Minha história como jornalista nasceu de uma consequência de fatores: eu precisava escolher uma profissão, gostava de escrever e precisava fazer um curso em uma universidade pública ou com possiblidade de bolsa de estudos. Tudo isso me levou ao jornalismo, não exatamente por ser apaixonada pela profissão. Depois, descobri que escrever é o que sei fazer de melhor e mais completo, e aí, sim, me apaixonei pela profissão. Com o tempo, porém, entendi que não gostaria de fazer parte de uma redação que limitasse minha possibilidade de expressão, principalmente ligadas as questões de raça e classe. Então, acabei por trabalhar com Comunicação Corporativa por muito tempo. Nesta fase cresci e aprendi muito como profissional, e em paralelo passei a integrar um blog da Folha de SP (Blog Mura) que me reconectou com o meu bairro e com um olhar jornalístico mais territorial.
Paralelamente, neste período quatro das jornalistas que atualmente integram o coletivo Nós, mulheres da periferia publicaram um artigo na seção “Tendências/Debates” do jornal Folha de S. Paulo, atentando para a invisibilidade e aos direitos não atendidos de uma parte das mulheres – as que moram em bairros periféricos de grandes metrópoles. O texto obteve grande repercussão, sendo replicado em outros veículos de mídia, mas sensibilizou principalmente as mulheres jovens ou não tão jovens moradoras da periferia de São Paulo, que se sentiram representadas, lembradas e retratadas naquela reportagem.
Para escrever a reportagem as jornalistas tinham se baseado principalmente em suas vivências, visões e experiências cotidianas, e perceberam, assim como eu, que o vazio de representatividade não era sentido apenas por nós. Com este sentimento em comum nos aproximamos, conhecemos outras profissionais alinhadas a este pensamento e iniciou-se um processo de pesquisa e consolidação do coletivo Nós, mulheres da periferia, lançado oficialmente em março de 2014.
Desde o princípio nosso objetivo tem sido dar visibilidade aos direitos não atendidos das mulheres, discutir os preconceitos e estereótipos limitadores que se cruzam com as questões de classe social e raça e dar espaço para suas histórias. Ou seja, queremos reduzir o vazio existente na imprensa e a falta de representatividade dessas mulheres, buscando mais protagonismo e visibilidade, com a nossa própria voz.
Atualmente as integrantes – seis jornalistas e uma designer, todas moradoras de bairros da periferia do município de São Paulo -, ainda estão vinculadas a outras atividades, mas nossa expectativa é tornar o coletivo autossustentável.
Tem sido um grande desafio já que para empreender para a periferia é preciso obter resultados rápidos para a sobrevivência, não há espaço para o risco, as contas precisam ser pagas, famílias sustentadas. Então, o período que seria dedicado ao nosso lazer e descanso, dedicamos ao trabalho do coletivo. Mas com o tempo, desenvolvemos redes que nos estimulam e que também fortalecem a sobrevivência do nosso projeto.
É como disse a escritora Maria Carolina de Jesus: “Uma palavra escrita não pode nunca ser apagada. Por mais que o desenho tenha sido feito a lápis e que seja de boa qualidade a borracha, o papel vai sempre guardar o relevo das letras escritas. Não, senhor, ninguém pode apagar as palavras que eu escrevi”.
Trabalhamos para transformar através da comunicação. Queremos mudar o conceito do que é ser bem-sucedida neste país e a ideia de que apenas histórias com um desfecho x ou y merecem ser contadas. Quando convidamos uma mulher para ser entrevistada e ela nos pergunta “por que queremos ouvi-la” já significa muito para nós, esse rompimento com a insignificância, assim como nos agrada quando dizem “conto sim, temos que falar mais da nossa história”. Vivemos um mundo onde mulheres negras e moradoras das periferias só são ouvidas quando superam “limites” ditos como impossíveis, entrando na ideia repetida de superação, ou quando estão em uma situação de violência. Surpreende-se quando uma de nós ganha uma medalha olímpica, mas não deve e nem precisava ser assim. Nossas histórias precisam ser contadas com um olhar de cotidiano não tão violento, precisamos desmistificar histórias de superação e recontar o que o sucesso significa, o que empreender significa, o que a nossa presença neste país até hoje, construído por mãos de pessoas escravizadas, significa. Por isso, nosso objetivo é ouvir cada vez mais e ter, cada vez mais, potência de disseminar boas histórias. E, com isso, queremos transformar a imagem negativa da periferia, assim como a imagem estereotipada criada para mulheres negras e pobres.
Além do site, que é nossa razão de existir, em 2015 também entregamos uma exposição multimídia que trazia a narrativa das mulheres da periferia e suas perspectivas de mundo em forma de arte. Para este ano, estamos trabalhando na finalização de um documentário. Então, em dois anos, atuamos em diferentes frentes da comunicação e de diferentes formas: do digital ao físico. Essa é nossa forma de transformar um pouquinho do mundo.
Por Semayat Oliveira
Esta matéria pode ser encontrada no Itaú Mulher Empreendedora, uma plataforma feita para mulheres que acreditam nos seus sonhos. Não deixe de conferir (e se inspirar)!
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