por Mathieu Le Roux
Alguns meses atrás eu participava da minha primeira Rubyconf em São Paulo, um evento para desenvolvedores Ruby, quando me deparei com uma palestra dada por uma menina de 13 anos, com tiara de gatinho, cativando um público essencialmente composto de programadores homens (com o dobro de sua idade). Emmanuelle Richard estava falando de como integrar Rails e Angular — e muita gente estava tomando notas.
Ela ficou famosa na comunidade ao desenvolver seu primeiro aplicativo com 12 anos e começar a blogar para contar sua história de aprendizagem. Fica difícil imaginar um outro ramo científico ou técnico que daria espaço nas conferências para uma menina com tiara de gatinho… Obviamente, nesta idade, ela ainda não tem nenhum diploma ou certificado oficial, e ninguém sabe o que ela fará no futuro. Provavelmente, irá para uma Universidade… ou talvez não. Mas dá para imaginá-la prestando pouca atenção nas aulas enquanto pensa em seus projetos pessoais. Dá para imaginar também que chegue o dia em que ela decida abandonar de vez os estudos para se lançar numa aventura empreendedora, na qual aprenderia mais do que pode imaginar. Fazendo. Bom, essa ficção minha é pura invenção mas é, sinceramente, o melhor que desejo para ela.
Não que eu realmente precisasse assistir a esta cena para me cair a ficha de que nosso modelo de educação está sendo reinventado, mas ela me ajudou a formalizar o quanto nosso modo de reconhecimento do saber está mudando.
O mundo vai valorizar cada vez menos diplomas e certificados e cada vez mais o que você, de fato, tem criado com o conhecimento adquirido, ou seja: seu portfolio
A adoção da internet pode ser comparada à invenção da imprensa. Com ela, Gutenberg nos ajudou a ter livros mais baratos e a construir mais bibliotecas que, na maioria das vezes, geraram Universidades ao redor delas. Tente imaginar o que a internet vai fazer para o nosso sistema educativo!
A obsolescência do diploma já é a norma no universo da programação. Bem antes de Emmanuelle, várias lendas de “crianças prodígio” ganharam fama. Aaron Swartz, o futuro fundador do reddit tinha sido convidado para palestrar numa conferência para falar de seus trabalhos e deixou todos surpresos quando, ao chegar, perceberam que tratava-se de um garoto de apenas 12 anos!
Hoje, sabemos que o que acontece no universo da tecnologia geralmente anuncia as mudanças por vir no resto da sociedade. Principalmente por duas razões. Primeiro, porque é um ramo relativamente recente em comparação aos outros campos científicos (pense na Astronomia em 1600) onde muita novidade aparece sem medo de quebrar antigas hipóteses dadas como certas. Segundo, porque por definição a tecnologia é o campo científico que adota antes as novas ferramentas da Comunicação e do Design. São essas mesmas ferramentas que estão provocando a mudança radical que vivemos desde os anos 1990.
Se não é absurdo imaginar que o que acontece no ramo da programação antecipa o que chegará a outros ramos, pense no seguinte:
Em ciências de computação, ninguém dá valor a diploma ou qualquer pedaço de papel. Pior, o pessoal menospreza a ideia de que você precisaria disso para provar o que sabe
Dois terços dos programadores nos Estados Unidos são autodidatas. No Brasil, imagino que este índice seja maior ainda. Claro que ninguém vai te culpar por ter vindo de uma escola prestigiosa, mas ninguém vai prestar muita atenção em você até você mostrar o que criou, inventou e compartilhou (melhor ainda se for open source).
Aqui, abro parênteses para falar de mim. Sou um francês morando no Brasil. Me formei numa escola de negócios mas, insatisfeito, acabei montando um projeto de volta ao mundo. Era, na verdade, uma desculpa para eu encontrar grandes empreendedores que admirava, como Muhammad Yunus. Essa aventura se transformou no livro 80 Homens para Mudar o Mundo, já traduzido em nove idiomas. Depois de alguns anos como investidor em capital de risco — durante os quais lancei o serviço de streaming de música Deezer na América Latina —, criei a Le Wagon, o primeiro Bootcamp de programação do Brasil. Lá, ensinamos código em nove semanas. E, como você pode imaginar, não entregamos diploma.
Então, voltando à questão central deste artigo, e de acordo com o que vejo trabalhando com desenvolvedores o dia inteiro, minha convicção profunda é que o portfolio dá de goleada em diploma
Um diploma comprova sua inteligência, um portfolio sua imaginação. O modelo clássico de educação treina alunos a encontrar soluções de problemas que já foram resolvidos. O professor só desenha exames que ele consiga corrigir. E os corrige medindo a distância das respostas em relação a uma única norma de excelência. O melhor aluno é quem melhor replica (raramente inventa) uma maneira de resolver o problema em questão. Isso sempre me deixou perplexo. Tantos neurônios e energia sendo usados para encontrar coisas que já conhecíamos! Isso torna-se vira ainda mais absurdo quando usar a internet ou uma calculadora é considerado trapacear.
O jeito que ensinamos a maioria das matérias na escola tradicional soaria ridículo para qualquer programador
“Por favor, aprenda essa nova linguagem de programação. Você terá que decorar a documentação inteira e não pode acessar Stackoverflow ou Github (comunidades online onde programadores tiram dúvidas)…”
Na escola convencional, testamos nos alunos a capacidade de lembrar uma informação que está, e estará, a um clique do Google para o resto da vida deles. Para que serve isso? Sério. Deveríamos avaliar a criatividade. No futuro que nos aguarda tenho certeza que precisaremos muito mais de pessoas com imaginação do que de versões humanas de Wikipedia.
Verificar na internet antes de atacar qualquer problema deveria ser obrigatório. Ninguém nunca achou uma solução? Então publique a sua! Alguém já resolveu? Passe para um problema novo. Obviamente que uma nova pedagogia, nessa linha, exigiria que se desenhassem problemas de uma forma diferente (e professores com imaginação). Mas a quem se formasse nesse modelo eu confiaria meu futuro.
As escolas deveriam incentivar os alunos a construir seus próprios portfolios, e não simplesmente prepará-los para passar nos exames
Mas como garantir que eles vão aprender? Este é meu próximo ponto. O diploma é um reconhecimento de que você conseguiu passar em exames elaborados por no máximo uma dezena de professores. É radicalmente diferente de um portfolio, em que não há limite de quantas pessoas acabarão julgando o seu trabalho.
Para seu portfolio, o número de pessoas usando o software que você programou, assistindo à animação que você criou, ou lendo o blog que você escreveu torna-se o novo padrão de sucesso. Seguidores, curtidas e visualizações são o verdadeiro reconhecimento. E essas multidões são, também, mais espertas. Elas vão rastrear qualquer bug, erro, incoerência ou informação falsa bem mais rápido e impiedosamente do que o melhor dos seus professores faria. Vale lembrar que foi comprovado que a Wikipedia tinha menos erros do que a Encyclopedia Britannica. Multidões são sábias.
Neste mundo aberto, onde você apresenta seu trabalho de bom grado, você terá de aprender a lidar com a crítica e os trolls, é claro. Mas não será muito diferente da maneira que você aguentou aquele professor de biologia te detestava na sétima serie.
Um diploma revela a sua conformidade. Um portfolio, seu lado único.
Nosso modelo de educação é fordista, alunos são tratados em função de seu ano de fabricação e os mesmos conteúdos são empurrados a todos, na mesma ordem, sem distinção. O resultado disso é que escola lentamente apaga nosso lado criativo.
Agora, se você já se interessou por artigos sobre Inteligência Artificial, deve ter entendido que ser bom em tarefas repetitivas não é o tipo de habilidades que você deseja para seus filhos.
Os únicos empregos que nunca serão preenchidos por máquinas são os que revelam a singularidade humana: nossa criatividade, nossa empatia com os outros
E, claro, nossa habilidade de fazer aquela pergunta que ninguém tinha formulado antes. A Inteligência Artificial pode estar chegando, mas a Imaginação Artificial ainda vai demorar muito.
As ciências cognitivas têm provado o que sempre me pareceu óbvio: aprendemos brincando, aprender tem que ser um jogo. Ficamos muito mais animados quando criamos coisas do que quando respondemos formulários ou escrevemos textos que precisam se conformar a um padrão estreito.
A outra grande vantagem de uma pedagogia baseada em portfolio é que ela nos força a botar a mão na massa. Claro que a teoria é necessária. É difícil imaginar construir um website complexo sem entender o sistema Model View Controller, por exemplo. Mas ensinar a alguém esse sistema sem dar à pessoa a perspectiva de realmente construir algo animador seria uma tortura.
Um dos erros mais comuns da “mentalidade do diploma” é colocar esforço demais na preparação e planificação. Você é formatado para estudar o ano inteiro para fazer um exame final de algumas horas — e o paradigma universitário é que estudar alguns anos com seriedade vai te servir para a carreira toda… Desta forma, você começa a acreditar que para realizar grandes coisas tem que aprender a desenhar sistemas complexos antes de qualquer prática.
Isso explica por que se vê estudantes de administração de empresas focando demais no Business Plan e esquecendo-se que nada valerá tanto para entender o mercado, o cliente, o negócio, quanto realizar uma primeira venda. Em comparação, a “mentalidade portfolio” te ensina a começar com pequenos passos e a resolver problemas na medida em que aparecem. Na verdade, esta é a única maneira pela qual todos os sistemas complexos nasceram.
Quando sua educação te incentiva a construir projetos, a primeira lição aprendida é: sua capacidade a colaborar é o seu melhor recurso. Os melhores times sempre superam os melhores indivíduos. Talvez fique mais difícil para o professor comparar um projeto ao outro, mas quem se importa? Não estou dizendo que não deveria existir nenhum feedback, especialmente negativo, se preciso. Mas todo mundo que já trabalhou em equipe sabe que os membros do time são os mais exigentes professores.
Deveríamos fechar as universidades? Claro que não! Principalmente porque a maioria delas já oferece oportunidades fantásticas de criar um portfolio
Se esforçar para entrar na melhor universidade possível continua valendo. Quando estudei administração, aprendi também a editar vídeos, usar Photoshop, editar livros e falar em público (tudo fora da classe, óbvio) além de lidar com trabalho em equipe para organizar festas alcoolizadas com 2 000 pessoas todo mês (onde os próprios alunos servem bebida e fazem faxina). Enfim, fiz muita coisa, matei muita aula. Digo isso tudo para defender que precisamos mudar a mentalidade ao redor do diploma. Ele é valorizado demais, mesmo décadas depois da graduação, como se fosse uma garantia vitalícia de sucesso.
Nós vivemos atualmente num mundo aberto, onde qualquer um pode publicar qualquer coisa. Então, para quem cria algo que valha a pena, nunca foi tão fácil virar notícia. Use as plataformas existentes! Crie um blog se quiser ser jornalista, poste no Instagram, Vimeo ou dribbble se você sonhar em virar artista, coloque sua música no Soundcloud, compartilhe seu código no Github, faça vídeos no YouTube se quiser ensinar, inscreva seu negócio no angel.co se quiser levantar fundos para sua startup… Nenhuma dessas plataformas garantem sucesso — certificados também não. A única diferença é que elas vão te deixar tentar, não importa quem você é (ou qual foi sua nota de matemática no colégio).
Então preste atenção nas aulas, grude nos melhores professores, mas comece a criar alguma coisa que te anime — e mostre-a para o mundo!
Mathieu Le Roux, 39, é administrador de empresas, autor do livro 80 Homens para Mudar o Mundo e fundador do Bootcamp de programação Le Wagon.
Movida pelo lema “siga sua paixão”, Letícia Schwartz foi viver nos EUA e fez sucesso com livros sobre gastronomia. Até que se apaixonou pela educação e fundou uma consultoria que ajuda alunos a ingressar em faculdades americanas.
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A falência do pai marcou a infância e mudou a vida de Edu Paraske. Ele conta os perrengues que superou até decolar na carreira – e por que largou a estabilidade corporativa para empreender uma consultoria e uma startup de educação.