André Mantovani tem 53 anos e, como veremos aqui, empreende em um negócio social. A Arueira Ambiental é uma empresa especializada em gestão de resíduos e que fatura 1 milhão de reais por ano dando destino adequado a toneladas de lixo, por exemplo, do Shopping Eldorado ou do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo. Mas André está nessa há apenas dois anos. Antes disso, viveu quase 20 anos como um dos mais inovadores executivos de comunicação do país. Em 1998, assumiu a direção geral da MTV Brasil (em tempos pré-YouTube, era na MTV que os jovens viviam sintonizados). Em 2007, tornou-se presidente dos canais de televisão da Abril incluindo, além da MTV, a TV Ideal e a Fiz TV. Saindo da Abril, presidiu a empresa de entretenimento XYZ LIVE e, mais adiante, foi vice-presidente executivo de operações da TV Cultura.
Quando deixou este último cargo, no começo de 2013, decidiu que era hora de dar outro rumo para a carreira. “O setor de mídia começou a mudar, os players tradicionais começaram a perder espaço, tudo estava migrando para o digital, e perdi o interesse”, conta. Junto com isso também veio a dificuldade em se recolocar no mercado depois de ter ocupados cargos tão altos. “Foi então que comecei a procurar projetos que me interessassem.”
Ele conta que de alguma forma a veia empreendedora, assim como o trabalho que causasse impacto positivo na sociedade, sempre fizeram parte do seu DNA. Na MTV, André idealizou e lançou diferentes produtos, como uma revista, um jornal e três sites – todos filhotes da MTV Brasil. Agora, já com a experiência de dois anos “do outro lado” da história, ele compara as duas maneiras de criar negócios:
“Pegar algo e construir sempre foi parte de mim, mas fazer isso com o dinheiro dos outros, garanto, é bem mais fácil”
Ele empreendia, portanto, dentro da máquina da MTV, da Abril, da TV Cultura. O impacto social positivo, diz, ele dava um jeitinho de inserir dentro do seu espaço de atuação. Quem tem seus 40 anos hoje deve lembrar de algumas campanhas lançadas pela MTV nos anos 2000. Uma das mais marcantes tinha o slogan “Desligue a TV e vá ler um livro”. “Eu pensava: já que estão nos ouvindo, vamos falar algo que valha a pena”, diz André, dando risada.
HORA DE CRIAR O PRÓPRIO EMPREGO
Encerrada a carreira corporativa, e antes da Arueira brotar, Mantovani tentou empreender em dois outros negócios: um jornal de circulação gratuita no Rio de Janeiro e uma loja virtual de produtos audiovisuais de altíssima qualidade. No primeiro, conta, depois de seis meses decidiu parar de investir porque o projeto estava pendente de um bom anunciante para se manter financeiramente. “Com a crise, vi que os anunciantes não investiriam e saí do negócio.” O segundo, que envolvia produtos de alto valor, foi inviabilizado pela alta do dólar.
Em paralelo a essas tentativas, André também entrou como sócio em uma empresa de soluções sustentáveis para o tratamento de resíduos sólidos, onde permaneceu cerca de dois anos. “Eu transportava o lixo em uma Doblò (espécie de furgão) e vi que aquele negócio não era eficiente”, conta. Não era mesmo. Mas foi por causa dessa experiência que ele enxergou no lixo — ou melhor, na gestão eficiente dele — uma oportunidade de negócio.
Na mesma época ele conheceu seu atual sócio, o engenheiro agrônomo Rui Signori, 53, que já trabalhava com tratamento de resíduos e havia dado um treinamento na antiga empresa da qual André era sócio. Interessado no assunto, Mantovani foi, então, conhecer mais de perto os projetos que Rui administrava e ficou bem entusiasmado com o que viu.
Logo tratou de apresentar um cliente e propôs sociedade. Assim, em 2015 nasceu a Arueira Ambiental (o nome é uma corruptela da Aroeira, árvore tipicamente brasileira e de vida longa), com um investimento de cerca de 25 mil reais, de economias pessoais de ambos. “Usamos o dinheiro apenas para o básico: site, abrir empresa, cartão de visita, essas coisas.”
Com menos de dois anos de operação, a empresa faturou cerca de 1 milhão de reais no último período e tem como clientes seis edifícios comerciais e dois shopping centers na cidade de São Paulo. Para um negócio social, é um crescimento relevante, mas André, “o cara” da MTV, conta que esperava um ritmo mais rápido quando entrou na empreitada:
“O maior obstáculo ao nosso crescimento é o tempo que leva para cada projeto começar. Como o tema é muito novo, passa por muitas aprovações, um processo de convencimento, reuniões…”
O objetivo de negócio da Arueira, de forma resumida, é diminuir a quantidade de lixo descartada por seus clientes. Os serviços contemplam todo o ciclo da reciclagem: compostagem (reciclagem do lixo orgânico e transformação em adubo), logística reversa, treinamento para os condôminos dos edifícios etc. Como?
No edifício comercial que visitei, na zona sul de São Paulo, a Arueira começou o projeto de redução de resíduos há pouco mais de um ano e, hoje, o prédio descarta metade do lixo que descartava antes. Um ganho e tanto, e não apenas para o meio ambiente, para o cliente também, que reduz seu custo com o descarte do lixo (edifícios comerciais pagam pela retirada do lixo).
O SEGREDO ESTÁ NO SUBSOLO
A mágica acontece no subsolo. Ali chegam os sacos de lixo separados por cores: plástico, papel, vidro, alumínio, isopor e orgânico. Os recicláveis são devidamente acomodados e destinados para instituições que fazem a reciclagem de cada material. O orgânico é tratado ali mesmo, em uma sala dentro da garagem.
Primeiro os restos de alimentos dos três restaurantes do prédio e de todos os outros andares são depositados em um local para “descansar”. Em seguida isso é transferido para uma máquina e ali adicionam-se cal e turfa (material de origem vegetal). Isso faz com que a mistura mude de “cara”: ela perde boa parte do cheiro ruim e fica parecendo uma terra escura, ainda com alguns pedaços de cascas de frutas. O material, então, é colocado no chão para secar. Depois de seco entra em outro equipamento que tritura os pedaços que ainda sobraram. Adivinhou? No fim isso vira adubo para ser usado na horta, plantada também na garagem do edifício – com o uso de luz artificial. O que sobra é doado.
COMO SER EFICIENTE, ENXUTO E SUSTENTÁVEL
O modelo de negócios da Arueira é enxuto e consiste em três etapas de remuneração. Primeiro a empresa ganha ao fazer o diagnóstico de como é possível reduzir a produção de lixo do cliente. O diagnóstico resulta em um PGRS (o Plano de Gestão de Resíduos Sólidos). Depois, a Arueira ganha também na implementação do plano, fase em que treina a equipe do próprio prédio ou shopping para realizar o trabalho. Por fim, o cliente pode encerrar o contrato ou optar por pagar um valor mensal pelo acompanhamento do serviço, já que treinamentos de conscientização são recorrentes por conta da entrada de novos funcionários em todas as empresas que ocupam os edifícios.
André diz que a conscientização de todos que circulam pelo prédio é fundamental para o sucesso do projeto, pois o lixo só chegará corretamente separado se as pessoas colaborarem (em ações simples como colocar o “lixo” nos recipientes da cor certa). Parece óbvio, mas isso faz toda a diferença.
Apesar desse acompanhamento após a implantação do plano não ser parte obrigatória do projeto, André diz que todos os clientes optam por ele. Por isso, os dois sócios visitam com frequência os prédios onde mantêm os projetos. Como ficam muito na “rua”, por sinal, optaram por não ter um escritório.
A Arueira, portanto, não tem uma sede fixa. André, que é casado e tem três filhos, conta que usa o período da manhã, quando as crianças estão na escola, para trabalhar de casa. À tarde visita os clientes. “Se preciso fazer reunião, normalmente é no cliente ou, se não for, não me importo de usar um café ou a biblioteca do Parque Villa-Lobos, que é bem agradável”, diz. Rui segue o mesmo esquema, assim como o único funcionário da Arueira e o estagiário.
Entre uma reunião de “convencimento” de possível novos clientes e uma visita aos já estabelecidos, os sócios continuam investindo em tecnologia para oferecer mais serviços em breve. Em julho, a Arueira começou a testar uma nova forma de tratamento de resíduo orgânico. Trata-se de um equipamento que dissolve o lixo com água em um processo de hidrolização. O que sai da máquina vai direto para o esgoto, eliminando a necessidade de levar o lixo para um aterro. É bacana, mas ainda não está rodando. André tem pressa, é verdade. Mas sabe que o que está plantando vai longe.
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