por Ana Julia Ghirello
Quando decidi sair da OLX para me tornar uma empreendedora social, eu tinha uma ideia apenas teórica dos desafios que iria enfrentar e das descobertas que poderia vivenciar.
Obviamente, nunca poderia imaginar viver tão intensamente o paralelo de dureza e beleza nos meses que seguiram — e que me acompanham até hoje.
Fiz parte do time que fundou o site Bom Negócio (que em 2015 viraria OLX), e lá a gente empreendeu com salários e uma verba enorme. Nos contrataram com CLT, bônus, stock options e benefícios, para tirar aquela ideia do papel e fazer acontecer. E fizemos, de uma maneira muito bacana. Mesmo nessa situação rara de privilégio, não tiro o nosso mérito, porém, com absoluta certeza, a chance de sucesso é bem mais alta em um contexto como este, onde se é menos dependente do fator resiliência do empreendedor já que ansiedade financeira não é um questão.
Muitos me questionaram quando decidi sair da OLX e do processo seletivo para ser country manager do Airbnb no Brasil. Afinal, de um lado eu tinha muita autonomia e apoio para construir a nova fase da empresa que estava ou a possibilidade de ir para uma outra igualmente relevante e cheia de exposição e desafios.
A explicação mais lógica que posso dar para ter saído da OLX e de qualquer outro negócio é: eu simplesmente tinha que tentar construir a abeLLha
A abeLLha é uma incubadora de negócios de impacto social que eu idealizava há quatro anos. Eu tinha que tentar construi-la, e também o GoodPeople, um aplicativo para conectar empreendedores para realizarem projetos (uma ideia brilhante do meu amigo e colega Max Kejzelman, também ex-OLX).
Minhas economias somavam aproximadamente 450 mil reais investidos e com fácil resgate. Investi 170 mil na abeLLha (que tinha que dar conta do setup do nosso escritório e rodar o caixa operacional necessário até atingir o break even), 50 mil reais no GoodPeople (para custos com a construção do app) e reservei 230 mil para viver de um ano e meio a dois anos sem salário.
Daí para a frente, entramos em uma constante experimentação para descobrir o que eram, de fato, esses negócios, tentando encontrar maneiras para crescê-los organicamente e buscando modelos sustentáveis de monetização.
Ao mesmo tempo em que empreendia, foquei em reduzir custos e otimizar o meu lado pessoal financeiro
Tenho sorte de não trilhado essa jornada sozinha. Meus “maridos” Max e Fel Mendes (O Fel entrou, também, logo no começo), estiveram sempre perto na alegria e na tristeza (e olha, tivemos inúmeros conflitos e “divórcios”), assim como Beta Pontelo, Deyse Nunes e muitos outros ajudantes esporádicos, que não deixaram a bola cair em momento algum.
Em dois anos, e somente com o investimento citado acima, a abeLLha solidificou a sua metodologia de desenvolvimento de negócios do estágio inicial até a aceleração. Descobrimos que somos bons, acima de tudo, em botar a mão na massa com material concreto e relevante para os nossos incubados. Nosso programa fica mais fortinho a cada ano! Nesses dois anos incubamos 17 startups, oito graduaram o programa e quatro estão com boa tração e escalando.
Este ano a abeLLha vai testar um novo modelo: dar acesso gratuito à nossa metodologia de aceleração para startups de impacto social. Em paralelo, vamos trabalhar para trazer capital e apoio dentro deste contexto de empreendedorismo. Vemos uma oportunidade imensa de reduzir o abismo entre investidores e startups em estágio inicial por meio de acompanhamento detalhado e dados.
Também vimos nascer uma nova oportunidade de negócio: o Honeycomb, metodologia de gestão que nasceu para organizar a estratégia e operação da abeLLha e que hoje é utilizada por mais de 100 empresas, se tornou um negócio independente. Ele faz parte de uma mudança de mindset no mundo corporativo, onde empresas e gestores começam a entender os benefícios de uma gestão mais centrada nas pessoas.
Quando paro e reflito, fica muito claro que planejamento nenhum teria sido capaz de prever este desenrolar das coisas.
Planejar é necessário, mas para inovar é preciso não saber. E, por não saber, é preciso experimentar
Saber levar as nossas empresas dessa maneira tem sido um fator chave positivo na nossa evolução. Mas tenho absoluta certeza de que eu nunca teria continuado na constante tentativa e erro de construir estes negócios se não houvesse algo maior a me mover. Muitos negócios com os quais me envolvi antes tinham um propósito super bacana, porém não se tornaram traduções da minha essência. É maravilhoso encontrar qual é a sua dentro do que sua empresa se propõem a fazer. Por maior ou menor que seja, encontrar o que realmente te move dentro do seu negócio é transformador.
No nosso caso, e nos daqueles que se propõem a criarem novas dinâmicas de negócios, o desafio é ainda maior, pois não existem regras e leva tempo até conseguir entender como atingir a sustentabilidade financeira.
Mesmo assim, para todos que empreendem o processo é similar: extremamente ansiogênico e capaz de transformar sua vida em um mix constante de empolgação, medo, exaustão e vontade de jogar tudo para o ar e voltar para a tão sonhada CLT!
Por que continuar? Porque simplesmente não dá para abandonar a construção do que é a mais pura expressão do mundo que quer viver
Para quem se encontrou dentro do seu próprio negócio, fica difícil querer fazer outra coisa. De alguma maneira, mesmo com todas as dificuldades, vem uma força sabe-se lá de onde, e você continua negando propostas para trabalhar em qualquer outro lugar.
abeLLha e Honeycomb ajudam na construção do mundo que eu gostaria de viver: uma sociedade mais horizontal, onde empresas fazem o bem da porta para fora e também da porta para dentro. Onde as relações são win-win-win. Onde cada pessoa tem o básico necessário, oportunidades e julgamentos igualitários perante a sociedade, e é apta a buscar o caminho que deseja para si.
Sei que podemos contribuir nessa direção de maneira bem pragmática: ajudando mais negócios relevantes a se concretizarem e levando a nossa metodologia de gestão centrada nas pessoas para dentro das empresas. Continuar buscando ativamente o equilíbrio de impacto, investimento, lucratividade e pessoas é a razão pela qual eu trabalho tanto.
Se eu, que tenho o mérito e privilégio de poder fazer tantas escolhas, não começar a construir o mundo que acredito por meio dos meus negócios, quem vai?
Se você também se julga nesta situação — de mérito ou privilégio de poder escolher — te convido a experimentar. É mais viciante que açúcar!
Ana Julia Ghirello, 33, é fundadora da abeLLha, incubadora de negócios de impacto social, e da Honeycomb, ferramenta de gestão estratégica. Fez parte do time que fundou o Bom Negócio, que se juntou à OLX, onde atuou como COO.
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