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Como a Porto Seguro está criando intraempreendedores e parcerias com startups

Giovanna Riato - 1 jun 2017
À frente da Porto Seguro, Fábio Luchetti não quer ficar parado em um cenário em que as mudanças podem vir de qualquer direção.
Giovanna Riato - 1 jun 2017
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Uma companhia brasileira de mais de 70 anos, que lidera o mercado de seguros e atende, no total, 15 milhões de clientes. Esta é a Porto Seguro que você talvez conheça. Uma empresa tradicional e meio onipresente: além de seguros, oferece previdência, consórcio e outras soluções financeiras. O lado que, ao menos por enquanto, é menos aparente é o de uma companhia que busca se arejar internamente ao estimular o intraempreendedorismo, ao se relacionar com startups. O objetivo é entender a sua essência e como se reinventar em torno dela.

Este desafio está nas mãos de cada um dos 15 mil funcionários diretos (há ainda outros 10 mil prestadores de serviços), sob a liderança de Fabio Luchetti, 51, o presidente da Porto Seguro. Ele se opõe à estratégia de criar uma área com foco em inovar e defende que esta orientação deve vir clara da liderança: a seu ver só assim a coisa funciona efetivamente: “Sempre nos preocupamos mais em formar empreendedores do que em desenvolver simplesmente gestores. Nosso esforço é para que eles pensem fora da caixa”.

PLANEJAMENTO É ESTAR PRONTO PARA OS IMPREVISTOS

Sempre a caixa. Apesar de defender que a inovação tem que vir do topo, a companhia conta com uma divisão de Novos Negócios, que mantém o radar ligado para detectar boas oportunidades. Outro pilar importante nesse sentido é a área de Pesquisa & Desenvolvimento, mais focada em tecnologia propriamente dita. “Hoje a inovação é algo que surge no calor da batalha. Há uma profusão de oportunidades e uma série de empresas se desenvolvendo em cima disso e nós temos que estar nesse mesmo ritmo”, diz. Ele evita usar a palavra “mudança” por entender que o cenário de transformação constante é parte do kit básico do planejamento de negócios — e deve continuar assim por muito tempo:

“A grande verdade é que o efêmero veio para ficar”

Ele cita o exemplo da Uber, que inovou ao criar um novo mercado, mas que, no entanto, hoje já é disputado por uma série de concorrentes. A mudança de paradigma pega em cheio empresas grandes, acostumadas a desenhar planejamento de 10 anos. “Isso, para mim, é uma falácia. Conseguimos nos programar para os próximos dois anos, no máximo. O papel mais importante é garantir que a liderança esteja pronta para lidar com imprevistos. Precisamos de pessoas que combinem intuição e sensibilidade com capacidade para avaliar dados”, resume.

A serenidade com que Fabio encara o inconstante cenário vem da convicção de que, mesmo com tantas mudanças, há espaço para que a Porto Seguro desenvolva produtos e serviços. “Há cerca de seis anos começamos a tentar entender qual é, afinal, a nossa essência, nossa alma. Somos simplesmente uma empresa de seguros, um negócio altamente ameaçado pela evolução tecnológica? Foi aí que entendemos que nosso verdadeiro papel não é vender esse serviço, mas entregar tranquilidade e segurança para as pessoas”, diz.

Em seguida, emenda e diz que a conclusão abriu amplo leque de possibilidades: “Entendemos que dava para levar adiante o que já tínhamos, que é o atendimento bom, a disponibilidade e as portas abertas, para novos espaços. Inovar, para nós, era desenvolver negócios relacionados a proteção e seguridade e manter o nosso padrão elevado de atendimento”.

A Oxigênio Aceleradora levou só três meses para sair do papel: tempo recorde para uma grande companhia. Na foto, uma das três turmas que já passaram pelo programa.


A Oxigênio Aceleradora levou só três meses para sair do papel: tempo recorde para uma grande companhia. Na foto, uma das três turmas que já passaram pelo programa.

Com a atuação mais definida — e ampla — a Porto ganhou espaço para ousar e tomar alguns riscos. Um dos frutos disso é o serviço Carro Fácil, uma mistura de leasing e seguro. Na prática, é uma nova forma de entregar a tal tranquilidade para os clientes, que pagam uma espécie de assinatura para que a empresa cuide de todo o resto: ofereça um automóvel sem a burocracia tradicional dos processos de compra, evitando que o consumidor precise se preocupar com a desvalorização do modelo, documentação e manutenção. O preço da facilidade é alto, com planos que começam acima de 1.000 reais mensais e deixam claro que ter um carro custa caro. Ainda assim, ele diz que a novidade que chegou ao mercado no fim de 2016 começa, devagar, a atrair público.

Outro produto que deslanchou depois que a empresa se deu conta de seu verdadeiro alcance foi o cartão de crédito Porto Seguro, que tem um programa de pontos que se converte em descontos nos seguros da companhia. A solução não é tão recente, chegou ao mercado há cerca de cinco anos como ferramenta para melhorar a fidelização dos clientes, conta Fabio. A questão é que a empresa tem trabalhado para manter a solução relevante — no ano passado lançou um aplicativo para gerenciar os gastos do cartão, acompanhando a onda Nubank: “Nosso corretores reclamavam muito dos bancos, que também oferecem seguros de carros e iam atrás dos nossos clientes ao detectar a data do vencimento”.

Com mais de dois milhões de clientes o cartão próprio tira o vencimento das parcelas do seguro do radar destas instituições e resolve o problema, diz. Em seguida, relembra um erro estratégico da Porto: “É curioso pensar que tentamos lançar um cartão de crédito há cerca de 20 anos e foi um fiasco. Talvez não estivéssemos preparados”, conta, indicando que pode valer a pena vencer o trauma de experiências negativas e tentar novamente um caminho que parece promissor. Ele fala a respeito:

“Os tropeços fazem parte. Não faltam histórias que deram errado”

Fabio lembra, por exemplo, de quando a companhia, há cerca de seis anos, decidiu entrar no ramo de serviços para condomínios, com a oferta de profissionais de vigilância e limpeza, por exemplo. Parecia uma chance e tanto de aproximar a marca das famílias e fortalecer a imagem. Parecia, mas não foi. “Tinha um problema cultural que não enxergamos antes: turnover alto de funcionários, dificuldade para gerar engajamento, sindicatos inflexíveis, número alto de faltas… O jeito foi reconhecer e não insistir no erro. Saímos do mercado uns três anos depois.”

Nem só de novos negócios vive uma grande companhia em busca de inovação. Enquanto estica os braços para entender quais serviços pode oferecer, a Porto Seguro reconhece que precisa refinar o trabalho que já faz bem, que é a oferta de seguros. Na área de veículos há boas oportunidades, entende Fabio. “Hoje só um terço da frota faz seguro. O resto prefere assumir o risco a arcar com o custo alto do produto”, diz.

Para ele, este cenário pode mudar com a tecnologia. A capacidade de processar dados e refinar o entendimento sobre o comportamento de cada cliente ao volante tende a fazer com que os custos fiquem mais justos para cada consumidor. A empresa busca iniciativas neste caminho, consciente de que uma evolução poderia derrubar seu ticket médio, mas ampliar seu alcance.

COMO AREJAR AS IDEIAS EM UMA CORPORAÇÃO

Na busca recente por inovação, a liderança da Porto notou que fica difícil buscar novos caminhos no meio de um rotina exaustiva. “Em uma grande empresa, as áreas e os pontos de vista são muito fragmentados, consumidos pela intensidade dos processos. É algo que tira a criatividade e o potencial de intraempreendedorismo. Foi aí que começamos a pensar que uma startup poderia ver problema e soluções que não enxergávamos”, conta. Surgia, então, o espaço para construir a Oxigênio, aceleradora da Porto Seguro, que saiu do papel em apenas três meses e foi inaugurada em 2015.

A iniciativa seleciona startups que tenham ou possam desenvolver sinergias com o negócio da companhia. A cada ciclo de três meses, cinco jovens negócios passam pelo programa. O processo é realizado em parceria com a Plug and Play. “Uma corporação normalmente tem uma lista de desejo muito grande, que nem sempre consegue desenvolver”, diz Fabio. A iniciativa está na fase de seleção de startups para o quarto ciclo de aceleração. Até agora 19 empresas já passaram pelo programa, muitas delas com soluções que a Porto Seguro passou a usar.

Maurício Martinez, gerente da Oxigênio Aceleradora, cita o exemplo da LogBee, empresa de logística que virou parceira comercial depois da aceleração. “São eles que fazem as entregas dos celulares da Porto Seguro Conecta, nosso serviço de telefonia móvel. Há uma troca importante porque, ao fechar com uma empresa pequena, damos a ela escala para se firmarem no mercado”, diz. Do lado da companhia, ele enumera que, além de romper a inércia natural de grandes negócios e acessar novas ideias, a cooperação com startups traz um efeito de contágio do espírito empreendedor na empresa. Fabio concorda:

“Mesmo quando a startup falha e o negócio não vai adiante, os ganhos intangíveis são maiores do que aqueles que conseguimos medir”

Com a cooperação com o ecossistema e o esforço interno para inovar, ele espera deixar a companhia preparada para lidar com o mercado cada vez mais volátil. “A gente nunca sabe de onde vai vir a ameaça. Pode ser que uma nova solução que não esteja diretamente ligada ao nosso mercado afete o negócio. Não dá mais para surfar na onda de lucratividade com um só produto como nós mesmos fizemos com seguros por décadas”, afirma.

Se é impossível garantir estabilidade, o executivo quer ao menos ter ferramentas melhores para lidar com as mudanças. Ainda que os seguros sigam responsáveis por 80% das receitas da companhia, recentemente os outros negócios passaram a responder por 50% da lucratividade, equilibrando melhor as contas. “Este é exatamente o objetivo da nossa busca, encontrar segmentos novos que garantam margens maiores”, diz Fabio, ciente de que até aqui o esforço para fazer diferente está funcionando.

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