Quando foi tema, pela primeira vez, de uma reportagem do Draft, em março do ano passado, o fundo de investimentos Yunus Negócios Sociais ainda não tinha investido em nenhuma empresa. Pode parecer estranho, mas não é. Além de fundo, o Yunus no Brasil é aceleradora e incubadora de negócios sociais (organizações que têm como finalidades causar impacto social e gerar receita para permitir a própria sustentabilidade) – e, até então, já havia acelerado e incubado mais de 20 empresas do tipo.
No entanto, na época, realizar aportes era, de fato, um dos principais objetivos a curto prazo do paulistano Rogério Oliveira, 41 anos, sócio do empreendimento junto com o Yunus Social Business, fundado pelo Nobel da Paz Muhammad Yunus e sediado na Alemanha. “Um dos nossos planos era finalmente estruturar o fundo, além de encontrar projetos com grande potencial de impacto social para receber os investimentos”, contou, desta vez, Rogério ao Draft.
Aconteceu. Recentemente, o Yunus Negócios Sociais investiu nos dois primeiros negócios: o Assobio, que replanta mata nativa, e o Moradigna, que regulariza documentos fundiários de imóveis e realiza reformas de baixo custo para famílias das classes C e D.
Esta foi só uma das mudanças no último um ano e meio – e o primeiro tópico do bate-papo que resultou nesta reportagem.
Desta vez, Rogério conversou com o Draft de Nova York. Ele estava na cidade para participar de reuniões com o próprio Muhammad Yunus e outros parceiros. “Em setembro, sempre rolam muitos encontros do setor por aqui porque tem a Assembleia Geral da ONU, além de alguns eventos da Clinton Global Initiative e outras reuniões paralelas”, diz. Quando perguntado se essa informação poderia ser inclusa na matéria, ele ficou na dúvida. “Só se não soar arrogante.” Não soa. Coisa boa é para se ter orgulho e não vergonha.
A preocupação em não ser um cara autocentrado acompanha Rogério desde a primeira entrevista. É perceptível o cuidado em manter os pés no chão:
“Para mim, é muito importante ter coerência em tudo o que faço. Para isso, mergulhei de cabeça no autoconhecimento nos últimos anos”
Uma das decisões que tomou recentemente foi que o Yunus Negócios Sociais deveria funcionar sem níveis hierárquicos nem relações de poder. “A ideia é que, num futuro próximo, não seja necessariamente eu a dar entrevistas em nome do empreendimento, por exemplo. Todos têm a mesma importância na equipe.”
Hoje, Rogério faz no Yunus no Brasil o que é chamado de gestão horizontal. Lá, cada colaborador é responsável por uma área (investimentos, workshops e produção de conteúdo audiovisual, por exemplo) e recebe de acordo com a rentabilidade dos projetos que coordena.
“Os próprios pares medem a contribuição uns dos outros mensalmente. A estratégia e as metas também são decididas em grupo”, conta. Além disso, todos têm a liberdade de participar de projetos que não sejam do empreendimento.
O modelo tem dado certo. Este ano, o fundo deve atingir o break-even operacional, ou seja, deve parar de depender de doações de terceiros. “É um ponto histórico, estamos muito felizes. Há um ano e meio, não tínhamos certeza se aconteceria tão cedo”, afirma.
O Yunus no Brasil desempenha outras atividades além das de fundo, aceleradora e incubadora. Uma delas é o Yunus Corporate Action Tank, um programa que ajuda grandes companhias a criar novos negócios ou joint-ventures (uniões de empresas) para solucionar problemas no país e no mundo. Dois dos clientes dessa área são o Bank of America e o grupo de energia e infraestrutura Cosan. Outra atividade é a Rede Yunus de Universidades, que incentiva a criação de negócios sociais dentro de universidades e incubadoras.
ACERTAR AS CONTAS PARA PODER ACELERAR OUTROS NEGÓCIOS
Há ainda as áreas de workshops, de cursos online e de produção de conteúdo audiovisual para grandes clientes. Além disso, há a Rede Nacional Yunus Negócios Sociais, que é composta por 13 representantes do fundo que têm como missão incentivar a criação de negócios sociais país adentro, principalmente fora do eixo Rio-São Paulo. Rogério fala dos planos:
“Queremos chegar ao ponto de perder o controle do número de negócios sociais que estão surgindo pelo Brasil. Afinal, somos metade empresa, metade movimento social”
Segundo ele, dois dos principais responsáveis por tirar o empreendimento do vermelho foram os cursos online e o programa para grandes empresas criarem negócios sociais. Outra fonte de renda, que pode parecer inusitada a princípio, tem sido o aluguel de quartos por temporada na casa que é sede do Yunus Negócios Sociais na Vila Madalena, em São Paulo. “Hospedamos empreendedores do país inteiro e, de quebra, conhecemos muita gente interessante”, conta Rogério.
NOS PLANOS, CRESCER SEM TER DE REMUNERAR ACIONISTAS
Assim que o Yunus no Brasil começar a dar lucro, todo o dinheiro deverá ser reinvestido para ampliar o impacto social do negócio. “Esse é um dos princípios das organizações sociais”, diz ele. Além disso, a empresa não deverá distribuir dividendos aos acionistas. Esse formato foi baseado no conceito de negócios sociais desenvolvido por Muhammad Yunus.
Rogério está confiante no futuro do empreendedorismo social e na própria carreira neste ramo. Ele reflete sobre os processos vividos neste último ano e meio:
“Somos treinados para ganhar a vida, conseguir emprego, alcançar graus acadêmicos. Despertei para a ideia de que a vida não é para ser ganha, é para ser vivida. O empreendedorismo social é o caminho que encontrei para colocar isso em prática”
E há muito por fazer. Para os próximos anos, Rogério pretende estender o número de representantes da Rede Nacional Yunus Negócios Sociais para 26, um para cada estado do país. Além disso, ele prevê que, até 2017, saiam do papel pelo menos dois negócios sociais criados junto a grandes companhias instaladas no país. “Queremos fazer o papel de capital semente desta indústria que está em formação e que pode virar, quem sabe, um dos setores tradicionais do futuro”, conta.
Outro plano é estreitar as relações com a Singularity University, criada pela NASA e pelo Google no Vale do Silício, nos Estados Unidos, e parceira do Yunus no Brasil. “Os empreendedores sociais que estamos procurando podem estar nessa universidade”, diz ele. O fundo, inclusive, acelera um dos negócios criados na Singularity, o Aipoly, um aplicativo destinado a pessoas com deficiência visual que descreve em áudios o que há em fotos. Um ano se passou, muita coisa aconteceu — e muito mais está por vir. Que bom que tem gente como Rogério para fazer isso acontecer.
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