por Cristiano Goldenberg
Dezembro de 1994. Com 17, quase completando 18 anos, eu já estava no mundo corporativo ganhando meu próprio dinheiro — e isso é extremamente sedutor. Demorei alguns anos para descobrir que o mundo corporativo rouba muito tempo da nossa vida. Que quanto mais você trabalha, mais precisa trabalhar. Que sobra muito pouco tempo para fazer outra coisa que não seja apenas trabalhar e ganhar dinheiro.
Em 2000, vivi meu primeiro grande dilema profissional: largar uma renomada multinacional americana, que contratava “os melhores do mercado”, para trabalhar em outra grande multinacional europeia. Não foi uma decisão fácil. Era como se eu estivesse trocando o certo pelo duvidoso. Cheguei a ouvir que estava jogando minha carreira pela janela, mas troquei de empresa. Poucos meses depois, essa multinacional decretou falência, e ela própria parece ter jogado a carreira de todos os 85 mil empregados que tinha no mundo inteiro pela janela.
Quando me dei conta, já tinha sido expatriado para a França e estava vivendo uma enriquecedora experiência mundo afora. Carimbei muito meu passaporte. Aprendi outros idiomas. Conheci muitos países. Vi outras paisagens, tive contato com outras culturas e outros hábitos, diferentes daqueles que eu havia aprendido. Descobri que existem muitas outras verdades por aí. Parafraseando Juscelino Kubitschek, vivi 50 anos em 5.
Em março de 2007, retornei ao Brasil e comecei a me sentir incomodado com relação ao meu futuro profissional. Questionei o mundo corporativo, as coisas não aconteciam na velocidade que eu desejava e acabei tomando a decisão de abrir minha própria empresa.
Empreendi sozinho. E, pouco tempo depois, também sozinho, vi que a minha empresa não tinha dado certo
As contas continuavam a chegar, mas não tinha mais dinheiro entrando. Reconheci que era o momento de voltar a ganhar dinheiro. Como? Voltando para o mundo corporativo.
Nessa época, eu estava também acima do peso, as roupas que antes me serviam estavam apertadas. Uma amiga me “apresentou” a corrida como estratégia para perder peso. Gostei, e comecei logo com 10 km. Não parei mais de correr. Perdi os quilos que me incomodavam e ganhei muito mais disposição e saúde.
Em pouco tempo, lá estava eu novamente questionando as formas de funcionamento do mundo corporativo. Mas de novo? Eu já tinha tentado empreender. Não deu certo. E agora? Contas diversas pra pagar, planos de viagens para fazer, lugares para conhecer, bens para consumir: tudo isso exige dinheiro. 40 anos de idade. Será que dava pra recomeçar alguma coisa? Achava que não. Era tarde demais.
Aliado a isso, o que eu via do mundo não era animador: muitas notícias de atrocidades, de violência, de destruição do meio ambiente, de corrupção, de intolerância, atentados terroristas, guerras e complicadas crises migratórias na Europa. O ser humano está perdido! Queria sumir do mapa.
Aí eu saí pra correr – estranhamente sozinho – aquela Golden Run, naquele domingo, naquele 12 de abril de 2015. Eu já tinha completado mais de 40 corridas e aquela meia maratona seria apenas mais uma. No dia seguinte, tudo seria exatamente igual, eu estaria eu novamente sentado numa cadeira de escritório, atrás de um laptop, enviando e respondendo emails e escrevendo relatórios. Não fosse o fato de eu ter caído sem vida no quilômetro 19 do elevado do Joá, no finalzinho da prova – eu já tinha até espiado os Dois Irmãos de longe, faltava muito pouco pra cruzar aquela linha de chegada. Mas ela não chegou.
Não me deixaram morrer. Não desistiram de mim. Não me abandonaram. Eu não estava nada sozinho
Cada pessoa, cada corredor que fez parte daquela corrida naquele dia veio me mostrar que a Humanidade é incrível de boa. E tudo foi orquestrado por um anjo corredor, o médico cardiologista Bruno Bussade, que vinha correndo logo atrás de mim, e a quem tenho a sensação de nunca conseguir agradecer o suficiente por tudo. Bruno é a verdadeira síntese de que é possível resolver os problemas quando eles parecem não ter solução.
O que aconteceu nos 16 minutos que eu estava tecnicamente morto eu não sei, não lembro de absolutamente nada
O que sei é que quando voltei à vida ainda no asfalto do elevado do Joá, reclamei dos meus dentes quebrados – caí correndo – mas ninguém parecia me ouvir. Fui cuidadosamente colocado numa prancha de madeira, me colocaram um colete cervical e depois numa ambulância.
As pessoas vibravam e comemoravam muito alguma coisa que eu não tinha ideia do que era. Depois eu soube que comemoravam a minha vida. Uma morte que foi evitada. Somente no hospital eu tomei conhecimento que tinha tido uma longa morte súbita, uma parada cardiorrespiratória de 16 minutos. Aquela intensa dor no esterno foi consequência das incansáveis massagens cardíacas feitas por anjos corredores, que bombearam sangue, de forma mecânica, para meu cérebro.
Para quem andava desacreditado da humanidade e não sabia o que fazer da vida, este foi um recado e tanto. Sem dramatizar, eu poderia estar morto. Ou vivo com sequelas. Mas eu fiquei com o mais incrível dos finais: vivo, absolutamente sem sequelas e agradecendo a cada nova respiração.
O que eu tive foi um verdadeiro acelerador de partículas. E de decisões. Eu não poderia mais me permitir estar fazendo alguma coisa que não me trouxesse alegria e felicidade
Exatos quinze dias depois daquele 12 de abril eu estava sentado numa mesa de escritório trabalhando normalmente. Se meu trabalho não estava mais me fazendo feliz, não era tempo de dúvidas, mas de certezas. E assim, eu comuniquei meu desligamento da empresa onde trabalhava sem saber o que fazer para ganhar dinheiro – todo mundo precisa de dinheiro para viver.
Já se passaram pouco mais de quatro meses que deixei meu antigo trabalho. Não tem um único dia que eu esteja sem ocupação. Vivo mais sereno, mas feliz e com muito mais tempo para os “pequenos” grandes prazeres da vida.
De repente, em outubro de 2015, sentei para escrever sobre o episódio da corrida, e em dois meses nasceu um livro para contar toda essa experiência, falar sobre os grandes e admiráveis personagens que eu conheci e sobre as incríveis coincidências. Para falar também sobre a busca da felicidade, sobre o comportamento humano e sobre a fragilidade da vida.
O medo que bloqueia tanto nossos comportamentos, não se fez presente em nenhum momento. A coragem que liberta é minha companheira diária.
Sigo correndo por aí, tenho dedicado parte do meu tempo para realizar trabalhos voluntários e pretendo dar palestras motivacionais, incentivando as pessoas a encontrarem seus próprios quilômetros 19: sim, cada um tem o seu próprio!
Agora, toda vez que passo pelo elevado do Joá, naquela curva do quilômetro 19, sinto algo diferente. E agradeço mais uma vez.
Cristiano Goldenberg, 41, é carioca, administrador e escreveu o livro “Km 19, Onde Caí e Levantei para Recomeçar” (à venda online e nas livrarias). Sem nenhuma sequela dos 16 minutos em que ficou tecnicamente morto, ele abandonou o emprego, assim como vem abandonando tudo o que não lhe faz bem.
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