Uma empresa de Florianópolis tem um objetivo ousado: mudar o serviço público brasileiro, fomentando pensamentos inovadores. Nas palavras de André Tamura, 34, um dos sócios da WeGov: “queremos criar um governo único para um cidadão único, iluminando as boas ideias e ações, aproximando as diferentes esferas dos poderes e empoderando os servidores com ferramentas para estimular a mudança”. Oficialmente fundada em 2015, a WeGov começou a ser elaborada bem antes disso, talvez de forma meio inconsciente, em 2010, por outra sócia, Gabriela Tamura, 31, hoje esposa de André.
Na época, Gabriela estudava na primeira turma de Administração Pública na Universidade do Estado de Santa Catarina, a Udesc. Paralelamente, ajudava a tia que era dona de uma empresa de capacitação de servidores públicos, o Centro de Estudos Temáticos para Administradores Públicos, ou Cetem. Mas foi durante um estágio, no qual tinha a função de gerenciar as redes sociais (na época, ainda se falava em Orkut e Fotolog) de um político que ela se viu com dúvidas sobre como e o que publicar — e percebeu, aí, a lacuna de informações voltadas especificamente para o setor público. “A maioria dos professores do curso vinha do setor privado, mas é muito diferente. Não dá para simplesmente aplicar o que se faz no setor privado no público”, conta.
Em 2012, cada vez mais frustrada, Gabriela passou a investir em suas próprias ideias na empresa da tia. Ela fala a respeito:
“Nunca fui ativista, mas sempre acreditei que o governo é uma forma de fazer grandes coisas acontecerem, sem necessariamente precisar ser político para isso”
Com a ajuda do então namorado André, formado em Ciências Econômicas na UFSC e que pediu demissão de seu emprego como consultor de negócios por sentir um desejo cada vez maior de transformar o formato tradicional de empresas, que na visão dele “replicam a indústria dentro de escritórios”, os dois começaram a “inventar moda” no Cetem.
“O Cetem ajudava o governo a funcionar, mas nós queríamos criar um novo governo”, diz Gabriela. Juntos, os dois elaboraram um conjunto de palestras, workshops e cursos para ensinar aos servidores uma nova forma de pensar. “A principal barreira atualmente é a falta de colaboração entre os órgãos, ninguém aproveita a máquina para criar algo em conjunto, às vezes gastando muito mais do que o necessário para criar soluções diferentes para o mesmo problema”, diz André. “Sempre tivemos o cuidado de não cair na abordagem motivacional, de autoconhecimento. Não raro, eles passam para a gente o que precisam saber ou resolver e nós estruturamos”, completa Gabriela.
Foram dois anos neste ritmo, até que o projeto dos dois se tornou maior do que o Cetem e, quase literalmente de um dia para o outro, eles perceberam que tinham que fundar a WeGov. “Foi como se estivéssemos incubados, prototipando nossas ideias durante este período, então oficializar a WeGov como nossa própria empresa foi muito orgânico”, diz Gabriela. E deu muito certo, pois a vantagem do período “incubada” é que a WeGov já nasceu conhecida. Com apenas 15 mil reais de investimento inicial, vindos de economias pessoais, os dois passaram os primeiros três meses trabalhando em casa, mas em seguida mudaram para um espaço de coworking com mais dois funcionários. O ano foi bom. Em 2015, faturaram cerca de 500 mil reais com treinamentos para servidores públicos com essa abordagem. Até que veio a crise.
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A crise econômica e política de 2016, com impeachment e a ameaça do Zika vírus vieram justo quando o casal tinha decidido engravidar e dificultou o andamento dos negócios. “As pessoas queriam ‘comprar’ as coisas de graça”, conta Gabriela. O faturamento caiu para 300 mil reais, sem perspectivas de melhoras. Endividados, os dois chegaram a concordar que, se no próximo ano o cenário não melhorasse, voltariam a buscar empregos tradicionais. A poucos dias do “prazo”, em 26 de dezembro de 2016 (há exatamente um ano), receberam a ligação que mudaria o rumo do negócio: o dono da Sotfplan, uma das maiores empresas de softwares de gestão do país, viu uma palestra da WeGov e quis bater um papo com os sócios.
Pegos de surpresa, tiraram da gaveta um projeto antigo, o HubGov, um programa institucional de inovação. “Nós percebíamos que muitas vezes as pessoas participavam de nossos workshops ou palestras e ficava por isso, não tínhamos o acompanhamento posterior para ver se algo de fato mudou”, conta André. A ideia por trás do HubGov é fazer o acompanhamento completo do processo, do início ao fim.
Neste formato, cada instituição pode inscrever quatro participantes com um desafio a ser trabalhado e, durante seis meses, recebe orientações da WeGov até implantar a solução. O dono da Softplan topou. Com o patrocínio, o custo do programa oferecido para as instituições caiu de 32 mil reais para 18 mil reais. Isso ajudou a atrair 14 instituições catarinenses como clientes — entre elas a Secretaria de Segurança Pública, a Assembleia Legislativa, os Correios e o Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina.
O HubGov foi um sucesso. Foi durante ele que funcionários dos Correios criaram uma solução simples para um problema antigo, a pilha de objetos sem destino nos centros de distribuição. Com o aplicativo Estou Aqui (que deve ser lançado em 2018), o cliente poderá atualizar seu endereço nos Correios e em todos os órgãos públicos do Estado, com poucos cliques. Além de facilitar a chegada de cartas e encomendas aos clientes, o app vai diminuir os custos de retrabalho pelas três tentativas de entrega, que nem sempre dão certo. No TRE catarinense, por sua vez, os servidores criaram uma rede de comunicação para enviar alertas individuais aos eleitores lembrando-os de fazer o recadastramento biométrico.
Com elementos de “intensivão”, de consultoria e de incubadora para os servidores públicos, o ambiente oferecido nos laboratórios da WeGov é intencionalmente favorável à criatividade. “Os participantes são estimulados a resolver os problemas, mas sem as amarras da repartição ou mesmo as políticas”, conta André, e prossegue:
“Vimos funcionários de diferentes instituições se organizarem como numa comunidade e começarem a trabalhar juntos. Até o governador nos visitou para conhecer o programa.”
Para o negócio, esse reconhecimento significou também um salto no faturamento, que chegou a 600 mil reais em 2017, e está com boas perspectivas para o ano que vem.
A segunda edição do HubGov já está confirmada e foi ampliada para outros dois estados, São Paulo e Goiás, além do Distrito Federal. A expectativa é de faturar 1,2 milhão de reais em 2018, contando com a receita do HubGov e dos outros produtos da WeGov — no início de dezembro, por exemplo, eles fizeram uma oficina de Social Media para 30 integrantes do Ministério de Fazenda —, que continuam ativos. Mais do que isso, os sócios não escondem o orgulho ao contar as mudanças que surgiram graças ao trabalho da WeGov.
“A inovação não é algo parado que se possa pegar, mas é uma direção, um caminho, e nós conseguimos orientar os servidores durante essa trajetória”, diz André, que ressalta que seu business não é uma consultoria: “Tudo o que entregamos, deixamos com eles, que são independentes para agir a partir dali.” Não à toa, ele conta que o sonho dele e de Gabriela é que algo como a WeGov seja desnecessário um dia. Ou seja: que todas as instituições públicas incorporem naturalmente esse modus operandi. A sorte (ou azar?) é que, por enquanto, têm um longo caminho para percorrer – e muita gente para orientar ao longo dele.
Localizada no Vale do São Francisco, a desenvolvedora Sysvale ajuda os gestores públicos a identificar problemas na atenção básica; durante a pandemia, lançou até módulo para facilitar gestão de vacinas.
A edtech oferece soluções para diagnosticar com precisão o conteúdo absorvido pelo funcionário, além de identificar lacunas a serem trabalhadas. Petrobras, um dos clientes, reduziu para 1% o número de acidentes de trabalho.