“Nós, mulheres, desde pequenas somos muito incentivadas a ser perfeitas, em tudo. E a gente busca isso, a gente se exige isso o tempo todo”, diz Ana Carolina Bavon, 38, advogada e fundadora da Feminaria, uma associação que oferece consultoria, networking e espaço para trabalhar a mulheres empreendedoras. Mas por que as mulheres precisariam de um modelo de consultoria pensado somente para elas? “Porque quando uma mulher tem uma ideia de negócio mas não tem as ferramentas para seguir, ela se paralisa, acaba ficando presa naquela obrigação de ser perfeita. Esse é um impeditivo gigantesco, não só no empreendedorismo, mas no ambiente corporativo”.
Formada em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos, em 2003 fez um curso de extensão em São Paulo e começou a estagiar. Quando estava prestes a fazer 30 anos, em 2008, foi morar na Irlanda para estudar inglês para negócios e começou a entender o que era compartilhamento. Foi aí que pensou “quero fazer um dia isso na minha vida”, mas a vontade ficou guardada. Na volta, montou um pequeno escritório na Baixada Santista para atender parceiros maiores e auxiliá-los em negociações de acordo e audiências. Ana, então, foi convidada a coordenar esta mesma área em um grande escritório de São Paulo.
A iniciativa de Ana com a Feminaria surgiu durante um burnout, vivido depois de cinco anos trabalhando na capital paulista. Na época, ela coordenava a equipe de outsourcing e administração estratégica de passivo em um grande escritório de advocacia. Ela conta que quando o resultado de um projeto do trabalho começou a conflitar com o seu ideal de atuação social, percebeu que teria de fazer uma transição de carreira. Que era hora de buscar algo que abarcasse seus sonhos:
“O trabalho já não estava fazendo sentido para mim, então comecei a pensar no meu Plano B e a me preparar a transição”
Este plano incluía “trabalhar solo, com mulheres, levando a expertise da consultoria jurídica para o negócio delas”, mas ela não sabia exatamente como fazer isso. A Feminaria começou bem devagar, de forma quase experimental, com um grupo privado no Facebook. Em abril de 2015, Ana conectou amigas e conhecidas para que, juntas, sanassem algumas dúvidas recorrentes a novas empreendedoras (por exemplo, sobre MEI, formalização, contratos, permutas). Elas chamavam outras mulheres interessadas e todas trocavam informações, sempre com a mediação de Ana. “Era um movimento de compartilhamento de conhecimento mesmo. E foi aumentando”, conta ela, que percebeu que não conseguiria fazer tudo sozinha, mas poderia montar uma estratégia para que todas conseguissem se ajudar. Ela afirma que as dúvidas levantadas no grupo eram muito simples, e que, por isso, percebeu que não faria sentido apostar em uma consultoria cara. “Essa experiência funcionou como estudo de campo”, diz.
Em uma semana, o grupo agregou 2 000 mulheres de todo o Brasil – uma demanda que a surpreendeu e trouxe a certeza de que ela estava no caminho certo. Em poucos meses, aconteceu o primeiro evento físico, uma rodada de negócios. Em um espaço cedido, na Zona Oeste de São Paulo, dez empreendedoras contaram a própria história para uma sala lotada de ouvintes e que pedia por mais uma edição. Ana, então, partiu para o seguinte passo, que era estruturar um espaço físico para o movimento que estava criando. A ideia sempre foi criar algo multidisciplinar, em que todas as mulheres pudessem receber informação sobre tudo o que precisassem:
“Minha vontade era ter um espaço multiprofissional que atendesse as mulheres a um custo baixo”
Ela vinha guardando dinheiro para a sua transição profissional e isso a permitiu investir 63 mil reais neste início do Feminaria. O valor se refere, quase totalmente, ao seguro e ao título de capitalização de garantia do imóvel comercial que funciona como sede da Feminaria. O espaço foi inaugurado em setembro de 2016. A casa alugada na Vila Mariana, zona sul da São Paulo, e é o local onde ocorrem as reuniões de consultoria e workshops, além de ser também um coworking. Nos 90 metros quadrados também acontecem happy hours (batizados de Cheers!) e encontros para falar de assuntos como precificação de serviços, educação financeira ou autoestima.
As associadas são, essencialmente, artesãs, profissionais liberais, mulheres que trabalham com tecnologia, professoras, educadoras, profissionais de estamparia, psicólogas etc. Elas fazem parte dessa “confraria” que impulsiona o negócio. No momento, o grupo no Facebook tem 12 000 integrantes e a Feminaria criou rede de 26 consultoras dedicadas a assegurar que todas tenham total segurança e respaldo na hora de abrir um negócio.
COMO UMA CONFRARIA SE TORNA UM NEGÓCIO
Hoje, em formato de associação, a Feminaria se sustenta financeiramente cobrando três tipos de tarifas de suas associadas. Todas dão direito a duas consultorias por mês, além de vantagens que variam de acordo com a contribuição. Quem contribui com 65 reais mensais entra no grupo das “superenvolvidas”: pode usar o espaço de coworking por 4 horas diárias, participa de todos os eventos gratuitamente e tem desconto nos workshops de empresas parceiras. As “envolvidas” pagam 45 reais por mês têm os mesmos beneficios, mas usam o espaço por até 2 horas diárias. O modelo mais em conta custa 25 reais mensais e é o das “engajadas”, que fazem a consultoria por Skype (geralmente, são mulheres que vivem em outras cidades e não conseguem ir até a casa Feminaria). Hoje a Feminaria tem 58 associadas, e 15 delas vivem fora de São Paulo.
Nem todas as trocas, porém, são financeiras. Para viabilizar o valor da própria mensalidade, as consultoras ganham um crédito em horas e trocam o serviço com outras profissionais na casa. Uma consultora de finanças pode trocar horas de consultoria por um aconselhamento em marketing ou estilo, por exemplo. Também podem usar o espaço para seu trabalho.
As “apoiadoras” formam um terceiro grupo: são mulheres que já têm uma marca ou serviço e oferecem a todas associadas um desconto. Em troca, podem fazer a divulgação no espaço e ganham publicidade na rede Feminaria. Ana conta que precificação e gestão financeira costumam ser os dois pontos mais complicados para as mulheres que empreendem: “Quando estão muito envolvidas em criar algo, muitas vezes não conseguem ver o produto como um negócio. É muito difícil fazer essa separação. Nosso trabalho as ajuda nisso também”.
Ela prossegue, dizendo que o formato de Associação funciona para que as mulheres possam receber todas as informações que precisam em um único lugar, que não é tão caro como uma consultoria, e que muito desse apoio é para quem ainda não sabe como ou se quer empreender.
Ana se considera uma mulher assertiva e conta que, ao ter consciência disso, percebeu que precisava usar essa sua característica para ajudar outras mulheres a superar barreiras. Ela diz, no entanto, que as coisas nem sempre fluem “às mil maravilhas”. Essa postura já levou a constrangimentos e estranhamentos, por parte de mulheres, mas Ana prefere relevar e seguir adiante. Algo semelhante acontece quando uma questão central como o feminismo vem à tona:
“Sou feminista, mas não imponho esse discurso no Feminaria para não afastar ninguém. Nem todas as mulheres se reconhecem assim. De forma parecida, muitas desconhecem o que é o empreendedorismo, mesmo as que já empreendem há muito tempo em suas carreiras”
Com uma abordagem realista, capaz de fazer seu próprio negócio decolar, Ana então partiu da ideia de um conjunto de serviços que pudesse ser prestado a preços mínimos para mulheres. A ideia também é que elas conheçam gente, mudem de ambiente e conheçam uma estrutura diferente da que têm em casa, além de fazerem parte de algo importante para quem está começando.
NINGUÉM É PERFEITO, NEM PERFEITA
A seu ver, isso veio como uma necessidade de equiparar as condições para entrar no mercado empreendedor. “Desde cedo, os meninos são encorajados a se aventurar. Enquanto as mulheres são cobradas e acreditam que precisam atingir a perfeição, eles só precisam de coragem”, diz. Na visão de Ana, é essa falta de encorajamento que vai gerar problemas de assertividade e de autoconfiança. “Elas se aprofundam de maneira muito sólida no que querem fazer. Isso é muito bom – quando não vira o medo que faz com que elas não continuem.”
Segundo Ana, a principal diferença é comportamento feminino em relação ao que se espera é que enquanto os homens batem a cabeça e tentam uma e outra vez, as mulheres são desencorajadas a seguir tentando. “Os meninos não precisam ser perfeitos, eles precisam ser corajosos e destemidos”, diz ela, a mais velha de três irmãos, criada em uma família onde, diz, nenhum dos homens tinha privilégios ou regalias.
MÃO NO BOLSO E PLANOS PARA O FUTURO
A casa da Feminaria era financiada, no início, por meio dos eventos pagos ali realizados. Hoje, eles não são mais cobrados das associadas. A associação, é importante dizer, ainda não gera faturamento suficiente para se sustentar sozinha. Ana continua prestando consultorias particulares para antigos empregadores e reinveste 70% de seus ganhos na Feminaria. Como o projeto não recebeu aporte de investidores, ela fez tudo sozinha. Ou melhor, em família. “Eu e meu marido pintamos todas as paredes, fizemos todas as instalações, pusemos todos os móveis, então não gastamos nada com mão de obra. Hoje é ele que mantém sozinho as contas da nossa casa”, conta ela. O aluguel do espaço da Feminaria não é caro, 1 900 reais, e isso ajuda a viabilizar os preços baixos cobrados das associadas.
Para o futuro próximo, Ana pretende começar a oferecer também consultorias pelo site, e planeja realizar uma série de eventos itinerantes, nos quais uma representante ficaria responsável por organizar e ser a “embaixadora” da Feminaria em sua localidade, sempre que houver 10 ou mais associadas. Para isso, elas já procuram parcerias com coworkings de outras cidades que cedam o espaço para o evento.
A Feminaria também planeja atuar junto a empresas, fomentando apoio para que as mulheres ali empregadas se desenvolvam melhor na carreira, encontrando ferramentas e força para, por exemplo, aceitar cargos novos ou assumir novas funções com mais autoconfiança. A ideia é trabalhar a valorização da profissional que está dentro das empresas para que ela “lide com sua carreira e com o trabalho de uma forma saudável, seja reconhecida, não como uma dependência”, diz Ana.
Na estrutura atual da Feminaria, Ana diz que busca uma pessoa para ajudá-la na parte das finanças, e também para ajudá-la a criar uma estratégia para gerar mais ingressos na associação. Ela busca homens e mulheres, mas admite que gostaria de contratar mulheres. “Não é segregação. Nosso movimento é inclusivo, então tem que ser inclusivo na prática.” Ana exercita o que prega às associadas. “A gente tem que se unir, consumir umas das outras, fazer com que o trabalho umas das outras seja reconhecido”, diz, sobre a confraria, ops, Feminaria.
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