Há muitos sinais de que fabricar carros já não é das atividades mais atraentes, como a falta do interesse dos mais jovens em se habilitar para dirigir. Cada vez mais, o negócio está em oferecer soluções de mobilidade, em resolver a vida de quem quer ir de um ponto a outro, em vez de fazer com que alguém coloque mais um carro na garagem. Entre as montadoras que já perceberam isso, o Grupo BMW, originário da Alemanha, é um dos poucos a concentrar esforços em transformar seu negócio também a partir do Brasil — em vez se esperar o movimento vir da matriz. Um dos líderes desta empreitada é Henrique Miranda, 35, que assumiu em meados de 2015 o cargo de gerente de mobilidade e conectividade da empresa aqui no país.
Ele deixou a área de estratégia de produto da Ford para encarar o desafio de ajudar a desenhar na BMW o modelo de negócio de conectividade no Brasil. “As montadoras sempre seguiram a mesma dinâmica: lançar novos carros, incluir neles funcionalidades e cobrar por isso. Daí sempre vieram as receitas, há quase um século é assim. Mas, quando falamos de conectividade, é bem diferente. Estamos online o tempo todo, com acesso a uma série de coisas, então a empresa não pode cobrar do consumidor por um sistema de navegação que ele tem de graça no celular”, diz.
Henrique chegou na BMW em um período de forte transformação. Em 2014 a companhia inaugurou sua primeira fábrica no Brasil, na cidade catarinense de Araquari. Investiu ali 800 milhões de reais, passou a montar carros com muito conteúdo trazidos da Alemanha e precisou transformar sua operação local, de importadora de veículos a produtora nacional, com todo o impacto que uma mudança desta dimensão demanda. Naquele mesmo ano, deu outro passo importante e passou a vender carros conectados no Brasil: começaram a sair de fábrica veículos equipados com chip de internet e o recurso chamado de ConnectedDrive. Em 2016, essa oferta chegou a 100% dos veículos da empresa vendidos no país.
A solução oferece possibilidades como chamadas de emergência, alerta de necessidade de manutenção e serviço de concierge (para que o consumidor encontre um hotel ou restaurante). Pelo celular, o condutor pode acessar informações do carro, como a localização (bom para quem costuma perder o veículo em estacionamentos), e comandar algumas ações, como destravar as portas, buzinar ou piscar os faróis. Na Europa, o ConnectedDrive já é bem conhecido e há até uma loja online para comprar serviços digitais baseados na plataforma. “Lá nós já geramos mais receitas ali do que com a venda de acessórios na concessionária”, conta Henrique.
Ele diz que, ao assumir o cargo na BMW, estava curioso para entender os resultados da oferta dos carros conectados por aqui. Àquela altura, a BMW era a única com tal nível de tecnologia no Brasil. Foi surpreendido:
“Entrei achando que a companhia já era fluente digital, mas vi que, apesar de oferecer o produto, o impacto dessa novidade no negócio ainda não era difundido”
Ele prossegue: “Minha primeira missão foi catequizar a própria BMW da mudança de paradigma provocada pela transformação tecnológica”. Na prática, conta, a principal mudança trazida pelos carros conectados é a possibilidade de a montadora permanecer em contato com o cliente o tempo todo. “Não é mais só na hora da venda e do pós-venda”, diz.
Dessa forma, segundo ele, há chance de gerar uma série de novas oportunidades de negócio. Uma delas é na área de serviços das concessionárias. Hoje a empresa não trabalha mais com revisões programadas por quilometragem ou tempo de uso do carro. É tudo on-line: com acesso aos dados, dá para fazer diagnósticos a distância e avisar o cliente sobre a necessidade de uma revisão.
COMO MOSTRAR AO CLIENTE BRASILEIRO QUE O CARRO É CONECTADO
Se quando Henrique assumiu o cargo a empresa ainda não tinha entendido o impacto do ConnectedDrive, o consumidor, então, nem fazia ideia do que se tratava. Apesar de os carros estarem conectados, em 2015, poucos clientes usavam a funcionalidade. Henrique calcula que na época apenas 14% dos consumidores faziam o cadastro na plataforma ConnectedDrive. Para mudar isso, ele entendeu que seria necessário investir em treinamento nas concessionárias para destacar a solução.
A empresa trabalhou para preparar melhor os vendedores para falar da tecnologia e, principalmente, formou especialistas para fazer uma entrega mais apropriada do carro. O resultado apareceu: hoje, mais de 40% dos clientes da marca já criaram uma conta na nova plataforma. “É a maior taxa da BMW no mundo. O consumidor brasileiro é muito conectado. Percebemos que aqui as pessoas usam muito a plataforma, tanto que se temos qualquer problema recebemos imediatamente uma série de reclamações”, conta.
Por enquanto, o trabalho para elevar a conectividade não traz retorno financeiro direto à companhia no Brasil, que decidiu oferecer gratuitamente a todos os clientes por três anos até para testar a solução. Como as entregas se iniciaram em 2014, só agora começam a vencer os primeiros planos. A BMW planeja definir novos pacotes de assinatura, de prazo mais curto, para que os clientes façam a renovação. Para isso, a empresa vai criar, em 2018, uma loja on-line do ConnectedDrive, uma espécie de iTunnes onde o cliente poderá escolher entre diferentes pacotes e serviços e pagar uma assinatura – ou seja, uma receita recorrente para a empresa.
CARROS ELÉTRICOS PRECISAM DE TOMADAS? VAMOS FAZER!
O plano da BMW para passar de uma empresa da era industrial para uma companhia digital é mais amplo. A visão é de que, em futuro não muito distante, as ruas estarão tomadas de carros autônomos, elétricos, compartilhados e, claro, conectados. Henrique resume:
“Cada vez mais, os automóveis serão plataformas de serviços e mobilidade”
Em diversas regiões do mundo, os modelos eletrificados contam com incentivos fiscais para estimular as vendas, mas por aqui estes carros são taxados com 35% de Imposto de Importação, como qualquer outro. Mas Henrique não acha que a falta de apoio do governo seja desculpa para não apostar na solução. “Como uma empresa que quer permanecer relevante, é parte do nosso papel criar estes novos mercados pelo mundo. É o que estamos fazendo aqui.”
A BMW começou a vender no país, em 2014, o hatchback elétrico i3 e o superesportivo híbrido i8 – a preços tão luxuosos quanto os carros, é verdade (no lançamento, os valores iam de 300 mil, para o hatchback, a 800 mil reais, no caso do esportivo, números que caíram para entre 150 mil e 600 mil reais com o tempo). Não foi um sucesso de vendas. “Desde que foram lançados, vendemos 200 unidades do elétrico e do híbrido e isso trouxe um aprendizado relevante. Vimos que não adianta apostar só no apelo ecológico ao fazer a propaganda. Quando falamos de elétricos, as pessoas precisam sentir a sensação ao volante, que é muito diferente e melhor do que em um carro a combustão”, afirma ele.
Assim, no lugar de investir em publicidade, a empresa tem melhores resultados quando promove test drive nas concessionárias. “Já vi cliente entrar na loja para comprar X1 (SUV) e sair com o i3 depois de testar. A conversão de vendas é muito maior”, conta. Henrique fala também de outro aspecto importante: a BMW também trabalha para garantir infraestrutura de recarga para estes modelos. “Já instalamos 70 pontos gratuitos de reabastecimento pelo Brasil em shoppings, hotéis e mercados”, enumera. A última novidade é a criação do chamado “corredor elétrico” entre Rio de Janeiro e São Paulo, com a instalação de pontos de reabastecimento ao longo da rodovia Presidente Dutra. Ele fala da iniciativa:
“Todo mundo diz que o carro elétrico não funciona no Brasil porque não temos pontos de abastecimento. Precisamos começar de algum lugar”
Diante da visão pessimista, ele destaca uma vantagem do mercado brasileiro em relação ao europeu: a enorme quantidade de garagens nos prédios e residências. “Em Amsterdã, na Holanda, só 5% das casas têm vaga de estacionamento, por isso eles precisam tanto de uma estrutura pública. Aqui, podemos instalar o equipamento na nossa casa e recarregar o carro à noite”, diz. Justamente por isso, a BMW vende no Brasil, além dos carros, o dispositivo para recarregá-los.
COMO IMPLANTAR A LÓGICA DIGITAL EM UMA EMPRESA INDUSTRIAL
Henrique diz ter apoio dentro da BMW para implementar tal mudança. Mas faz uma ponderação importante: a questão é que essa transformação é inevitavelmente complicada. “É fácil dizer que a indústria é retrógrada, mas não é simples assim. O ciclo de desenvolvimento de um carro demora de quatro a cinco anos. O investimento da empresa é alto e o retorno vem muito tempo depois. Há uma dificuldade imensa de planejamento, porque as empresas precisam prever o que o consumidor vai querer no futuro. São desafios que até uma startup teria se trabalhasse no segmento”, afirma.
O alento, aponta, é que a conectividade dos carros tem potencial para melhorar esse cenário. “Ela muda o jogo”, diz. Segundo ele, um automóvel que está online é, acima de tudo, um modelo atualizável. Se design, motor e toda a parte mecânica só podem ser atualizadas quando o cliente troca de carro, o caminho é garantir que a interface digital e as soluções conectadas ao veículo se renovem com mais frequência, tornando os automóveis mais perenes. “Precisamos inserir novas funcionalidades de tempos em tempos e trazer o consumidor para esse ciclo de desenvolvimento. Garantir que ele se envolva no processo”, fala, apontando que a interação e o registro do retorno do cliente são essenciais nessa nova lógica para a indústria, acostumada a desenhar seus produtos em segredo. No mundo conectado, o caminho precisa ser outro.
Em entrevista ao Draft, Fernando Pfeiffer, diretor de inovação da 99, fala sobre as iniciativas em mobilidade sustentável lideradas pela empresa e explica por que a adoção do carro elétrico em larga escala no Brasil é apenas uma questão de tempo.
Empresa se antecipa ao futuro e aposta em veículos elétricos que têm sua rota traçada por programas de Inteligência Artificial - são mais de 1.000 circulando na região além de mais de 200 pontos de recarga.
Aperte o cinto: o futuro chegou. Conheça o eVTOL, aeronave elétrica de pouso e decolagem vertical, e saiba como a Eve e a Embraer se preparam para popularizar os deslocamentos aéreos e mudar – para sempre – a mobilidade urbana no Brasil.