Pedir demissão do emprego atual, mudar da capital para um lugar mais tranquilo e abrir algum negócio, tipo uma pousada. Se você trabalha em um emprego formal, é bem provável que esses pensamentos já tenham passado pela sua cabeça. E é bem possível que eles ressurjam a cada segunda-feira arrastada — ou toda vez que você se sente mais feliz nas férias do que no trabalho. Muita gente cogita fazer isso, mas passa a vida sem tomar uma iniciativa em sua direção. Por muito tempo, esta foi a situação de Henrique Möller. Ele não sonhou ter uma pousada, mas se algo pode ser dito sobre Henrique é que ele não teme mudanças. Hoje, depois de realizar uma travessia pessoal para a outra margem do rio, é dono de um espaço gastronômico para eventos no interior do Rio Grande do Sul, com verde e água por todos os lados: O Butiá.
Sim, a história do cara que batia cartão em São Paulo e largou tudo para tocar um negócio em um lugar paradisíaco não é lenda urbana. Mas o gaúcho de Porto Alegre já vinha de uma vida de mudanças.
Em 1989, trancou a matrícula da faculdade de publicidade tendo cursado apenas três meses e se mandou para a Alemanha. Foi o desejo de se reconectar com sua história pessoal e familiar que fez Henrique trocar de continente para estudar. “Sempre tive vontade de aprender alemão. Minha família toda é de origem alemã e meus avós e pais falavam alemão comigo. Mas quando fui para a escola não falei mais. Então ficou aquele desejo”, conta.
Apesar do país viver um furacão de transformações (o muro de Berlim tinha acabado de cair), Henrique foi nadar em águas mais tranquilas. Ele sempre praticou atividades náuticas e por isso escolheu viver em cidades menores para usufruir de seus lagos e rios, como Konstanz e Würzburg. Depois de estudar linguística e germanística, Henrique se encontrou no design, área em que acabou se formando em 1996.
De volta ao Brasil, desembarcou em Porto Alegre. A intenção era ganhar tempo para decidir os próximos passos. “Acabei ficando dois anos porque fui convidado pra ser diretor de criação na DCS, uma agência de publicidade gaúcha que hoje não existe mais. Era uma oportunidade muito boa e acabei ficando.” A partir dessa experiência, Henrique entendeu que, entre a publicidade e o design, preferia o segundo. Estava decidido a migrar para o conteúdo editorial, área em que acreditava encontrar mais satisfação profissional, mas para tanto era necessária uma nova mudança. Próximo destino: São Paulo.
QUANDO SER VERSÁTIL PODE SER SUA SALVAÇÃO
Henrique chegou à capital paulista já batendo na casa dos 30 anos. Não tinha muitos contatos na cidade, mas o que tinha bastou: Eliane Stephan, uma das responsáveis pelo redesign do jornal Folha de S.Paulo nos anos 1990. Ela indicou com quem ele poderia falar na Editora Abril. Ao bater na porta da editora, Henrique encontrou um novo cenário de mudanças. “Minha chegada coincidiu com a explosão da internet. Foi em 2000 ou 2001. Cheguei na Abril e tinha gente chorando pelos corredores. Tinham demitido um monte de gente e era muito difícil conseguir alguma coisa naquela época. Mas incrível foi que, em um dia, consegui um lugar na revista Recreio“, conta.
Na Abril, Henrique atuou como coringa. Passou pela Recreio, Superinteressante, fez especiais para a Quatro Rodas. Até que chegou às suas mãos o projeto do que viria a se tornar a Vida Simples. “Fiz só a primeira edição. Mas era um conceito novo naquela época. Resolvemos trabalhar com imagens grandes, uma linguagem bem limpa. Era uma revista para inspirar, para ler respirando fundo, para se fascinar com imagens. Falava de viver com mais simplicidade, com menos consumismo. Na Abril tinha outra revista nesse caminho, a Bons Fluidos, porém com um approach mais tradicional”, ele conta.
Encerrada a experiência na Abril, Henrique também passou pela Trip Editora, onde trabalhou com publicações customizadas para marcas como Audi e Natura. Então, montou um estúdio próprio e começou a fazer design para capas de livros. Porém, nessa época, Henrique vivia uma rotina de movimentos pendulares. Devido a uma namorada e à mãe enferma, que moravam em Porto Alegre, trabalhava de segunda a quinta em São Paulo, e o restante da semana passava no Rio Grande do Sul. Vivia na ponte aérea.
Se para muitos esse vai e vem poderia significar estresse, para Henrique funcionou como um ponto de equilíbrio.”Era cansativo, mas eu gostava. Em Porto Alegre eu tinha uma vida completamente diferente, desligava um pouco. Aí voltava para São Paulo com todo o gás na segunda-feira.”
Com o falecimento da mãe, Henrique herdou algumas terras no interior gaúcho. A fazenda do bisavô, onde curtira inúmeras férias de verão na infância, passou a ser sua no ano de 2009. Logo veio a ideia de dar um novo uso a ela. “Era uma fazenda na beira de rio praticamente abandonada há 30 anos. Estava arrendada para uma pessoa que plantava arroz e esse cara já não produzia há tempos”, conta, e prossegue:
“O lugar tinha um valor afetivo muito grande para mim, e eu queria valorizar a área. Queria que as pessoas pudessem conhecer essa região, e que eu pudesse fazer um business disso”
A área, no caso, é Itapuã, região pouco mais de 40 quilômetros ao sul de Porto Alegre. Por lá, o Rio Guaíba passa e vai ao encontro da Lagoa dos Patos — e é lá onde estão localizados alguns dos últimos resquícios de Mata Atlântica no estado, em um Parque Estadual. A região conta também com atrativos arquitetônicos e tem importância histórica relacionada à Revolução Farroupilha. O potencial para negócios turísticos saltava aos olhos. Ainda mais para Henrique, que desde pequeno fora muito ligado à água e àquele lugar.
DE REPENTE, É PEGAR OU PEGAR
A ideia inicial de Henrique era estruturar um espaço para casamentos, treinamentos empresariais e eventos corporativos. Um amigo manifestou interesse em se associar ao empreendimento para cuidar da cozinha e, assim, poder oferecer também um serviço de restaurante no espaço. Ele topou, e logo veio o primeiro tropeço: “O cara não durou muito tempo, caiu fora rapidinho. E, tive que tocar tudo sozinho, inclusive a parte de gastronomia”.
Como é comum a muitos empreendedores, quando a ideia começou a se concretizar, passou a exigir muito mais tempo e atenção do fundador. Henrique ainda morava e trabalhava em São Paulo. “Queria ter um negócio paralelo e continuar trabalhando com design. Não pretendia parar”, conta. Até que o plano B pediu licença para virar plano A. “Na medida em que esse projeto foi tomando forma, comecei a me dedicar mais a ele. Eu tinha cada vez menos tempo para prospectar clientes, manter as relações, fui dando menos prioridade às minha coisas de São Paulo. Foi quando finalmente falei para mim mesmo: vou para o Sul tocar esse negócio e depois vejo o que fazer da vida”.
E toca mudar de novo. Henrique vendeu o apartamento que tinha na capital paulista para bancar as obras em Itapuã. Quando o dinheiro acabou, vendeu as algumas ações que tinha. Ao se ver sem caixa novamente, foi ao banco tomar um empréstimo. Entre recursos próprios e capital emprestado, calcula ter investido 1 milhão de reais no negócio. A casa antiga da fazenda foi demolida e um restaurante foi erguido. Encanamentos, fossas sanitárias, rede elétrica: tudo feito do zero. O designer teve que assumir o papel de mestre de obras. Porém, durante o processo, passou a contar com uma ajuda preciosa.
Desirée e Henrique se conheceram ali mesmo, em Itapuã. Também gaúcha de Porto Alegre, a veterinária tinha comprado uma propriedade bem em frente à de Henrique. Conforme engataram o namoro, Desirée acabou assumindo um papel fundamental na condução das obras e do novo negócio de Henrique, enquanto ele ainda vivia com um pé no Sudeste e outro no Sul. Os dois se casaram e hoje têm duas filhas pequenas, Ana e Lia.
DE DESIGNER A EMPREENDEDOR
Em maio de 2013, O Butiá foi finalmente inaugurado. Onde antes era a fazenda do bisavô, passou a funcionar um espaço para eventos e restaurante, que também serve como plataforma para explorar a região. De lá, é possível fazer passeios de barco e stand up paddle no rio, além de trilhas pelo Parque Estadual de Itapuã. A preocupação em valorizar o local está nos atrativos oferecidos, mas também na operação. Henrique conta que os insumos do restaurante são todos adquiridos na região. Os quatro funcionários fixos também moram nas redondezas, assim como os 20 a 25 colaboradores que costumam ser contratados dependendo do evento. A maioria vai de bicicleta ao trabalho.
O designer tinha se tornado empreendedor do turismo e, como é de se esperar, levou algum tempo para o negócio entrar no azul. No caso dele, dois anos, somente em 2015. Hoje, O Butiá recebe entre 80 e 100 pessoas para o almoço a cada domingo (o menu custa 130 reais por pessoa, sem as bebidas). Estes se somam aos visitantes que não almoçam, mas adquirem cestas de piquenique (180 reais para duas pessoas, com pães orgânicos, geleias, queijos etc. As bebidas são compradas à parte) e contratam passeios ali. Em um fim de semana movimentado, o espaço chega a receber 300 visitantes. Henrique tem um jeito peculiar de administrar o business: o Butiá funciona somente com reserva (não adianta chegar lá sem avisar) e só abre em feriados e finais de semana. No período de férias, como agora, está fechado — e volta a funcionar dia 20 de janeiro.
Desde que abriu, a empresa teve um faturamento médio de 1 milhão e 200 mil reais por ano, com custos fixos em torno de 40 mil reais ao mês. Henrique conta que o volume de trabalho hoje não é menor do que nos tempos de designer. Seu maior luxo é morar em um lugar paradisíaco, à beira do rio e com verde por todos os lados. Ele compara as duas ocupações e mostra como, mesmo sem ter sonhado com o turismo, acabou encontrando ali algo que o design não podia lhe dar:
“O que mudou é que agora tenho produto de prateleira. Como designer, sempre tive que ir atrás do cliente, prospectar, vender. E alguém tinha que comprar. Agora tenho um produto que a pessoa pega se quiser. Claro que tem um trabalho de marketing o tempo todo. Mas é diferente de bater na porta de alguém. O Butiá está aqui. Quer vir almoçar? Vem. Quer casar aqui? Vem. Está tudo aqui”
É de se perguntar se, comprando todos os insumos para seu negócio sem sair de Itapuã, Henrique não sente falta da vida mais movimentada em uma capital. Como São Paulo, por exemplo, onde passou tantos anos. Não? A isso ele responde: “A única coisa que sinto falta é do ar cosmopolita de São Paulo, da diversidade de pessoas, da forma de pensar. Mas isso é uma questão da cidade, e não do trabalho em si. Acho que foi recompensador por um lado. Mas é uma vida que uma hora cobra seu preço”.
E para quem enfrenta a rotina do mercado corporativo em uma capital, sonhando um dia pedir as contas e abrir um negócio em contato com a natureza? Henrique tem algum conselho? “Larga tudo e vai. A gente só vai saber fazer as coisas na hora em que fizer. Tem uma ideia? Vá atrás. Não adianta pensar demais. Comece a fazer, trace uma linha e mude a vida radicalmente. Para fazer isso, nada melhor do que queimar os barcos, as pontes… Enfim, não ter retorno”, diz ele, que agora mora ao lado do rio que o escolheu.
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