“Eu sempre gostei de cortina de chuveiro. Sempre achei bonitinha, decorativa. Além disso, é mais segura e amplia o espaço.” Foi assim, com argumentos bem simples, quase singelos, que a paulista Beatriz Cricci convenceu o pai a não instalar box de vidro nos banheiros de sua casa de praia em Quixaba, próximo a Canoa Quebrada, no litoral cearense. Ao descobrir que cortinas custavam mais caro do que pensava, resolveu botar a mão na massa e fabricar a sua pessoalmente.
Ela não sabia, mas com aquela decisão nascia sua história de empreendedorismo. Fundada por ela lá atrás, em 2000, a BR Goods faturou R$ 6 milhões em 2016. A empresa é referência em divisórias de leito hospitalar e uma das selecionadas pelo programa Braskem Labs 2017.
Bia nasceu em Indaiatuba, a 100 km de São Paulo. Mudou-se para a capital paulista em 1988, mas mantém uma casa na cidade do interior, onde costuma passar pelo menos duas noites da semana. Sua formação em Economia parece contrastar com o jeito falante e bem-humorado. Quando se lançou como empreendedora, ela ainda atuava como gerente contábil de uma companhia israelense de frete marítimo, onde trabalhou por sete anos. Sua função era fazer o controle financeiro de duas linhas internacionais, incluindo despesas de atracação, combustível etc.
“Eu gostava do trabalho. Mas, na época, achava que não tinha condição de crescer mais dentro na empresa”, diz. “Hoje, não penso mais assim. Eles nem queriam que eu saísse, me ofereceram o dobro… Mas eu sempre quis ter um negócio.”
Medo de ouvir “não”
A porta para o empreendedorismo abriu-se com a cortina que ela fez para o pai e que logo cativou os amigos. Encomendas foram surgindo. “Comecei a aperfeiçoar, comprei umas placas fininhas de espuma de E.V.A. [aquele material emborrachado usado em colchonetes, tapetes de ioga e tatames infantis], desenhava uma flor, cortava a mão. Fazia em casa, no chão do meu apartamento.” Até que uma amiga sugeriu: por que ela não fazia cortinas para vender?
Envergonhada, com receio de ouvir um “não”, Bia passou “dez vezes” em frente a uma loja de produtos para banheiros, na Rua dos Pinheiros, em São Paulo, até criar coragem e entrar. Era março de 2000. “Eu já tinha trabalhado com vendas, mas nunca tinha vendido algo que eu produzi… E o cara adorou! Ele comprou cinco, cada uma a quarenta reais. Então eu falei: Ôpa, temos mercado!”
A produção era bem caseira. “Eram dois modelos de cortina. Uma com as placas E.V.A., que eu cortava e colava, e outra com plástico transparente sobre plástico colorido. Eu desenhava uma foca, por exemplo, e costurava a mão no plástico.”
Manter a produção no apartamento, porém, era inviável. Bia resolveu ensinar como fazer as cortinas a uma pessoa de Indaiatuba, que logo começou a cobrar mais caro pelo produto. “Conversei com o meu pai e ele me disse: por que você não faz aqui no quintal?” Ela, então, montou um galpão na área externa da casa, em Indaiatuba, onde um de seus irmãos ajudava a montar as cortinas, quando saía do trabalho.
Ascensão e queda
Bia começou a entrar em mais pontos de vendas, até que em setembro de 2000 o dono da primeira loja pediu uma leva de cortinas para apresentar na Equipotel, feira-referência da cadeia de hospitalidade e de serviços alimentares. Ela impôs uma condição: queria ficar no estande, durante a feira, em São Paulo. “Lá, arrumei um representante gaúcho e ele conseguiu vender 800 das minhas cortinas para o Sheraton Porto Alegre Hotel.”
Foi a partir daí que ela foi correr atrás de CNPJ. Na época, Bia estava grávida do segundo filho. Deixou o emprego para se dedicar a sua própria empresa, mas por três anos ainda colaborou com a antiga firma como consultora terceirizada; mesmo ganhando “infinitamente menos” do que antes, era um meio de garantir uma renda.
A experiência na companhia de navegação, aliás, ajudou a inspirar a criação do nome da BR Goods. “Nas invoices de frete, eu sempre via aquela palavra, ‘goods’ [produtos, em inglês]”, diz Bia. O termo grudou na sua cabeça e batizou a empresa, precedido do inequívoco BR de Brasil. Um nome que já soava sob medida para um futuro processo de internacionalização.
“Eu sempre fui metida, né?”, ela brinca, rindo. “E eu fui crescendo, lá no quintal do meu pai. Depois do Sheraton vendi para o Copacabana Palace, Club Med, Sauípe, Blue Tree… E comecei a arrumar mais representantes.” Começou, também, a fazer tudo que é curso do Sebrae e a participar de feiras com estande próprio. Em outra edição da Equipotel, Bia fez contato com o Hospital Israelita Albert Einstein, que buscava fornecedores para cortinas divisórias de leito. “Era preciso atender a várias exigências técnicas, entregar laudos… Eu disse: ‘beleza!’, e fui atrás do material.”
O mercado de hotéis para cortinas de box começava a parecer pequeno aos olhos de Bia. Expandir a linha de produtos e avançar no segmento hospitalar despontava como um caminho. Outro, que se mostrou equivocado, foi montar uma confecção de moda esportiva, também no quintal de Indaiatuba, em 2005. “Foram nove meses de ascensão e queda. Os nossos produtos eram muito bem feitos, mas descobri que eu vendia abaixo do custo. Não é à toa que eu vendia pra caramba…”
O erro de cálculo foi uma rasteira que derrubou a empreendedora e quase a levou para o buraco. “Foi bem doloroso. Chorei um mês e meio, e nada aconteceu, porque você chora e não acontece nada. Liguei pra todo mundo, pedi desculpas, disse: ‘eu sei, eu sei, estou sem, não posso, desculpa, vou te pagar, mas me dá um tempo…’”
A volta por cima
O tombo foi grande, mas Bia absorveu lições importantes. “Vi que tinha que focar em alguns produtos, com o mesmo canal de distribuição.” Focou também no estudo: na mesma época, caiu do céu um convite da Fiesp (que subsidiou parte do curso) para uma pós em administração industrial de micro, pequena e média indústria, na FIA – Fundação Instituto de Administração.
“O conhecimento transforma”, diz Bia. “A pós foi muito boa, saí faturando muito mais. Comecei a crescer. Comecei a focar em hospital, cortina divisória de leito e cortina de box – foco, foco, foco. Contratei uma pessoa para o financeiro, gente para a produção. Estruturei a empresa.” Em 2008, ela transferiu enfim a produção do quintal paterno para um galpão de 500 m². E, três anos mais tarde, mudou-se para um espaço com o dobro do tamanho, no Distrito Industrial de Indaiatuba.
No segmento de cortinas, a BR Goods ataca em três frentes. “A cortina divisória de leito tem nanotecnologia no polímero do fio [importado da Alemanha], antes de virar tecido. São retardantes de chamas, têm propriedades antifungo, antimicrobiana…”. As características não perdem efeito com a lavagem e são atestadas por laudos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas. “Nas cortinas de box, trabalhamos com versões em vinil e em tecido antifungo, antimicrobiano e com repelência a água e óleo.”
A terceira frente são as cortinas de janela. “Não era um mercado-alvo, atendíamos poucas solicitações… Mas acabamos sendo selecionados para fornecer para as Olimpíadas.” Bia revela que responsáveis pela Rio 2016 fizeram um pente-fino nos papéis da empresa, de certificações ambientais a documentação dos funcionários (hoje, são 22). E a entrega olímpica rendeu elogios. “Foram apenas três meses, da compra da matéria-prima à instalação de 7.360 cortinas na Vila de Mídia.”
Um novo segmento descortinou-se há pouco. “No ano passado, viramos fabricantes de bate-macas, cantoneiras, corrimãos de hospital…”, conta Bia, explicando que bate-macas são protetores de parede que evitam desgaste por conta de choques frequentes das macas e camas hospitalares. “Eu era distribuidora de uma empresa americana. Em 2015, nossa venda desses produtos cresceu mais de 300%. Fui aos Estados Unidos negociar, mas eles não quiseram ser meus parceiros.” Bia, então, resolveu começar a fabricar internamente as peças, que hoje só perdem para as divisórias de leito hospitalar em volume de vendas e participação nas receitas.
Foco no verde
A BR Goods conta com 30 representantes espalhados pelo Brasil e já exporta para mais de uma dezena de países, da Argentina à Arábia Saudita, da Itália ao Panamá. Atende mais de mil clientes, incluindo montadoras de veículos e hospitais de alto padrão, como o Albert Einstein, o Sírio-Libanês e as unidades da rede D’Or. Nos últimos anos, a empresa estruturou uma área de inovação, canalizou ideias e criou soluções como uma linha de divisórias de leito com tiras superiores que facilitam a higienização. “Só esse produto aumentou em 21% o nosso faturamento na venda de cortinas”, diz Bia. A penetração em hotéis aumentou com as cortinas de janela, após a Rio 2016.
Hoje, um dos seus desafios é seguir crescendo. Outro é rever até 2020 todas as matérias-primas de sua empresa para trocá-las, quando preciso, por alternativas ainda mais sustentáveis. Dentro desse objetivo, ela revela uma das muitas metas que pretende trabalhar a partir do programa Braskem Labs. “Quero desenvolver cortinas descartáveis para box de chuveiro utilizando o plástico I’m green™ da Braskem, feito de fonte renovável e que é reciclável”, diz Bia, referindo-se ao polietileno verde fabricado com etanol, a partir da cana-de-açúcar. “A sustentabilidade tem que percorrer toda a cadeia, desde a extração da matéria-prima até o fim da vida útil do produto pelo cliente.”
No dia a dia, Bia divide-se entre o trabalho à frente da BR Goods e a atuação (pro bono) como diretora do Departamento da Micro, Pequena e Média Indústria da Fiesp. Aos empreendedores iniciantes, ela dá as dicas: é preciso insistir, acreditar no produto e na empresa, mas sempre mantendo os pés no chão, trabalhando de maneira organizada e buscando parcerias. E recomenda o Braskem Labs:
“Empresas menores sempre precisam de conhecimento. E quando você vê uma baita empresa grande ‘pegando na tua mão’ e te ensinando… É outra coisa. Você sabe que eles estão te passando os últimos conhecimentos da área, para te ajudar e te ver crescer. Participar do programa está sendo maravilhoso.”