Um estudo recente, feito pela USP, aponta que em 44% dos lares brasileiros há pelo menos um cãozinho. Se você está nessa fatia da população, certamente já se viu com a questão, quando precisa viajar, de onde deixar o animal. Sozinho em casa? Em um canil? Em um hotel? Será que não inventaram nada melhor? Sim, inventaram. E talvez você conheça a DogHero, startup nascida em 2014, que desenvolveu uma plataforma em que conecta gente disposta a acolher o cachorro alheio em sua própria casa. São os chamados “anfitriões”, presentes nas 650 cidades do Brasil em que o serviço está disponível. Na plataforma, por sua vez, há 300 mil cães cadastrados, potencialmente em busca de hospedagem. A cada transação realizada, a DogHero fica com 25% do valor cobrado.
A ideia foi desenvolvida por Fernando Gadotti, 32, formado em engenharia de produção na PUC Rio e MBA pela universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e Eduardo Baer, 33, um dos fundadores do iFood que largou a sociedade com a empresa para ir ao Vale do Silício aprender mais sobre empreendedorismo. Lá, conheceu Fernando e, de lá mesmo, os dois bolaram o plano novo. Eduardo passou ao todo dois anos nos Estados Unidos e, nesse tempo, três meses trabalhando na Turo, empresa que era “tipo um Airbnb de carros”. Ele voltou ao Brasil justamente para montar a DogHero.
Formado pela ESPM em publicidade e pela Universidade de São Paulo (USP) em administração, além do MBA em Stanford, Eduardo começou a trajetória dentro do empreendedorismo cedo, aos 14 anos de idade, quando ganhou seu primeiro computador: “Comecei a brincar e fiz meu primeiro site, o Underzone”. O endereço tinha um acervo de MP3 e foi um dos pioneiros na ideia de baixar música gratuitamente, algo que começou a ganhar forma no início do século. Adolescente, faturou alguns trocados e até saiu na Folha de S.Paulo, mas aí o sucesso lhe deu uma rasteira. “Chegou uma carta dizendo ‘o que você está fazendo é ilegal, por direitos intelectuais fonográficos…’”, conta. Era o fim do Underzone — e hora de estudar.
Logo após entrar na ESPM, Eduardo chegou a trabalhar na Diskcook, na época com apenas quatro funcionários. Ele gostava do que fazia, mas achou que a startup não ia longe. Saiu e se tornou consultor da Bain & Company. Inquieto, mais uma vez decidiu que não era bem aquilo que procurava. A solução foi voltar para a Diskcook, dessa vez como sócio, condição em que ajudou a fundar o iFood. “Já tínhamos a ideia há algum tempo, até que chegou a hora e decidimos iniciar. Fiquei dois anos tocando o iFood no departamento de marketing da Diskcook e saí porque senti que a gente fazia as coisas muito na tentativa e erro”, conta, e diz o que o levou, mais uma vez, a pular fora:
“Pensei que devia haver um jeito jeito de fazer as coisas sem cometer tantos erros e que eu podia aprender com o erro dos outros. Aí fui para os Estados Unidos estudar”
Para se ter uma ideia de como as coisas estavam soltas, Eduardo diz que, na época, o iFood estava levantando dinheiro, mas ele “não tinha a menor ideia de como montava isso, quais os termos tínhamos que negociar, o que era importante e o que não era”.
POR QUE CRIAR UMA STARTUP SE JÁ EXISTIAM OUTRAS SIMILARES?
De volta a Stanford, Fernando e Eduardo analisavam o mercado brasileiro. Dos 65 milhões de lares, em 44% há pelo menos um cachorro e em 17%, um gato. São, ao todo, 130 milhões de animais domésticos no país — a quarta maior população do mundo nesse setor. Ou seja, era bem difícil imaginar que a ideia da DogHero seria original na época de seu desenvolvimento. “Já existiam uns cinco negócios parecidos”, lembra Eduardo, que ressalta que isso não impede a sacada de ser inovadora. Eles lançaram o negócio, confiando em um mantra do mundo das startups:
“O que vale é sua capacidade de execução. É errar mais barato, errar mais rápido e, no próximo mês, errar ainda mais barato que os outros”
Com isso em mente, ele, Fernando e Nelson Haraguchi, primeiro funcionário e hoje CTO, começaram a ver a startup crescer. Conseguiram, nessa fase, um bom aporte financeiro em três rodadas de investimento — a primeira com investidor-anjo e outras duas através de um fundo, somando cerca 15 milhões de reais.
Ter capacidade de execução, porém, não explica exatamente o que faz a empresa ser inovadora. Qual o segredo, portanto da DogHero? “Com o advento da internet, mobile, hoje há tem plataformas como a nossa, que são de confiança, e permitem transações entre pessoas, que podem até não se conhecer, mas que passam a ter uma reputação. Esse é o aspecto mais inovador: poder confiar numa pessoa por conta disso”, diz.
Para se tornar “anfitrião” é preciso passar por uma inspeção em seu lar para verificar os mecanismos de segurança existentes, especialmente no caso de apartamentos. Possuir um animal próprio não te impede de hospedar outros, mas ele precisa ser castrado e adestrado. Na DogHero, os “anfitriões” têm um perfil e, se fazem um bom serviço, isso fica exposto, assim como, se fazem um mau serviço, podem perder o cadastro. A cada mês, segundo o fundador, 5 000 pessoas se candidatam a “anfitrião”, e 1 000 são aprovados. Há cuidado, mas também confiança. Eduardo fala dessa dinâmica:
“Tendemos a ser bem desconfiados, mas, no geral, as pessoas são boas. Com os incentivos certos é possível trazer a virtude das pessoas à tona”
Se esse é o principal valor, também pode ser visto com o maior desafio. Como criar os incentivos corretos pra que a pessoa se comporte da forma que deve se comportar na plataforma? “Incentivamos que as pessoas se conheçam antes de entregar o cachorro, então pode ter um pré-encontro. Temos garantia veterinária, que traz essa confiança também, no caso de acontecer qualquer coisa o cachorro será bem cuidado”, diz Eduardo.
CACHORRO É FOFINHO, MAS NÃO É UM MAR DE ROSAS
Se você entrar na sede da DogHero, vai encontrar um ambiente de trabalho com 32 funcionários e média de idade baixa. A equipe é extrovertida e o lugar, todo colorido. Isso pode dar a entender que trabalhar lá dentro é uma grande delícia, e talvez seja, mas é bem menos simples do que parece.
A DogHero é hoje uma plataforma que intermedia a relação entre anfitrião e “pais” de cachorros. Além da garantia veterinária (que cobre despesas de até 5 mil reais), há um time de plantão para eventuais problemas em hospedagens, como a possibilidade do cão adoecer pela distância ou de ter problemas de adaptação em ambientes onde existam outros pets. Daí a necessidade da garantia. Eduardo diz, porém, que a taxa de acionamento da garantia é muito baixa: 5 vezes a cada 1.000 hospedagens.
Durante a conversa com o Draft, Eduardo lembrou de uma série de erros pequenos que ocorreram nesses três anos de operação da startup. Ele fala de um momento específico, que se tornou um grande aprendizado: a criação da “mensageria” dentro do aplicativo. “É superimportante poder falar com o cliente, ter essa conversa. É ali que se constitui a confiança, como se fosse um WhatsApp dentro do aplicativo. Estávamos com alguns problemas de performance nisso e, na transição do tipo de serviço fomos rodando, levantando funcionalidades novas, e tal… mas colocamos no ar e o negócio não funcionava. Ficou uma merda, foram três meses com um monte de reclamações”.
O ritmo de crescimento da startup não obedece a um planejamento exato, mas segue uma linha positiva. Em julho de 2015, eram 22 mil cachorros inscritos na plataforma. Na mesma altura em 2016, eram 114 mil. Hoje, são 300 mil. Eduardo fala dessa matemática: “Só dá para fazer planejamento quando se é uma empresa de capital aberto que cresce 3% ao ano. Quando você tem zero e a sua meta é construir um negócio, planejamento não existe. Teve dias que eu já falei para mim mesmo: ‘vai fechar’ e teve dias de falar ‘vai ser 50 vezes maior do que é hoje’. Então é difícil medir”, afirma, e resume sua vivência a esse respeito:
“Nenhum planejamento sobrevive ao primeiro contato com o cliente”
Mas é isso. E a ideia é seguir. Errar rápido, aprender rápido. Ele enumera alguns obstáculos que o negócio tem pela frente. Um deles é a expansão para novos mercados. Atualmente, a DogHero opera em quatro cidades na Argentina e tem como objetivo chegar a outros países. Para isso, eles contam com o espanhol Juan Manuel Becerro, country manager e professor de sua língua nativa para parte dos funcionários que buscam maior qualificação para lidar com o horizonte que se aproxima.
O SONHO É SE TORNAR UM HUB DE PET SERVICE
Além disso, há planos audaciosos pela frente. A DogHero quer se tornar um hub de pet service na América Latina, propondo outros tipos de serviços aos que possuem um cachorro em casa. Recentemente, começaram a testar o dog walking, um setor onde você consegue encontrar profissionais para passear na frequência que desejar com seu pet. O serviço ter uma concorrência competitiva, como a Pet Anjo, referência do modelo de negócio no mercado nacional. Eduardo estima o que virá pela frente:
“Queremos lançar outros serviços e vamos ter que aprender um monte de coisas, porque hoje só tratamos de hospedagem. É um desafio enorme”
Ele prossegue e fala de metas: “Hoje atendemos 1 a 2% dos cachorros do Brasil. Queremos atender 30, 40%. Tem muito caminho pra correr aí.” E, como ninguém faz nada sozinho, há ainda o desafio de montar o time. Um bom time, de preferência. “Montar o time é f***”, diz Eduardo. “Pessoas são difíceis e montar o time é crucial. Porque você tem uma capacidade finita de coisas que consegue fazer e a única forma de aumentar essa capacidade é ter outras pessoas para executar como você executaria”, diz.
Entre cafunés, amizades e narizes gelados, a DogHero segue em frente e se candidata como uma porta-bandeira da economia colaborativa, da relação de confiança e da crença no lado bom do ser humano. Os heróis, aqui, não são os peludos.
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Picadinho de frango com cúrcuma, risoto suíno com abóbora… Com receitas caprichadas vendidas no petshop ou entregues na porta de casa, A Quinta, dos irmãos Diego e Tiago Tresca, quer mudar a forma como você alimenta o seu cão.