De 13 de dezembro a 10 de janeiro, interrompemos a sequência de Verbetes Draft sobre termos da nova economia para apresentar uma série especial dedicada a expressões do “Novo Feminismo”, ou simplesmente Feminismo, como prefere quem entende do assunto, já que as demandas são as mesmas de movimentos passados. Entenda como a discriminação de gênero acontece no mundo dos negócios (e, a propósito, o que você pode fazer para evitar que continue). O Verbete Especial Feminismo nos Negócios de hoje é:
FEMINISMO INTERSECCIONAL
O que acham que é: Matéria que estuda o feminismo matematicamente.
O que realmente é: Feminismo Interseccional (em inglês, Intersectionality) é uma vertente do feminismo que, para análise e combate da discriminação de gênero, leva em conta, necessariamente, questões de raça e classe social. O entendimento é de que há um recrudescimento do machismo sofrido por mulheres que enfrentam também racismo, preconceitos e desigualdade socioeconômica (com todas as suas consequências) já que as opressões se inter-relacionam.
Segundo Stephanie Ribeiro, arquiteta, ativista feminista negra, escritora e colunista da revista Marie Claire, as feministas interseccionais (que podem ser não-negras, como indígenas, por exemplo) estão trazendo para a reflexão o fato de que não aceitam um feminismo que não faça recortes para além do gênero. “Isso é necessário, inclusive, para que mesmo entre mulheres não haja o silenciamento de nossas vozes”, diz.
Esta não é a única vertente do feminismo, que é um conceito guarda-chuva — daí o termo “feminismos”. Cada vertente (há o Radical e o Liberal, entre outros) contempla, defende e aponta diferenças e discrepâncias que entende como relevantes. Um exemplo simples, mas elucidativo, da necessidade do Feminismo Interseccional, é o da feminista branca de classe média que reivindica para si igualdade de posição e salário em relação aos homens mas mantém o sistema de desigualdade sobre a mulher (negra, pobre e periférica, quase sempre) que trabalha em sua casa.
Comunicadora, diretora do Olabi e coordenadora da Pretalab, uma iniciativa voltada ao protagonismo de mulheres negras e indígenas na tecnologia, Silvana Bahia diz que, no empreendedorismo, as opressões de gênero e raça se repetem e mulheres negras têm, inclusive, mais dificuldade de acesso à credito. “Nos Estados Unidos, apenas 4% das startups são lideradas por mulheres negras. Isso demonstra uma enorme discrepância em relação aos homens e mulheres brancas.”
É crescente, de acordo com Ribeiro, o número de mulheres negras que se denominam feministas interseccionais: “Se existem mulheres negras, o racismo é um problema de todas as mulheres”.
Quem inventou: A americana Kimberlé Crenshaw, acadêmica especializada em questões de gênero, advogada e professora da UCLA School of Law e da Columbia Law School. Crenshaw cunhou o termo Intersectionality e, assim, conceituou a vertente.
Outros nomes de destaque no feminismo e ativismo interseccional são as também americanas Audre Lorde (já falecida), escritora e poeta, e bell hooks, (em minúsculas mesmo) pseudônimo da autora Gloria Watkins. No Brasil, dois nomes importantes são a antropóloga, política e professora Lélia Gonzalez (já falecida) e a filósofa e escritora Djamila Ribeiro.
Quando foi inventado: Em 1989. Segundo Crenshaw, as opressões da interseccionalidade já existiam há tempos, apenas não eram nomeadas dessa forma até então.
Como pode ser fomentado no ambiente de trabalho: Ao acumular opressões estruturais como o racismo e a pobreza, as mulheres negras têm as piores condições de trabalho do mercado, seja formal ou informal. Ribeiro diz que para promover a inclusão de mulheres negras de forma mais justa é preciso investimento. “Nossa mobilidade social requer apoio. Não adianta apenas procurar funcionárias já prontas, é preciso identificar seu potencial, investir em sua formação, criar projetos de apoio à mães”, afirma.
Segundo Bahia, as empresas estão entendendo cada vez mais que a diversidade é importante, não apenas por uma questão de justiça social mas também porque a multiplicidade de olhares é rentável para os negócios. “Recentemente, um estudo da McKinsey mostrou que negócios que levam em conta a diversidade performam 35% melhor”, conta.
Ainda assim, ela relata que no Brasil há muitos casos de mulheres negras que sofrem racismo no ambiente de trabalho por usar o cabelo crespo de forma natural: “Há um problema na nossa cultura que não considera as diferenças”.
Em que corporações já acontece: Algumas das empresas mais importantes do mundo já atentaram para a necessidade de ter mulheres negras em cargos de poder. A atual chefe global de diversidade do Dropbox, Judith Williams, trabalhou antes como gerente global de diversidade programas de inclusão no Google, onde implantou o programa sobre unconscious bias (os “vieses inconscientes” que temos sobre os mais variados preconceitos).
Já a ganense Bozoma Saint John é diretora de marca da Uber desde o ano passado, ou seja, desde a grande crise de reputação que a empresa enfrentou por conta, também, de casos de sexismo. Antes, Bozoma chefiara o marketing da Apple Music e tinha sido chefe de marketing de entretenimento na PepsiCo (lá, fechou o patrocínio da turnê de 2013 da cantora Beyoncé).
No Brasil, há sete anos Rachel Maia é CEO da operação brasileira da Pandora, uma das maiores joalherias do mundo. O Geledés, Instituto da Mulher Negra, publicou uma lista com 7 empresárias negras brasileiras que você precisa conhecer agora.
Ribeiro conta que o Instituto Avon têm ações para evitar as opressões de gênero, apoiando projetos com mulheres periféricas. “Mas, para além dele, eu desconheço. Mesmo empresas de mulheres que se dizem feministas, negligenciam totalmente a inclusão de mulheres negras em seu quadro de funcionários”, diz.
Casos, reações e repercussões: Amplificado e encorpado pelas redes sociais, o ativismo dos movimentos negro, feminista, LGBTQ e outros chegou ao marketing de grandes empresas no mundo todo — e se tornou visível na contratação de modelos e também na mensagem de campanhas. Não há consenso, mesmo entre ativistas, se isso mostra um entendimento do Feminismo Interseccional ou se é apenas apropriação do assunto em voga para buscar relevância e lucro. A linha é tênue e pode haver convergência.
Em fevereiro de 2017, o The Guardian publicou o artigo de opinião “Sex doesn’t sell any more, activism does. And don’t the big brands know it” sobre como o ativismo pode ser lucrativo.
Para Bahia, o conceito de diversidade virou um selo para marcas e empresas se legitimarem demonstrando que, pelo menos no discurso, estão um passo à frente luta por equidade. Ela questiona: “Não basta dizer que na empresa tem um número elevado de negros. É preciso se perguntar quais cargos essas pessoas negras estão ocupando. Ou, talvez, perguntar: quantos negros ocupam posições de poder na sua empresa ou negócio?”.
Para saber mais:
1) Assista ao TED The urgency of intersectionality, de Kimberlé Crenshaw, no qual ela explica o conceito e convoca todos à percepção das opressões. Leia, no site da universidade de Columbia, Kimberlé Crenshaw on Intersectionality, More than Two Decades Later. É uma curta entrevista na qual a acadêmica explica, entre outras coisas, a identificação do movimento LGBTQ com o Feminismo Interseccional.
2) Leia, o texto do The Guardian citado acima, Sex doesn’t sell any more, activism does. And don’t the big brands know it, sobre marcas que usam o ativismo como marketing.
3) Leia, no The Cut, o perfil Bozoma Saint John Is a Better Brand Than Uber. Positive, boundary-breaking, irresistible — she may be the only way to get where they need to go.