava miserável como ser humano, por ser incapaz de ir sozinho na cozinha sem alguém da família acompanhando.
Me considerava incompetente por ter chegado àquele ponto em minha vida profissional. Me considerava indigno, um cara que não merecia nada.
Não conseguia derramar uma lágrima, mas chorava por dentro, incessantemente. Morria um pouco mais cada vez que minha esposa precisava me levar pelo braço para sentar na sala, ou me incentivava inutilmente a tentar sentar na varanda. Não queria ver o mundo, não queria falar com ninguém. Tinha vergonha daquilo em que tinha me transformado, me sentia humilhado, impotente, um bosta. A depressão tinha se abatido sobre mim.
Até que percebi que até aquele momento eu tinha tentado ser alguém, mas nunca tinha conseguido ser eu mesmo.
Uma luz começou a se acender quando entendi que nunca é tarde para você ser o que poderia ter sido. Com a ajuda de uma terapeuta, percebi que podia redirecionar toda aquela energia depressiva, aquela raiva e impotência, em algo mais útil. A partir do propósito de transformar pessoas para transformar o mundo, comecei a achar de novo que minha vida podia valer a pena.
Apesar das valiosas orientações que recebi, no entanto, estava claro que só dependia de mim dar a volta por cima. Montei um plano de sair daquela situação, e sem ninguém por perto, comecei uma batalha comigo mesmo. Por vários dias lutei para ir do meu sofá até a porta do meu apartamento, e assim avançando um pouco mais a cada dia em direção à rua. Suava, tremia, e às vezes era vencido pelo esforço. Com frequência nosso pior inimigo vive dentro da gente. Medo. Insegurança. Baixa autoestima. Confiança muito rala em mim mesmo. Melancolia profunda.
Essa é a hora de decidir ir adiante – ou desistir de tudo. Eu enfrentei esse duro encontro comigo mesmo. E não foi fácil. Emagreci mais de 15 quilos nessa luta por me reinventar como pessoa e como profissional. O esforço valeu a pena. Algumas semanas depois eu já conseguia pegar o carro e dirigir no bairro. A vontade de iniciar uma nova profissão, e uma vida com mais sentido, aos poucos, foi me reerguendo.
Renasci pela primeira vez em 1998, aos 41 anos. Me sentia assustado, e ao mesmo tempo motivado como um jovem que ainda tivesse toda a vida pela frente. Completamente falido, com dívidas enormes e com o nome sujo, voltei a trabalhar, com dificuldade e limitações, mas, depois de muito tempo, com lufadas de felicidade.
Com a ajuda de um amigo, montei um negócio no embrionário segmento de voz sobre IP. Em paralelo me especializei na área de áudio e videoconferência. Passei a escrever para revistas, e cinco anos depois, me associei à maior operadora de telefonia do pais. Estava muito empolgado, pois agora meus negócios faziam sentido, meus projetos e textos especializados falavam de educação à distância, telemedicina e capital intelectual – assuntos que realmente me apaixonavam.
Tinha conseguido desenvolver um trabalho que transformava a vida das pessoas e impactava a sociedade, diminuindo distâncias. Em paralelo, comecei a orientar pessoas à noite, num salão no fundo da minha casa. Auxiliava em transições para carreiras com mais significado, mudanças completas de vida como eu mesmo tinha feito, discutíamos crises existências, e tentava oferecer qualquer ajuda que pudesse dar a quem me procurasse. Não cobrava, meu maior pagamento era o olhar de esperança das pessoas quando saíam da minha sala. Me sentia realizado ao poder participar de forma significativa da vida daquelas pessoas. Contribuir para o aumento do brilho de esperança em uma vida melhor, no olhar do outro, me motivava a me melhorar a cada dia, e estudar para aprimorar as minhas orientações.
Nos anos seguintes, minha vida ficou ótima. Apesar de ainda não ter conseguido criar novas reservas financeiras, tinha quitado minhas dívidas, e limpado meu nome. A sociedade com a operadora de telefonia estava indo muito bem, e eu era diretor de marketing de uma empresa de telecom. Meu trabalho como coach já havia avançado, cobrava pelas sessões, e tinha alugado um local onde atendia à noite.
Como a vida é uma caminhada sem garantias, um belo dia de 2005, com uma mudança acionária na operadora com a qual tinha sociedade, as coisas deram para trás. Aos 48 anos, me vi num dilema, entrar novamente em crise, encarar novas crises de ansiedade e depressão, ser engolido outra vez por uma espiral paranoica, ou respirar fundo, trocar de vida outra vez, ter a coragem de operar novas mudanças em minha vida – e finalmente me dedicar a transformar a sociedade através das pessoas.
Apesar do frio na barriga – afinal, tinha reconquistado uma zona de conforto –, nesse dia, uma sexta-feira, conversei com minha família e decidi abandonar tudo. Na segunda-feira seguinte, assumi de vez meu trabalho como coach – uma decisão que implicou reduzir meus ganhos em dez vezes. Sem reservas, vi o padrão de vida da minha família despencar. E essa não é uma visão bonita. Passamos a economizar até em comida. Para aumentar os ganhos, comecei a dar aula de violão, e a tocar em dois bares – pois também sou músico. Aceitava todo tipo de bico, trabalhava muito – mas fazia sentido, tudo parecia valer a pena. Aos 48 anos, eu renascia pela segunda vez. Em uma nova profissão, sem nenhum lastro, mas motivado por poder dedicar o resto da minha vida a uma atividade que eu considerava útil e relevante para a sociedade.
Hoje, 11 anos depois, tive muitas experiências e aprendizados. Aprendi a achar novos caminhos, valorizando os erros que cometi. Aprendi a fazer da cooperação meu modelo de negócio, e da cumplicidade a forma de trabalhar, e da complementaridade a base para racionalização de recursos. Montei uma empresa de desenvolvimento pessoal e profissional, baseada em coach, e apoiada por uma área de saúde, com o propósito de transformar a sociedade através das pessoas – e mas também para ajudar as pessoas a não passarem por todos os infernos e purgatórios por que passei.
Uma década e pouco depois do meu renascimento em minha terceira vida, tenho uma vida confortável e faço o que amo. Depois de ajudar mais de 400 pessoas a transformarem suas vidas, profissões e negócios em quase 15 000 sessões de coaching, me considero um cara de sucesso. Esse sucesso também se dá por ter conseguido manter minha família unida, pois não sei se conseguiria superar o que superei sem ela. Sei que sofreram, mas aprenderam que nada vem de graça. E que podemos, com ética e persistência, conquistar tudo aquilo que valer a pena e fizer sentido.
Estou com minha esposa há 36 anos. Ela e meu filho de 29 anos trabalham comigo – porque gostam. Minha filha de 34 anos trabalha com RH, e é uma defensora dos novos modelos de gestão de pessoas. O meu maior orgulho é saber que o meu neto de quase 3 anos, quando ler o livro da minha vida, os textos e vídeos em que mostro aquilo em que acredito, e os depoimentos das pessoas e empresas que auxiliei, terá orgulho do avô. Vai saber que errei porque tentei. E que foi errando que achei novos caminhos – os caminhos certos para mim. Espero também que ele saiba que humildade não é subserviência – mas respeito. E que a primeira pessoa que ele deve aprender a respeitar é ele mesmo.
Perdi tudo duas vezes. Precisei morrer duas vezes para renascer na vida que realmente me faz feliz. Mas aprendi que são as crises que nos dão a oportunidade de nos reinventarmos. Luto pela melhoria da condição humana – a começar pela minha própria. Não importa a idade que você tem. Nunca é tarde demais, nem cedo demais, para refletir sobre suas escolhas, para rever seus valores, para buscar mais sentido em sua vida.
Não é fácil, mas vale a pena.
Não é fácil, mas não há outro jeito.
Paulo Maurício Mello, o Carí, 59, é sócio-fundador do Núcleo Pluri – Desenvolvimento Pessoal e Profissional e escreve sobre Produtividade Sustentável no site ConceitoCari.
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