Quase todos os materiais que nossas indústrias produzem são recicláveis. O problema, porém, é que boa parte dos processos é economicamente inviável e, portanto, muito pouco é reciclado. A TerraCycle é uma empresa que ataca este problema. Desenvolve novas tecnologias de reciclagem e articula parceria com as indústrias, para que elas paguem pela diferença na conta.
No Draft publicamos histórias de empreendimentos nacionais, mas a TerraCycle vale a exceção, pois apesar de ser baseada em Trenton, nos EUA, escolheu o Brasil como primeiro país a receber uma filial, em 2009. A história vale especialmente como exemplo de um negócio social (um empreendimento que gera a própria sustentação financeira e tem como missão primordial algum benefício social ou ambiental) que alcançou uma escala global, com efeitos locais poderosos. Aqui no Brasil, tem parceria com Colgate, Avon, 3M, Faber-Castell e L’Occitane.
A empresa surgiu em 2001 e hoje está em mais de 20 países. A principal missão da TerraCycle é executar o que chamam de “Programas Nacionais de Reciclagem”: os esforços logísticos que recolhem embalagens vazias de produtos das empresas contratantes — e dos concorrentes também.
Funciona assim: qualquer cidadão pode se cadastrar nos Programas Nacionais e começar uma “Brigada”, que é um ponto de coleta para recolher embalagens. Ao atingir determinado volume, o brigadista imprime uma etiqueta dos Correios e envia uma caixa de resíduos para a TerraCycle, que não só paga pelo envio como destina uma pequena quantia em dinheiro para organizações do terceiro setor (escolhidas pelos usuários ou pelas empresas parceiras). Mais de 50% das Brigadas brasileiras estão em escolas públicas.
A receita, porém, vem do valor pago pelas empresas produtoras desse tipo de embalagem, que contratam a Terracycle para realizar a logística de coleta e o desenvolvimento da tecnologia necessária para a reciclagem de suas embalagens. A empresa tem por política não divulgar o valor dos contratos. Seu faturamento global, ano passado, foi de 20 milhões de dólares.
A empresa é uma criação de Tom Szaky, que começou transformando o lixo orgânico das cafeterias da universidade de Princeton em adubo. Tom tinha 19 anos e não concluiu seu curso de Psicologia e Economia. A TerraCycle tomou seu tempo, cresceu rápido e logo passou a vender o produto em grandes cadeias varejistas dos EUA, como o Wallmart.
Durante o desenvolvimento da empresa Tom entendeu que lixo não existe, que tudo o que descartamos pode ser transformado em matéria-prima para outros processos. Assim, reformulou a companhia para a pesquisa de novas técnicas de reciclagem.
LIXO NÃO EXISTE. TUDO É MATÉRIA-PRIMA
Essa mudança começou em 2007 e, de lá para cá, a TerraCycle desenvolveu métodos para reciclar resíduos como bitucas de cigarro, pacotes de salgadinho, fraldas usadas e goma de mascar – essa última obra do braço brasileiro da empresa, com muito orgulho. Conversamos com Renata Ross, gerente de relacionamento da TerraCycle Brasil. Ela conta que os 98% de reciclagem da latinha de alumínio só são possíveis porque a indústria consegue produzir uma matéria-prima competitiva com o preço da matéria-prima virgem, que é o alumínio recém extraído da natureza. E daí extrai uma realidade atual:
“O que diferencia um reciclável de um não-reciclável são os aspectos econômicos”
Mas, será que é uma boa ideia deixar apenas as regras de mercado regularem o que é ou não reciclado? Para começar, é necessário investimento em pesquisa até encontrar a técnica adequada à reciclagem de qualquer material. As embalagens longa vida da TetraPak, por exemplo, só são recicláveis porque a empresa investiu por conta própria no desenvolvimento desta tecnologia. Após essa etapa custosa, é necessário estabelecer processos logísticos de alcance nacional para recolher e processar as embalagens vazias.
É um problemão que, avalia Renata, necessita uma política pública mais assertiva. Em 2010 o Brasil aprovou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispositivo que a gestora da TerraCycle considera satisfatório no que tange à inclusão de cooperativas e agentes da reciclagem, mas que não oferece qualquer incentivo para o desenvolvimento de novas técnicas de reciclagem. A seu ver, isso é uma questão de política pública:
“O problema das embalagens difíceis de serem recicladas já está claro desde a indústria. Por que permitimos a criação deste tipo de resíduo? As empresas deveriam ser reguladas já na produção”
Seu sonho como consumidora e cidadã é que a TerraCycle contribua para um mundo onde esse trabalho não seja mais necessário. “Se as empresas dessem um passo atrás e repensassem seus produtos, eles já chegariam recicláveis ao mercado”, afirma.
QUE TAL O DESAFIO DE EDUCAR UMA INDÚSTRIA RELUTANTE?
Mas, ao contrário, a maior parte das empresas resiste. Um exemplo são as bitucas de cigarro, um resíduo altamente tóxico e que foi convencionado como descartável em qualquer lugar. “A bituca é um exemplo importante. Já temos a tecnologia, mas quando bato na porta dos fabricantes vejo que eles ainda não entenderam que seu resíduo é um problema”, diz Renata.
A 3M, produtora da esponja Scotch-Brite, agiu diferente e resolveu executar um Programa Nacional de Reciclagem para esponjas. Primeiro, a TerraCycle desenvolveu a tecnologia necessária para transformar o produto em pellets (ou grãos plásticos), que são matéria-prima para a fabricação de plásticos.
O processo é o seguinte: as esponjas são primeiro picotadas e depois micronizadas, um processo abrasivo que desmancha a esponja até se parecer com uma areia. Passa, então, pela extrusão, que é a fusão do material. Tudo é derretido e vira uma matéria uniforme, moldada em formato similar ao do espaguete. Esse material é cortado em pequenas esferas plásticas, os pellets, utilizado na composição de ligas sintéticas.
Hoje, estão ativos os Programas Nacionais de Reciclagem de maquiagem e esmalte, perfumes e fragrâncias e cremes e loções, da Avon; esponjas, da Scotch-Brite (3M); instrumentos de escrita, da Faber-Castell; saúde bucal, da Colgate; embalagens de protetor solar — este, ao contrário dos já citados, em que a empresa paga pelo programa, é bancado pela própria TerraCycle— e embalagens do Grupo L´Occitane (o único que não possui brigadas e está restrito às lojas da marca). Uma lista no site traz detalhes de cada iniciativa.
O site também conta como se dá o efeito local, transformador, em lugares tão distantes como uma aldeia indígena na Amazônia. Na Comunidade Indígena Três Unidos, a brigada está integrada a um dos programas da Fundação Amazônia Sustentável para, como lá está dito, conscientizar a população ribeirinha sobre o descarte consciente dos resíduos dentro das comunidades.
Com sede na capital paulista, a equipe brasileira da TerraCycle tem quatro pessoas: Mônica Pirrongelli é responsável por novos negócios e comunicação, Renata Ross é gerente de relacionamento e marketing. Mariane Marcheti é responsável pelas operações, o coração da empresa, e responde tanto pelo processo logístico das Brigadas quanto pelo desenvolvimento de novas tecnologias. Mariane é formada em gestão ambiental. Carolina Martins, que estuda Relações Públicas, é responsável pelo contato direto com jornalistas e com as redes sociais, ela é o front da comunicação.
Em seus quinze anos de existência, a TerraCycle declara ter coletado 3,7 bilhões unidades residuais, entre embalagens e produtos, pré e pós-consumo, sendo 30 milhões destas no Brasil. Destinou mais de 15 milhões de dólares à caridade e desenvolveu dezenas de novas técnicas para reciclar os não recicláveis, tudo isso enquanto encampa a disputa para eliminar a ideia de lixo. O futuro de seu trabalho depende do amadurecimento da cultura da reciclagem e de sua capacidade de dialogar com industriais e gestores públicos do país. A batalha é morro acima.
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