Se fosse um filme, a história da criação do b.Connect – Programa de Conexão da BRF com Startups, lançado em agosto de 2016 – seria parte do Cinema Novo (movimento brasileiro iniciado em 1952) e seu mais famoso mantra: uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.
A comparação se explica pelas palavras da responsável pelo programa Kelly Galesi, 35, Head of Startup Engagement Program – Global Innovation da BRF (a gigante de alimentos, dona das marcas Qualy, Perdigão e Sadia). “O desafio proposto pelo nosso gestor, desde o momento zero, foi que pensássemos como uma startup. Não tínhamos dinheiro, nem pessoas. Tínhamos hipóteses que precisavam ser comprovadas”, conta. E como uma típica startup de sucesso, o b.Connect está ganhando escala e dissemina-se pela companhia. O objetivo para o ano que vem é torna-lo global, levando-o para as operações da Ásia e Oriente Médio.
A missão do programa é empoderar as áreas de negócios para que elas inovem em parceria com startups. Por isso, a estrutura comporta um responsável geral e sponsors de outras áreas. Atualmente, 10 líderes estão empenhados em inovar por meio do b.Connect. O fluxo de interesse e de conexão acontece em mão dupla. Há startups que procuram o programa e são apresentadas a áreas de negócio com potencial de aderência. E há casos de áreas de negócio trazerem desafios e Kelly ir atrás de startups com possíveis soluções.
A visão da BRF é que inovação é uma ferramenta do dia-a-dia para atingir resultados. A trajetória profissional de Kelly corrobora essa visão e a levou para a empresa em 2015, para participar da estruturação da área de inovação. Antes, a executiva trabalhou oito anos na Whirpool (fabricante de eletrodomésticos das marcas Brastemp, Consul e Kitchenaid), onde deixou de atuar com comunicação – sua formação é em Publicidade e Propaganda – e passou a olhar negócio, estratégia e… inovação. “Meu grande aprendizado lá foi entender que a área de inovação ia se moldando conforme os desafios da empresa. Eu queria saber também como era pensar em inovação no mercado de bens não-duráveis, por isso, vim para BRF”, fala.
Kelly defende apaixonadamente que a habilidade mais valiosa de um profissional é olhar para problemas complexos e, a partir deste olhar, trazer a solução. Ela diz que:
“É preciso enxergar quais problemas se consegue resolver com a equipe que existe e quais valem a pena ser resolvidos com outro tipo de ajuda”
Essa habilidade, definida como problem solving, será foco de uma mesa de debates da qual Kelly participará no 2º Empower/Summit, que acontece dia 24 de outubro, em São Paulo, do qual o Draft é Media Partner. Aliás, quando instigada a resumir o b.Connect, ela diz que o problem solving foi o estopim e é também a forma como o programa tem escalado internamente.
É provável que o surgimento do b.Connect faça parte da jornada de transformação pela qual a BRF passa, desde 2013, quando Abílio Diniz chegou à presidência do Conselho Administrativo da empresa. Desde então, o alto escalão da companhia foi trocado e o primeiro resultado negativo no balanço anual foi registrado em 2016, o que culminou em nova troca de comando da empresa, marcada para acontecer em dezembro deste ano.
DE BAIXO PARA CIMA
Tudo começou com um movimento interno de colaboradores iniciado durante um evento corporativo que pretendia destacar a importância de se ter times multifuncionais que se propusessem a resolver problemas.
As equipes foram reunidas para elencarem o que gostariam de resolver e achar soluções. Durante 100 dias, os grupos de trabalho foram desafiados a gerar aprendizados. Um desses grupos, do qual Kelly fazia parte, acreditava que a indústria de alimentos precisava se reinventar e se propôs o objetivo de provar que a BRF tinha capacidade de inovar. “Nós (um grupo de 10 pessoas) fizemos essa jornada junto com as startups porque entendíamos que elas olham para o futuro, trazem novidades para as áreas de negócio e conseguem propor formas diferentes da gente operar. Afinal, resolver problemas complexos é do que as startups mais gostam”, fala.
Findo o período probatório, houve outro evento em que o CEO e os VPs da companhia foram colocados em contato com as startups selecionadas e os primeiros resultados da iniciativa. “Foi bacana porque foi um grupo que trouxe à tona, já de uma forma concreta, mostrando valor na construção de uma rede, de um espaço para conexão e ainda que o ecossistema brasileiro está preparado para isso”, conta. A partir daí o projeto ganhou importância, tornou-se um programa oficial e até discussões estratégicas evoluíram a partir do b.Connect.
DE DENTRO PARA FORA OU OS 100 DIAS DE PIVOTAGEM
Para descobrir que tipo de programa fazia sentido para a BRF, tanto no Brasil quanto na operação global, o mergulho foi profundo. A executiva conta que eles tiveram que falar com empreendedores, fundos de venture capital, investidores independentes, aceleradoras, incubadoras e universidades. “Pesquisamos primeiro o ecossistema do Brasil e depois fomos para uma imersão no Vale do Silício, onde ficamos 3 meses, para entender o movimento num mercado em que a cadeia de food e agritech é forte”, diz Kelly.
Para defender o projeto diante da companhia, todo esse esforço fazia sentido. Um ponto exaustivamente investigado foi a necessidade de criar um programa padrão.
“Percebemos que uma das riquezas dessa relação estava em não ter algo formatado porque, nem sempre, a dor da empresa é a mesma da startup”
A prática provou que, a depender do desafio, a relação era totalmente diferente. Surgiram startups que precisavam de investimento, outras precisavam de espaço físico dentro da fábrica para testar a solução. Percebeu-se que o maior valor era achar a startup que tivesse a solução para ser usada na cadeia. A partir disso, a relação é totalmente customizada. Podem ser feitas Provas de Conceito ou PoC, pilotos, em que o investimento já é maior, e contratos de parceria. Tudo estudado caso a caso.
A BRF não divulga os valores injetados no b.Connect. Afirma apenas que várias áreas acreditaram no programa e foram investindo nas ações propostas. Para 2018, Kelly vai apresentar um orçamento que engloba o desenvolvimento de uma plataforma digital para facilitar o cadastramento de startups e o envio de vídeos com apresentação das empresas.
De uma base de 200 startups já contatadas pelo programa, hoje, estão em andamento 15 projetos em diferentes fases. Um deles com bastante repercussão foi trazido através do Programa Conexão Startup Indústria da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI. “Estávamos com um desafio imenso de como elevar a régua nas operações aviárias, tanto em granjas quanto na indústria. Trouxemos três startups – DEV Tecnologia, ENG Tecnologia e @tec – para trabalharem conosco na integração Granja-Indústria, usando IoT e inteligência artificial”, diz.
O projeto começou há dois meses, está na fase de PoC e traz um desafio a mais por ter soluções complementares de empresas distintas. A iniciativa tem demandado um esforço gigante dentro da companhia por envolver a área de TI (entende a integração das ferramentas com as operações), a área de agropecuária (cuida de nutrição, saúde e bem-estar dos animais), as granjas (operadas independentemente) e a indústria em si (por meio das áreas de engenharia e planejamento de demanda). Se tudo correr como o planejado o ganho na operação será imenso.
Curiosamente, uma das primeiras áreas a aderir a um projeto via b.Connect foi o Tributário, que costuma carregar a pecha de tradicional. Como a indústria do alimento está sujeita a mais de 1.3 milhões de regras tributárias (1/4 de todo o volume de normas tributárias editadas anualmente), manter-se atualizado é um esforço e uma necessidade. A parceria com a startup Dom Rock, iniciada no começo de 2017, está na fase piloto e veio para auxiliar na automatização do acompanhamento da legislação tributária aplicável à indústria alimentícia. A expectativa é conseguir os primeiros resultados concretos ainda este ano.
Existe também um pilar do programa dedicado à mudança de mindset e diminuição de barreiras da organização, chamado Bdrops. Como o programa ainda não está conectado a 100% das áreas, regularmente, são promovidos mini eventos e interações nas unidades da BRF para divulgá-lo. “São pílulas de conhecimento e cultura para contaminar positivamente as pessoas e mostrar o programa de uma forma prática, para resolução de problemas reais”, fala.
Ao colocar a companhia em contato com o mundo das startups, o b.Connect instiga transformação. “A primeira mudança foi pararmos de olhar somente ao nosso redor e ir além, entender o que outras empresas menores estavam fazendo. Ao ampliarmos a visão, a disrupção do negócio pode vir de lugares inimagináveis”, diz Kelly.
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