Uma viagem de 32 minutos com animais selvagens e paisagens deslumbrantes. Não, não é turismo. E ainda inclui uma volta ao passado, em milhões de anos. Ficção científica? Parece, mas é só uma experiência de realidade virtual criada por uma startup brasileira. Referência nacional na área, a VRMonkey tem um modelo de negócio que explora essas possibilidades, dentro e fora do país.
Os fundadores são Keila Kayatt, 29, e Pedro Kayatt, 30, um casal que se conheceu quando cursaram Engenharia de Computação na Escola Politécnica da USP. A parceria empresarial começou em 2013. Depois de trabalharem em empresas de tecnologia, os dois criaram uma companhia então chamada Naked Monkey, que foi aberta no Cietec (Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia), uma incubadora de empresas na USP.
A empresa começou com um bootstrap, ou seja, com recursos próprios dos fundadores, de cerca de 20 mil reais, e os dois desenvolviam games mobile. “Foi uma experiência ótima para errar e aprender. Mas, já naquela época, os games para celulares estavam saturados, então decidimos pivotar para algo que estava começando no mercado de tecnologia”, conta Keila. Ainda na fase de games, Vinícius Vecchi, matemático do Instituto de Matemática e Estatística da mesma universidade (IME-USP), foi integrado à sociedade.
PIVOTAR EM BUSCA DO OCEANO AZUL
Em 2015 a empresa mudou de nome e passou a se chamar VRMonkey, com “VR” de virtual reality (realidade virtual). Pedro diz que essa decisão foi tomada tanto pela “emoção” que sentiu ao usar pela primeira vez um headset (kit com óculos, fones e sensores de movimento, usado para entrar na realidade virtual) como pelo resultado de uma pesquisa de mercado.
“Realidade Virtual é uma tecnologia nova no mundo todo, que ainda está sendo criada e aprimorada. Por isso tomamos a decisão de pivotar nosso negócio. É um mercado com oceano azul”, afirma ele, e menciona como referências a Framestore e a Hammerhead VR, companhias de experiências em VR que “começaram naquela época e se mantém até hoje, com projetos em vários locais do mundo”.
Realizar a pivotagem de um negócio não é tarefa simples. Além de alterar seu produto ou serviço, a mudança quase sempre requererá um novo investimento. Para Keila e Pedro isso significou a abertura da sociedade. Em 2015, o então trio societário recebeu um investimento-anjo e dois novos sócios entraram na VR Monkey, André Chinchio e Ricardo di Lazzaro, proprietários de outra empresa do Cietec, a Genera (que atua na área de Saúde). Os valores investidos não foram revelados.
O plano dessa nova fase consistia, além de abandonar os games e trabalhar somente com VR, em adaptar o modelo de negócio de companhias de realidade virtual para o mercado brasileiro. Isso significou, por exemplo, não focar no consumidor final. “Ao contrário de empresas americanas, que já podem desenvolver algo direto para o consumidor, aqui no Brasil os dispositivos são caros e importados. Isso cria barreiras que não existem lá. Aí percebemos que o B2B poderia ser bem mais atraente”, diz Pedro. E dá como exemplo eventos de diversos temas que têm alguma atração de VR.
Para se ter ideia, headsets como o Oculus Rift e o HTC Vive custam entre 4.000 e 7.000 reais no país. Então, com esse limitador de consumo, uma forma de gerar receita mais imediata é a VRMonkey trabalhar com agências de vídeo ou mídia. É o que estão fazendo. Keila fala sobre essa estratégia:
“Temos uma equipe multidisciplinar e a realidade virtual se encaixa em quase em todas as áreas do conhecimento, então para nós este é um terreno fértil de negócios”
Ela conta que um dos trabalhos da startup foi para a farmacêutica Bristol-Myers Squibb. Era uma experiência de realidade virtual dentro do corpo humano mostrando como um fármaco agia para combater o câncer. “Também já trabalhamos em hospitais, sessões de treinamentos, simulador de concretagem, simulador de direção de paramotor, entre outros”, diz Keila, sobre as demandas não-autorais.
CRIANDO DINOSSAUROS, CRIANDO CATEGORIAS
A outra estratégia de receita da empresa é o licenciamento de conteúdo para instituições, o que envolve a criação de “salas” especiais de realidade virtual. A experiência descrita no início deste texto é um exemplo desse filão. Em fevereiro deste ano, o Museu Catavento Cultural e Educacional, que fica no Centro de São Paulo, inaugurou a sala de realidade virtual Dinos do Brasil (os headsets oferecidos aos visitantes pelo museu). A VR Monkey desenvolveu toda a experiência, que consiste em um passeio pelo Brasil pré-histórico, no qual estão presentes 15 dinossauros que habitaram o país há 230 milhões de anos. O ingresso custa 6 reais por pessoa. Este licenciamento de conteúdo, por sua vez, rendeu 30 mil reais à startup.
O projeto foi desenvolvido com a tecnologia dos óculos de realidade virtual Oculus Rift. Além do custo dos headsets e do licenciamento de conteúdo, o projeto teve a consultoria científica do professor de paleontologia do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, Luiz Eduardo Anelli, enquanto a “reconstrução” dos dinossauros foi feita pelo paleoartista Rodolfo Nogueira. Keila afirma que o trabalho é feito em conjunto.
Keila conta que primeiro eles estudaram características físicas e como os dinossauros se locomoviam. Depois, foram criados modelos 3D. “Nossa animação foi feita em cima desses modelos. Cada animação era mostrada para os pesquisadores, que ajustavam os detalhes com suas opiniões. E os cenários foram construídos com fotos de pegadas fossilizadas de dinossauros e descrições da geologia. Foi engraçado que muitos cenários fizemos com grama, mas depois os pesquisadores esclareceram que não existia grama há 230 milhões de anos. Tiramos tudo”, diz.
A empreendedora descreve o tortuoso caminho percorrido para conseguir financiar o projeto — que é um dos grandes cases da VRMonkey até hoje. Intel e Ambev apoiaram o projeto por meio da Lei Rouanet, pela qual captaram cerca 600 mil reais. Outros 160 mil reais vieram do PIPE (Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas), uma iniciativa da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). “Apresentamos a ideia para uma consultoria especializada em Lei Rouanet e a avaliação foi que não era um projeto cultural, mas sim educacional, e que não se encaixaria na Lei. Mas insistimos”, diz.
A aprovação demorou cerca de um ano porque, segundo ela, era complicado encaixar a proposta nas categorias existentes — que não era exatamente “exposição”, nem “audiovisual”, nem “outros”. Ela conta: “O projeto ficava perdido entre as classificações, até que recebeu a denominação de ‘especial’. Só depois criaram uma categoria para encaixar trabalhos de realidade virtual, chamada ‘transmídia’”. Isso dá uma ideia das dificuldades.
A ESPERANÇA ESTÁ LÁ FORA
Mas, se o mercado B2C para realidade virtual ainda engatinha no Brasil, no exterior já existem lojas especializadas na venda online de experiências em VR para o consumidor final. É um espaço que a startup também começou a atuar.
A companhia já tem duas “experiências” (como são chamados os ambientes de realidade virtual) à venda nessas lojas. Uma é a “Arqueologia Virtual/7VRWonders”, à venda na Oculus Store por 15,99 reais, um projeto que traz as Sete Maravilhas do mundo antigo — e também recebeu apoio do PIPE para ser desenvolvido (185 mil reais).
A outra é a “The Rabbit Hole” (à venda na Oculus Store e também na Steam), vendido por 8,39 reais. Esta é uma experiência do tipo “escape the room” (jogo de aventura) misturado com a história de Alice no País das Maravilhas. O produto também é um dos xodós da VRMonkey, e foi indicado no início deste ano para concorrer a prêmios relevantes no setor, caso do Game Connection Development Awards e da International Mobile Gaming Awards.
Pedro conta que já recebeu mais de 2.000 dólares com o jogo, à venda desde o final de outubro. É pouco se comparado ao custo de se desenvolver algo do tipo, mas os prêmios (caso cheguem) e a popularidade do jogo podem significar uma receita recorrente daqui para a frente. É uma aposta da VRMonkey.
Entre apoios aos projetos, como dos recebidos pela Fapesp, retornos de venda de seus produtos e aportes, no ano passado a startup faturou 1,2 milhão de reais. A estrutura atual tem onze funcionários que cuidam de programação, design, pesquisas e produção. O escritório funciona dentro da USP, ainda na aceleradora universitária.
O FUTURO ESTÁ AQUI DENTRO
Keila e Pedro estão satisfeitos pela escolha do oceano azul. Mas contam que ele também cobra um “preço” alto. Por exemplo, no que diz respeito à mão de obra. Keila fala: “Na área de modelagem, no Brasil, já há muita qualidade da mão de obra, mas as pessoas têm pouca experiência profissional. Muitos são freelas, então não têm um acompanhamento e aprendem muitas vezes por conta própria. Por isso, nosso trabalho é muito o de evangelização e treinamento dessas pessoas”.
Enquanto ela enfrenta dificuldades desse tipo, fora do país o mercado de VR se organiza e se movimenta de forma assustadora. Ela e Pedro mencionam o tamanho “impressionante” de alguns negócios — que são potenciais concorrentes da startup — como a compra da própria Oculus VR, criadora do Oculus Rift, pelo Facebook, em 2014, pela bagatela de 2 bilhões de dólares.
Ainda assim, Pedro pondera que o mercado da realidade virtual é “muito grande” para ser absorvido apenas por poucas empresas. E lembra que tudo, afinal, está em permanente transformação:
“A tecnologia ainda está sendo aprimorada. Dá, sim, para uma empresa pequena competir com uma que recebeu milhões de dólares de investimento. E isso é sensacional”
Para Keila o maior desafio do setor de VR no país, além do preço dos dispositivos, é convencer empresas e pessoas que ainda têm receio, ou preconceito, de experimentar a realidade virtual. “Muitos sequer conhecem o que é. Por isso, além de desenvolver nossos produtos e projetos, fazemos também um trabalho de construir uma comunidade, promover eventos para apresentar novidades de tecnologia e dispositivos, damos treinamentos e palestras. Também é trabalho do empreendedor ajudar a criar seu mercado”, diz, sem perder o lastro de realidade.