Quando ouviu pela primeira vez os detalhes da história das bravas guerreiras de Tejucupapo, dona Luzia Maria da Silva, 70 anos, lutava pela própria vida. Foi durante a recuperação de uma cirurgia para retirada de um nódulo no seio que, ainda no hospital, uma acompanhante de outro paciente contou para ela como mulheres simples do seu vilarejo expulsaram sozinhas os invasores holandeses, armadas apenas com panelas de água quente e pimenta e utensílios domésticos. O episódio, no século 17, seria o primeiro relato da participação feminina em um conflito armado no Brasil.
Luzia guardou aquelas palavras até que a vida a colocou novamente em um campo de batalha. “Fiquei doente novamente e fiz uma promessa a Deus: se eu ficasse boa, ia contar a história dos meus ancestrais”, lembra. Ela montou uma peça sobre a Batalha de Tejucupapo, um ato que foi encenado por mais de 300 moradores durante 22 anos na fazenda Megaó, o palco original do confronto.
“Já fizeram até filme sobre esse teatro, porém paramos de encenar dois anos atrás, por falta de apoio governamental”, conta a guardiã do legado das heroínas de sua terra, que atualmente trabalha para retomar a encenação. “A bravura não está em lutar, mas em enfrentar os problemas”, ensina.
A história de resistência das guerreiras do passado funciona como uma metáfora para as batalhas enfrentadas por Luzia e por tantas outras mulheres de Tejucupapo dos dias atuais. Em Tejucupapo, distrito do município de Goiana, Zona da Mata de Pernambuco, a população carente de cerca de 2 mil habitantes sobrevive basicamente da pesca, mas a degradação ambiental torna a atividade menos rentável a cada ano.
É na coragem de personagens como Maria Camarão, Maria Quitéria, Maria Clara e Joaquina – líderes da batalha contra os holandeses – que as marias contemporâneas encontram força. Mesmo com o fim do teatro, a memória das guerreiras se mantém presente nas conversas e nos monumentos do vilarejo.
Embora haja poucas referências historiográficas sobre esse ato heroico, o professor de história da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Bruno Romero, ressalta o valor cultural da Batalha de Tejucupapo. “É algo que reverbera no empoderamento das mulheres da própria comunidade e de modo geral”, analisa.
Uma das moradoras que participava do teatro de Tejucupapo, Aurenita Bezerra, 64 anos, se orgulha de ser valente como suas ancestrais. Criou oito filhos sozinha, trabalhando como doméstica. “Agora, minha luta é pra me manter e ainda cuidar da tia idosa apenas com o dinheiro do Bolsa Família”, revela.
Outra tejucupapense, Genesilva Maria da Costa, 79 anos, também aprendeu na vida o significado da palavra coragem. “Criei nove filhos com muito sacrifício, trabalhando na roça e pescando de noite para garantir a mistura da comida”, relata. “No meu tempo ninguém estudava; eu ainda aprendi a assinar o meu nome”, completa, dizendo que espera um destino diferente para a neta Adriana Costa, 22 anos.
Adriana nunca quis “o caminho da maré”, nem da roça, como sua avó. Começou a escrever um destino diferente há quase dois anos, quando passou em uma seleção para auxiliar de produção no Polo Automotivo Jeep, seu primeiro emprego. Desde então, todos os dias deixa Tejucupapo às 4h30 da manhã e só volta tarde da noite, depois do curso técnico de administração.
“É cansativo, mas vejo como um investimento. Foi esse trabalho que me deu a oportunidade de estudar, viajar e, recentemente, realizar um grande desejo de comprar um notebook”, ressalta, dizendo que não se considera uma referência como as heroínas do passado, mas espera inspirar os jovens do seu vilarejo a lutarem por seus sonhos.
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