Ao dar a primeira mordida no “croque do padeiro”, percebo o motivo de, em pouco mais de um ano, a carioca The Slow Bakery, ter se tornado uma referência gourmet – e saudável — na cidade, figurando entre as descobertas do site Eater. A “padaria artesanal carioca”, como está escrito no letreiro, fica em uma inóspita rua do bairro de Botafogo, e a história por trás das fornadas nada tem a ver com os episódios clássicos de gerações na padaria ou cursos na França.
O casal de fundadores, o carioca Rafael Brito Pereira, 46, e a brasiliense Ludmila Espíndola, 42, vem da área de publicidade e audiovisual. Até 2014, nunca tinham assado um mero pãozinho. São empreendedores de raça. Para eles, a vida profissional desabrochou aos 40 — e por isso essa história vale tanto.
Depois de dois anos de muitos aprendizados, permutas e colaborações, eles inauguraram a padaria em março de 2016. No primeiro ciclo o faturamento somou um milhão de reais. Eles esperam fechar o 2017 com o dobro. “Ainda existe um mito de que se algo é artesanal, é pequeno. Mas estamos conseguindo mostrar que o artesanal escala, sim, e escala com qualidade”, diz Ludmila. Eles já foram convidados a abrir filiais em São Paulo, Lisboa, Nova York e até Nova Iguaçu (RJ), mas Rafael não se anima. Ele pensa diferente sobre o negócio e, principalmente, o seu crescimento. “O ideal é ter uma Slow Bakery, com pães cuidados e saudáveis, em cada bairro do Rio ou em qualquer cidade do Brasil”, diz, e prossegue:
“Não quero ter filiais longe. Quem tiver interesse, pode me procurar que eu ensino tudo. Se isso incentivar a cultura do pão, para nós, já tem um enorme valor”
E, de fato, ele já foi contratado como consultor algumas vezes, para restaurantes interessados em sua técnica. Mas voltemos ao início da história dos dois, casados desde 2007, e que já empreendiam juntos antes de sofrerem, também juntos, o abalo em suas profissões e mercado. Eles contam que entre 2010 e 2013, uma crise muito forte abalou a agência de conteúdo que administravam no Joá, bairro de São Conrado, também no Rio. O lugar era lindo, paradisíaco, mas eles sentiram que a agência não teria mais futuro. Era hora de mudar de área e, juntos, resolveram resgatar um sonho que Rafael guardava no fundo da gaveta: fazer pão.
Os dois sempre foram atentos ao que comem, buscando opções saudáveis e nem sempre óbvias no dia a dia. Rafael se inspirou no movimento no Slow Food (daí viria também o nome do business), linha que respeita os ingredientes e produtores, e colocou na cabeça que iria fazer pães no estilo sourdough (tradução literal: massa azeda), uma receita rara, cuja fermentação utiliza lactobacilo e fermento natural. No entanto, ele não encontrou cursos sobre esta panificação no Brasil. Ao mesmo tempo, estudar do exterior seria financeiramente inviável.
COMEÇAR DO ZERO É MELHOR QUE NÃO COMEÇAR NUNCA
O jeito foi buscar sozinho o conhecimento que precisava. Rafael comprou o livro Tartine, na Amazon, e foi aprender sozinho o tal pão. “Só a receita tem 60 páginas”, brinca Ludmila. Além do livro, ele também pesquisou muito sobre a química do processo de panificação, usando apostilas do curso técnico Senac. A mesa, computador e cadeira da antiga agência de conteúdo, deram lugar a bancada e forno. Ente abril e novembro de 2014, o novo “chef” testou incontáveis receitas e, em novembro daquele ano, o produto estava no ponto. Juntos, optaram por abrir uma loja virtual.
Eles cadastram assinantes, enviaram newsletters, e preparam fornadas semanais, já sabendo a quantidade certa a ser produzida. O pão Rio Sourdough na versão de 500 gramas custa 19,50 reais (a versão de 1 quilo sai por 39 reais). Como os pães levam dois dias para ficar prontos, eles preparavam a massa entre quinta a sexta-feira, assavam na própria sexta, e saíam de moto entregando em domicílio pela cidade. Rafael conta que enfrentou muita desconfiança:
“Ouvíamos que esse pão não daria certo porque brasileiro não compra ‘pão grande e cascudo’. Mas queríamos mostrar que a experiência vai além. E conseguimos”
Aconselhado pelo amigo e azeitólogo Marcelo Scofano, Rafael foi em busca da melhor farinha. Segundo o amigo, colocar pão na mesa de uma família é uma imensa responsabilidade mas “não existe farinha sem química no Brasil”. Ele recomendou a marca italiana Le 5 Stagioni, de altíssima qualidade. No entanto, localizar o representante da marca no Brasil era missão impossível. Ao, finalmente, achar o sujeito, nasceu uma permuta: Rafael, que entende de design e tecnologia, ofereceu-se para desenvolver um site para o novo parceiro — em troca de uma tonelada de farinha.
“Passamos o primeiro ano da Slow com essa permuta, além de empréstimo da família para comprar um forno melhor. Usávamos água de nascente, que era puríssima do Joá, e seguimos em frente sem pensar muito”, conta Ludmila.
OS ALTERNATIVOS SE ENCONTRAM — E SE FORTALECEM
Em dezembro daquele ano, um amigos lhes apresentaram a Junta Local, um coletivo de produtores artesanais que aproxima quem produz de quem consome, eliminando os intermediários e tornando seus produtos – queijo, molhos, biscoitos — mais acessíveis para todos. “Este conceito existe em Nova York e outras cidades, mas no Rio ainda era revolucionário”, diz a empreendedora.
A dupla passou a vender os pães ali e, em duas horas de feira, não sobrava nem migalha. Além da Junta, os pedidos online foram crescendo, chegavam a 60 entregas por sexta-feira, obrigando-os a buscar um esquema de entrega mais estruturado. Eles então se juntaram ao Ciclo Courier, um coletivo de ciclistas que se organiza colaborativamente e promovem entregas conscientes.
Com as vendas escalando, Rafael e Ludmila foram em busca de “uma fabriquinha”, para ter espaço e ampliar a produção. O ano era 2015 e, imagine, o valor dos aluguéis pré-Olimpíadas estavam nas alturas. Ludmila fala a respeito:
“O Rio de Janeiro não é uma cidade propícia para empreendedorismo, principalmente para o empreendedor que não é investidor”
Não que eles não tenham investido nada no próprio negócio: colocariam 70 mil reais, de economias pessoais, mais os 36 mil, vindos da campanha de crowdfunding. Mas não dava para alugar nada nas regiões hipervalorizadas da cidade. Eles contam que procuraram por todas as partes. “Até que caímos nesse ponto improvável, uma oficina mecânica, perto do Cemitério São João Batista. Resistimos, porque o sonho era um lugar aprazível e arborizado. Mas o aluguel era barato, a prefeitura liberou e decidimos encarar este lugar como uma parte do nosso conceito: criar com muito pouco”, Ludmila.
O imóvel era todo azulejado, o que facilitou (esta é uma exigência para cozinhas) e o espaço passou por obras e instalações hidráulicas. “Foi uma guerrilha. Montar uma cozinha profissional no Brasil é custoso, levou quase um ano para completá-la”, diz ela, que usou 60 mil reais da herança deixada pelo pai, e mais 10 mil reais de empréstimo de família. “Abrimos a fábrica na parte atrás da padaria, mas não sobrou dinheiro para a parte da frente: o café. Eles optaram, então por fazer uma campanha de financiamento coletivo, no site Benfeitoria. Em outubro de 2015, pediram 24 mil reais. Em dezembro, fecharam outra, com 36 mil reais, vindos de 163 colaboradores.
Em janeiro de 2016, eles contrataram o primeiro funcionário: Pablo, de 18 anos, um estudante vindo do NATA, escola de tecnologia dos alimentação. Por dois meses, eles venderam pães para fora e em março, abriram o café, com o Pablo e mais dois funcionários. No primeiro sábado, a fila na porta já era enorme. Ludmila fala de como administraram essa demanda:
“Não tínhamos nem experiência, nem cardápio. Falávamos os pratos de cabeça. Mas tínhamos um plano financeiro: sem dinheiro em caixa, precisávamos fazer tudo direito”
Ela acredita que a boa resposta do público vem do compromisso que têm com o produto: “Tenho um café especial, um ótimo pão, o melhor queijo artesanal”. Aos poucos, elaboraram o menu e passaram a produzir mais variedades de produtos na casa: queijo, cottage, manteiga, geléia, mostarda e picles. Atualmente, o café tem uma equipe de onze pessoas, além dos donos.
“Não conseguimos copiar nenhum negócio no Brasil”, diz Rafael. “Aqui, não temos garçom. As pessoas pedem no balcão e a gente leva até a mesa. É um tipo de serviço incomum no Brasil, foi difícil as pessoas se acostumarem. Em compensação, não temos hierarquia. Os onze funcionários têm o mesmo salário e a mesma participação nas vendas. Por sinal, o salário é bem acima da média dos bons restaurantes cariocas. Este modelo é um pilar importante para nós.” Ele conta que toda a equipe é multitarefa e que essa a inspiração veio de modelos americanos e europeus:
“Aqui as funções não são específicas, todos se apóiam. Sim, todos lavam louça e dão suporte ao salão quando a cozinha está sobrecarregada. E vice-versa”
Aos poucos, eles mapearam os horários de pico, alocando os funcionários onde há maior demanda. A Slow Bakery não abre aos domingos e nem segundas-feiras, por isso o sábado é um dia tranqüilo na cozinha (já que não há pré-preparo de pão) mas, por outro lado, há uma rotatividade de 60 mesas a ser atendidas no salão.
UM PADEIRO QUE NÃO MADRUGA PARA FAZER PÃO
O café atende de 700 a 1 000 pessoas por semana. São quatro toneladas de pão por mês, modelados manualmente, com fermento natural e de longa fermentação. O preparo do sourdough, no entanto, não compromete a qualidade de vida. Como o pão leva dois dias para ficar pronto, não é preciso madrugar. A primeira equipe chega na padaria às seis e meia da manhã. A “batida” começa uma hora depois, quando eles separam todas as farinhas. Entre meio-dia e uma da tarde a massa vai para um fermentador, uma geladeira com controle de umidade. A fermentação a frio faz com que a massa não resseque. Esta massa descansa até o dia seguinte, e é assada entre oito da manhã e duas da tarde.
O café virou ponto de encontro, onde os clientes e os colaboradores do crowdfunding se sentem também um pouco donos do negócio. Ludmila fala da sensação:
“Nesta sociedade tão individualista em que vivemos, é muito bacana entender o poder do coletivo”
Além do croque do padeiro, os habitués estão ali para saborear o “croque da fofa”, receita vegetariana com cebola caramelizada, o Hill, pão best-seller que homenageia a cidade de São Francisco, e o “joelho”, brioche enrolado, cujo nome é uma ode ao item mais famoso dos bares populares cariocas. O segredo do croque do padeiro? “Queijo meia cura brasileiro, com queijo da Serra da Mantiqueira. Não há nada de francês,” diz Ludmila.
O casal está sempre presente, lava a louça, sim, e diz que criou um modelo de negócio adaptado ao pico de quarentões: “Certa vez, fechamos a padaria por uma semana. Estávamos muito cansados. Demos recesso coletivo e fomos descansar em Búzios. É um tipo de liberdade que temos. Decidimos fazer um modelo que fizesse sentido para as nossas vidas”, diz o padeiro que não madruga para fazer pão.
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