Quem digita “FailCon” no buscador do YouTube tem como primeiro resultado uma palestra do CEO do aplicativo de transporte privado Uber, Travis Kalanick, de novembro de 2011. Travis – que ainda não era mundialmente conhecido nem bilionário – diz que a própria trajetória como empreendedor nos dez anos que antecederam o lançamento do Uber pode ser considerada um estudo de caso de fracasso.
Ele conta que, na época em que estava à frente das empresas de compartilhamento de arquivos peer-to-peer Scour.net e Red Swoosh, das quais era fundador, foi processado por diversas empresas de mídia e pelo seu próprio investidor em potencial, ficou completamente sem dinheiro e teve problemas com a agência americana que faz a coleta de impostos, entre outras adversidades.
No entanto, em 2007, a empresa de internet Akamai comprou a Red Swoosh por 23 milhões de dólares – e, hoje, o Uber tem valor de mercado superior a 60 bilhões de dólares (mais do que a multinacional do setor automotivo General Motors ou o conglomerado de mídia Time Warner, a termos de comparação).
A ARTE DE APRENDER COM OS FRACASSOS
Histórias como a de Travis mostram que, muitas vezes, é possível aprender mais com os fracassos que com os sucessos dos empreendedores bem-sucedidos. É justamente essa a premissa da FailCon, conferência em que ele contou essa história e que foi criada em 2009 em São Francisco, nos Estados Unidos, para ajudar os fundadores de startups a ultrapassar as pedras no meio do caminho (e encará-las como parte importante do trajeto).
Atualmente, o evento acontece uma vez por ano em algumas cidades do mundo – e Porto Alegre foi uma das primeiras cidades a entrar na franquia. A história da FailCon no Brasil é no mínimo curiosa. Começou lá em 2011, quando os gaúchos Flávio Steffens, 36, e Rafael Chanin, 36, amigos formados pela PUCRS, assistiram à transmissão por streaming do encontro de empreendedorismo Lean Startup Week.
Dentre as palestras que acompanharam, ficaram impressionados com a de um empreendedor do setor de tecnologia que elencou tudo o que fez de errado até chegar ao sucesso chamou muito a atenção de Flávio:
“Nunca tinha ouvido ninguém falar com tanta honestidade sobre os próprios erros. Tanto a minha empresa quanto a do Rafael tinham quase falido, me identifiquei”
Flávio, em seguida, elogiou a palestra no Twitter, aí alguém replicou sugerindo que ele fosse à FailCon. Ele e Rafael foram e se encantaram com um evento que reunia tanta gente, com tanta tranquilidade, bom humor e às vezes sarcasmo, para falar de seus erros — sempre transformando isso em aprendizado, lições para os próximos negócios que fossem empreender.
“Achamos aquilo o máximo e decidimos que íamos dar um jeito de levar esse conceito e formato de conferência para o Brasil”, conta. O próximo passo foi convencer as fundadoras, as americanas Cassandra Phillipps e Diane Loviglio. “Demorou seis meses. Quando começamos as negociações, nenhum país além dos Estados Unidos havia sediado o evento. Atrasou tanto que a França acabou fazendo uma edição antes de nós”, diz Flávio.
O lançamento, em Porto Alegre, aconteceu em maio de 2012 no Nós Coworking e teve patrocínio da companhia de tecnologia Microsoft. Os sócios investiram cerca de 10 000 reais – e o lucro foi de 200 reais para cada um. “Esse dia foi incrível. Criamos espaço para 100 pessoas e chegaram 120, nós nem acreditávamos”, conta Flávio. “Nós brincávamos que era um encontro para o pessoal se abraçar e chorar junto, mas todo mundo saiu de lá motivado, entendendo que errar faz parte do processo.”
NA CULTURA BRASILEIRA, QUEBRAR AINDA É TABU
No entanto, segundo Flávio, um grande desafio da primeira edição foi conseguir empreendedores para discursar. “Ninguém entendia direito a nossa proposta. Todo mundo estava acostumado com aquele tipo de evento em que o Abilio Diniz ou outro grande empresário ensina os dez passos para o sucesso, o que, cá entre nós, costuma ser duro de copiar”, diz. Outra dificuldade foi convencer esses palestrantes de que não há problema em demonstrar vulnerabilidade, em revelar os passos em falso que deram.
Flávio acredita que esse segundo percalço tem a ver com uma característica da cultura do mercado brasileiro. “Nos Estados Unidos, onde a FailCon nasceu, conseguir um investimento pode ser mais fácil para um empreendedor que já falhou num projeto anterior e soube dar a volta por cima do que para um que nunca errou. Para os investidores, essa pode ser uma garantia de que ele não vai repetir o próprio erro”, diz, e nota que as coisas não funcionam assim no Brasil:
“Não estamos habituados a olhar para o lado bom do fracasso. Então, é claro que temos medo de demonstrar imperfeição, de compartilhar as nossas falhas”
A missão da conferência é mudar essa cultura. Um dos convidados da primeira FailCon no Brasil foi o paulista Jonny Ken, criador do encurtador de URL Migre.me. Na ocasião, Jonny contou que, em 2011, um erro fez com que o site perdesse todos os dados. Aí está, o erro colocado em cima da mesa. O que fazer com ele? Entender seus motivos, aprender com ele, sair fortalecido. Jonny em seguida mostrou como resolveu o problema. Hoje, ele é gerente de TI da companhia de comércio eletrônico B2W Digital e colunista do blog Academia UOL Host. O Migre.me acabou virando seu projeto paralelo. E tudo bem.
Depois da versão inaugural, os sócios seguiram organizando eventos anuais, sempre em Porto Alegre. O de 2013 e o de 2015 aconteceram no mesmo espaço, o Nós Coworking, reuniram mais ou menos a mesma quantidade de pessoas e não deram prejuízo. O de 2014 foi diferente, aconteceu dentro da Feira do Empreendedor Sebrae. “Foi muito legal, porque descobrimos que tínhamos um público mais abrangente do que os empreendedores do setor da tecnologia. Lá, falamos para agricultores, padeiros, mecânicos”, conta. Essa foi a edição da FailCon que mais gerou lucro, mas Flávio não revela valores.
TRANSFORMAR FRACASSOS EM APRENDIZADOS É UMA JORNADA DISCRETA
Neste ano, inspirados no evento de 2014, os sócios decidiram organizar mais encontros além da edição anual, voltados para públicos específicos. Até agora, já aconteceram dois em faculdades, um na PUCRS e outro na ESPM-Sul, e um na sede gaúcha da empresa de softwares de gestão SAP. Desses bate papos, só participaram Flávio e Rafael. “Por enquanto, fazemos esses micro eventos de graça, com o objetivo de prospectar clientes”, conta Flávio. “Quem sabe um dia não preparamos uma grande edição no auditório de alguma dessas faculdades.”
Um desafio atual para os sócios é conciliar a FailCon com seus outros trabalhos. Flávio também é fundador do site de crowdfunding Bicharia, especializado em projetos para ajudar animais carentes, e gerente de relacionamento do site de intermédio de doações Vakinha. Já Rafael é fundador do fundo de investimentos Singularities Capital e do Nós Coworking, além de professor de Programação na PUCRS.
Entre as ideias para o futuro do empreendimento está a de levar a conferência para São Paulo, transformá-la em algo bem maior. Mas eles ainda não estão certos de este é o momento ideal:
“Crescer é um plano que sempre nos deu um pouco de receio. Precisamos trabalhar melhor a marca antes de dar passos tão grandes”
Será que os próprios sócios da FailCon também têm medo do fracasso? “Claro que sim, todo mundo tem”, diz Flávio, e emenda: “Mas, se for para manter ativa essa comunidade que quer discutir fracasso e para assumir a posição de especialistas no assunto, vamos para São Paulo!”. Taí uma DR com futuro garantido.
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