Ao longo dos últimos 15 anos, a pergunta que a designer Wanda Gomes, 63, mais ouviu foi “Mas você tem algum cego na família?”. Bom, a resposta é não, ela não tem. Ainda assim, decidiu dedicar seu conhecimento gráfico e estético para criar livros inclusivos para deficientes visuais. Ela acabou fazendo ainda mais que belos livros: desenvolveu uma nova versão para o sistema de leitura para cegos, criado por Louis Braille há mais de 100 anos, e com ela vem mudando a experiência de leitura desse público.
Formada em desenho industrial pela FAAP, Wanda sempre trabalhou como designer, mas em 1997 decidiu mudar de foco de atuação e lançou a WG Produto, que é o seu projeto e também uma empresa social, que já nasceu com a missão de trabalhar com design inclusivo. Ela conta que já vinha pesquisando o papel do design na inclusão das pessoas com deficiência, principalmente a visual, e que ao contrário do que perguntam, a motivação foi estritamente profissional:
“Faço isso por acreditar que o design tem ferramentas capazes de mudar paradigmas. Um deles é criar livros inclusivos que sejam tão bacanas quanto os convencionais”
Ela precisou de cinco anos até conseguir, com o apoio de outros designers, produtores gráficos e de uma gráfica parceira, criar essa nova forma de escrever em braille, que ela chamou de Braille.BR. Trata-se de uma nova tecnologia para imprimir os pontinhos que são uma versão do alfabeto, lido com as pontas dos dedos. “Podemos dizer que ele é uma nova fonte. Assim como um designer pode criar uma nova fonte tipográfica para um alfabeto, fizemos isso com o braille”, conta.
Entre as vantagens em comparação com o sistema convencional, Wanda conta que o Braille.BR tem uma cobertura de verniz que protege os sinais (em relevo) contra o desgaste causado pelo toque das mãos, e que a impressão dos sinais pode ser feita frente e verso sem ficar “negativa” no verso. Além disso, o Braille.BR pode ser impresso por cima de um texto em tinta comum, transformando um livro convencional em um livro acessível sem nenhum prejuízo para quem enxerga ou para o deficiente visual.
MESMO AS COISAS LEGAIS SÃO DIFÍCEIS DE VIRAR
Apesar de trazer todas essas melhorias, Wanda conta que sua tecnologia enfrentou muita resistência, tanto por parte das instituições (que precisariam validar o novo sistema), como por parte das editoras. Isso a levou a reagir, em vez de retrair-se. “Eu não tinha intenção de ser uma editora. Meu plano era continuar com o design e oferecer projetos de livros inclusivos para as editoras. Mas fiquei bastante surpresa delas não terem a menor noção de que o deficiente visual é um público com um potencial muito grande como consumidor. E um público extremamente carente de produtos inclusivos, e principalmente livros”, conta.
Como as editoras não estavam interessadas ou se mostraram inseguras em relação ao projeto, Wanda procurou outros caminhos. Foi atrás de entender como funcionava a Lei Rouanet. “Eu já tinha tudo em mãos, tinha encontrado uma escritora, a Lia Zatz, e uma ilustradora, a Luise Weiss, que haviam topado o projeto do primeiro livro em Braille.BR. Fiz, então, uma lista de empresas para quais eu tentaria vender a proposta, e fui bater de porta em porta.”
Quem bancou a ideia foi a IBM, patrocinando o lançamento do infantil Adélia Cozinheira, lançado em 2010. Foram impressas 3 000 cópias, posteriormente distribuídas em escolas, universidades e bibliotecas públicas.
Wanda conta que após o lançamento, para sua surpresa, começaram a surgir muitos pedidos de pessoas querendo comprar o livro. Mas não havia tiragem para a comercialização. Ficou a lição. E por conta disso os dois títulos seguintes tiveram uma parte reservada para a venda avulsa. Em 2011, veio o segundo volume da coleção, Adélia esquecida, e em 2012 o terceiro, Adélia Sonhadora. Todos com o patrocínio da IBM.
Hoje é possível comprar os livros direto com a WG, fazendo o pedido por email ou telefone, ou em algumas galerias parceiras. Cada exemplar custa 25 reais. Senão tivessem o patrocínio, Wanda afirma que teriam um custo unitário de cerca de 50 reais, isso porque a produção de um livro inclusivo com a tecnologia Braille.BR é de 20% a 40% mais cara do que com o sistema convencional.
UMA INOVAÇÃO: LIVROS QUE DESPERTAM OUTROS SENTIDOS
A coleção Adélia foi pensada para o público infantil, ou seja, crianças de 3 a 10 anos, incluindo aquelas com deficiência visual com grau de limitação de 10 a 100%. “É importante lembrar que 90% dos deficientes visuais têm algum grau de visão. Pode ser que eles sejam capazes de diferenciar luzes, contrastes ou até mesmo consigam ler letras maiores”, diz Wanda. Por isso ela cria livros que permitem uma legibilidade perfeita do texto em braille, mas também despertam outros sentidos “por meio da percepção de cores, contrastes, de sensações táteis e olfativas com texturas e aromas”. Além do Braille.BR, os livros têm também o conteúdo em texto normal. E são bem cuidados:
“Não é porque o livro é para cegos que ele tem que ser feio. Mesmo que fosse inteiro branco, ainda assim mereceria um cuidado do design”
E também há o diferencial dos aromas, que impactam qualquer leitor. No Adelia Cozinheira, conta Wanda, a personagem prepara um café da manhã surpresa para os pais: “Imagine… ela vai preparando as coisas, pica uma banana, prepara torradas, pega o suco na geladeira. A última coisa que ela pega são flores para enfeitar a mesa, e essa ilustração tem um cheiro suave de flor”. Nem todas as páginas têm o diferencial, mas a empreendedora conta que o texto é feito de forma a levar o leitor para uma viagem sensorial que também é feita de lembranças. “Este volume estabelece uma relação muito especial com os sentidos olfato, visão e tato, pois ao imaginar que ela está preparando uma refeição isso remete também às lembranças e ao imaginário do leitor, e não somente aos cheirinhos que estão ali aplicados”, conta.
Além da coleção Adélia, a WG criou também um livro inclusivo para o Museu Lasar Segall, de São Paulo. Intitulado Segall portátil, o livro traz as obras do artista em versões com relevo e textura. “O projeto deste livro foi um dos maiores desafios que já recebemos, com concepção e coordenação do setor educativo do museu, foi uma oportunidade de aproximar deficiência visual e arte. É uma publicação experimental que propõe, com base na obra de Lasar Segall, diálogos entre estímulos táteis, visuais, escritos e sonoros”, conta.
EM BUSCA DE GRANA PARA SEGUIR
Hoje a WG trabalha com três frentes: projetos culturais com empresas e instituições (que representam 40% do faturamento), projetos próprios (50%) e consultoria para editoras (10%). Entre as iniciativas próprias, está o lançamento do primeiro volume da coleção Adélia em espanhol. Para isso, Wanda espera conseguir arrecadar cerca de 56 mil reais em uma campanha de financiamento coletivo no Catarse. A ideia é imprimir uma tiragem pequena, 500 exemplares, e levar a obra para países da América Latina. “Participamos dois anos da Feira do Livro de Guadalajara e a aceitação, mesmo com o livro em português, foi surpreendente”, diz ela, que também contratou uma consultoria para orientá-la a respeito de exportações.
Nos últimos cinco anos, a WG publicou ao todo 12.000 exemplares de suas criações, sendo 9.000 de projetos próprios. Para os próximos dois anos, a meta é atingir 18.000 exemplares de projetos próprios, tanto no mercado nacional como no de língua hispânica. Aliás, a expansão para o mercado externo é algo que Wanda lamenta não ter realizado antes. Ela reflete sobre como recebeu o baque inicial de ver que sua ideia não comoveu tanto as editoras quanto ela esperava:
“Quando olho para trás, acho que devia ter sido mais ousada. Perdi muito tempo. Depois das negativas de editoras, me frustrei e deixei o projeto quase um ano na gaveta. Por pouco não desisti”
Sobre investidores, ela apresenta outro retrato preciso das dificuldades: “O mercado exige um impulsionamento do negócio, investimentos financeiros para seguir com as pesquisas e novos lançamento. A inovação por si só não garante a atenção das empresas já que estamos falando de um público consumidor que até então não era levado em conta, a pessoa com deficiência”.
Atualmente a equipe da WG conta com mais um designer e um produtor gráfico. Wanda ainda atua como designer e produtora cultural, mas espera que cada vez mais possa se dedicar aos projetos de livros inclusivos. Para ela, hoje a sociedade já entende melhor seu papel em relação a pessoa com deficiência visual, e tanto a população como o mercado vão abrindo portas para projetos inclusivos. “Sempre olhei para os deficientes visuais com curiosidade e como um desafio, me perguntava se de fato as imagens eram algo impossível para eles. Fiz dessa minha inquietação uma forma de utilizar materiais, tecnologias e minha habilidade de criar para gerar a inclusão”, conta. Mulher de visão.
Telines Basilio, conhecido como Carioca, viveu 12 anos nas ruas revirando lixo para sobreviver. Hoje ele gera emprego e renda para 355 cooperados, responsáveis por separar 40% do material reciclável de São Paulo.
Nascida com osteogênese imperfeita congênita, condição conhecida como “ossos de vidro”, Thais Pessanha tem hoje pela frente o desafio de dar sequência a políticas afirmativas já existentes na estatal.
Hospital oferece aulas gratuitas do idioma para pessoas em situação de refúgio, especialmente vindas do Afeganistão - programa já contratou 55 imigrantes na instituição para as mais diversas funções.