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Como a tecnologia revolucionou o mercado financeiro (no relato de quem fez parte da mudança)

Bruno Leuzinger - 16 out 2017
Há dois anos na Easynvest, Rafael Gottardi fez parte do time que abriu caminho para o pregão eletrônico na BM&F
Bruno Leuzinger - 16 out 2017
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Você já deve ter visto cenas assim no cinema. Se quiser refrescar a memória, digite “pregão viva voz” no Youtube: invariavelmente, os vídeos mostram uma balbúrdia de homens estressados, com telefones trambolhudos na orelha e a gravata frouxa no colarinho, acotovelando-se enquanto negociam ações numa gritaria coletiva que deixaria no chinelo qualquer comício ou jogo de futebol. Hoje parece inacreditável, mas era nesse ambiente caótico que pulsava o coração do mercado financeiro.

Head de desenvolvimento de softwares da Easynvest, Rafael Gottardi, de 35 anos, viu e viveu de perto essa realidade. Em 2005, ele começou a trabalhar na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F, hoje fundida à Bovespa) de São Paulo, onde entrou para cuidar das tecnologias de sistemas que atendiam o pregão viva-voz.

“Caí de paraquedas em um negócio que eu não tinha a menor ideia do que estava acontecendo. Havia 1.200 operadores negociando ali. Era um mundo novo, foi meio chocante.”

A rotina insalubre não era exclusiva de quem estava na linha de frente da compra e venda de papéis. No primeiro mês, Rafael registrou 327 horas de trabalho (contra 160 do que seria uma carga horária normal). Cuidava de três sistemas, um dos quais só rodava de madrugada e vivia dando pau. Nesse período, ele virava dia e noite trabalhando. “Já dormi muitas vezes no CPD [Centro de Processamento de Dados] da Bolsa, ao lado do mainframe. Era um ritmo bem insano naquela época.”

A gritaria dos operadores era apenas a face aparente das transações da BM&F, que eram então suportadas por um hardware criado especificamente para negociação de pregão. “Ver aquele computador funcionando foi uma das coisas mais bonitas da minha carreira de tecnologia. Mesmo ligado, você podia trocar uma peça e ele não parava de negociar.” A máquina, porém, tinha limitações. “Não era muito escalável: para deixá-lo mais potente você precisava de outro igual. E o preço era impeditivo.”

O mercado crescia e exigia uma solução mais flexível, cuja capacidade pudesse ser incrementada conforme a demanda. Assim, ainda em 2005, Rafael e um time de colegas de TI foram recrutados para uma missão: desenvolver internamente uma plataforma de negociação baseada em computação distribuída.

Desenvolver uma ferramenta desse tipo implicava em desafios. “Trabalhar com preços que trocam cinco, dez mil vezes por segundo… Eu não conheço outra área com um volume de dados tão grande, um modelo tão frenético que demande tanta tecnologia de ponta.”

Para Rafael, os períodos de hiperinflação do passado contribuíram positivamente para criar um mercado financeiro no país mais restritivo e bem regulado – e de quebra, formar profissionais de TI com um perfil mais cascudo: “O pessoal de desenvolvimento de tecnologia de mercado financeiro é geralmente visto como a tropa de elite. Se o cara nao for muito bom, ele não sobrevive nesse meio.”

A nova plataforma “feita em casa” começou a funcionar apenas três anos depois, em 2008. E ajudou a impulsionar uma ruptura crucial: o Side by Side, a operação simultânea de alguns papéis no pregão viva-voz e no eletrônico. Foi o começo do fim para o jeito antigo de negociar ações, baseado no gogó. “Alguns ativos ficaram muito mais eficientes no eletrônico. E aqueles caras que faziam o trabalho manual de operar, de negociar no grito, começaram a perder função.”

Era até covardia: uma negociação que seres humanos realizavam em dois minutos durava uma fração de segundo pela via eletrônica. O Side by Side escancarou essa discrepância. E as corretoras começaram a cortar seus operadores. “O pregão deu uma emagrecida muito rápida. De 1.200 operadores, de repente havia apenas 600.”

Quando a tecnologia desaloja trabalhadores, a reação comum é dirigir a sua raiva contra um rosto humano, em busca de um culpado (pense nos taxistas atacando os motoristas de Uber). Rafael passou por alguns perrengues nessa época. “Uma vez, eu estava almoçando, um cara chegou e apontou o dedo: ‘Eu sei o que você está fazendo, a minha família vai passar fome e a culpa é tua!’”. Em outra ocasião, caminhando na rua, ele ouviu ameaças de longe, de outro operador recém-demitido.

Mudanças maiores estavam em curso. Em 2007, a desmutualização da Bovespa e da BM&F fez com que as bolsas deixassem de ser entidades sem fins lucrativos. Era o primeiro passo para a fusão e o lançamento dos respectivos IPOs (Initial Public Offerings, ofertas públicas iniciais de ações), que atraíram dezenas de milhares de pessoas que nunca haviam investido em ações. O próprio pregão eletrônico ajudou a abrir o mercado a novos investidores, antes intimidados pelo ambiente agressivo.

O pregão viva-voz seguiu agonizando por alguns meses, até a última sessão, em junho de 2009. Rafael deixou a BM&F no ano seguinte. O ritmo no trabalho já não era nem de longe tão insano como antes, mas a esposa engravidou e ele preferiu trocar de emprego para poder passar mais tempo com a família. No decorrer dos anos, deu consultorias, trabalhou em corretoras, até chegar à Easynvest, em 2015.

Em novembro, Rafael completa dois anos “de casa”, tempo que o qualifica como um dos veteranos: dos 230 funcionários atuais, 90% trabalham na corretora há um ano e meio ou menos. “Como a empresa cresceu muito rápido, havia uma carência de pessoas de tecnologia com esse meu conhecimento de negócios, de como funciona a bolsa e o mercado financeiro…”

Dizer que a Easynvest “cresceu muito rápido” não dá conta da velocidade dessa expansão. Nos dois anos desde a chegada de Rafael, a Easy sextuplicou sua base de clientes, de 45 mil em 2015 para esperados 300 mil no fim de 2017. O salto tem a ver com uma quebra de paradigma, em que a tecnologia deixou de ser entendida como suporte, ganhando lugar central na operação.

“Antes, nos víamos como uma corretora que tinha um portal de tecnologia. Agora, nos vemos como uma empresa de tecnologia do mercado financeiro”, diz Rafael. “Esse mindset mudou nesses dois anos que eu estou aqui. Hoje, temos cultura, cabeça, pensamos como uma empresa de tecnologia.”

A mudança de mentalidade se traduz no número de colaboradores. Quando Rafael chegou à Easy, a equipe de tecnologia resumia-se a sete pessoas, “do menino que conserta o seu computador e vê se o seu o e-mail está funcionando até o cara que desenvolve a arquitetura do sistema”. Hoje, apenas dois anos depois, são setenta profissionais de tecnologia, dez vezes mais (e há pelo menos vinte vagas abertas).

Esses profissionais são organizados em squads de cinco a 12 pessoas, para atacar desafios paralelos em projetos de três meses. “Montamos times multidisciplinares onde eu tenho um designer, um cara de produto, um cara de usabilidade, um desenvolvedor de back-end, um desenvolvedor de front-end, um desenvolvedor de aplicativos mobile, e cada time tem foco numa área de negócio”, diz Rafael.

A performance impulsionada por inovação e dinamismo alçou a Easynvest à lista das 250 fintechs mais promissoras do planeta, divulgada em junho pela consultoria CB Insights. Nada mal para uma empresa prestes a completar meio século, fundada com o nome de Título Corretora no longínquo ano de 1968.

E daqui pra frente? Qual é a receita para seguir crescendo e criando novas soluções em serviços financeiros? “Continuar inovando”, diz Rafael. “Nós já fizemos isso uma vez. O mercado estava despreparado, mas agora já percebeu e está vindo atrás.”

No que depender da galera da Easy, a concorrência vai continuar comendo poeira.

 

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