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Kiro e o desafio de bancar uma bebida sem álcool, sem gás, feita com gengibre, vinagre e mel. E agroecológica

Daniel Boa Nova - 31 jan 2018 Lee (ao fundo, à esq) leu uma reportagem sobre switchel e chamou Gustavo (ao fundo, à dir) para testar receitas. Deu tão certo que Lena e Roberto vieram somar forças e o negócio nasceu.
Lee (ao fundo, à esq) leu uma reportagem sobre switchel e chamou Gustavo (ao fundo, à dir) para testar receitas. Deu tão certo que Lena e Roberto vieram somar forças e o negócio nasceu.
Daniel Boa Nova - 31 jan 2018
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É uma long neck marrom como a das cervejas. No entanto, o copo que a acompanha vem lotado de gelo. Quando o conteúdo da garrafa é servido, na primeira bicada a picância do gengibre salta ao paladar. Já a refrescância e o sabor levemente adocicado que vêm no gole seguinte explicam melhor a proposta. Trata-se de um switchel. No caso, o Kiro, um switchel nascido e criado em São Paulo.

Switchel é como se chama a bebida feita com água, gengibre, vinagre de maçã e algo para adoçar. Que pode ser melaço, maple syrup ou, como na receita do Kiro, apenas mel. Só esses quatro ingredientes e nada mais. Suas origens são turvas como a cor amarelada do líquido. Há quem atribua a maternidade do switchel à China, berço de grande parte dos inventos culinários ancestrais. Rumores apontam para uma bebida semelhante encontrada em partes da África e Caribe, no contexto de práticas religiosas. É sabido também que, no período colonial dos Estados Unidos, trabalhadores do campo faziam seu próprio switchel para matar a sede e recompor as energias, depois de horas dando duro na enxada.

Lee apresenta a Kiro ao público da Feira SP UP, em junho de 2017.

Lee, do Kiro, apresenta o produto ao público da Feira SP UP, em junho de 2017. Degustação é uma das chaves do negócio, já que a bebida é desconhecida da maioria das pessoas.

Esta última versão é endossada pelos criadores do Kiro. Ao ler uma reportagem sobre switchels na Modern Farmer, Leeward Wang, 30, administrador público e pesquisador na área de sustentabilidade, chamou o chef de cozinha e amigo de longa data Gustavo Reis, 31, para tentar reproduzir a bebida e ver no que dava. Isso sem que qualquer um dos dois tivesse tomado um switchel antes. Isso lá em 2014.

“Kiro foi o primeiro switchel que provamos na vida! Foi paixão no primeiro gole”, diz ele. “Naquele mesmo ano, foram inúmeros testes com diferentes processos e ingredientes até refinarmos a receita. Daí mostramos para amigos e familiares, ou seja, testamos em âmbito amador e não comercial. E em seguida começamos a servir no restaurante Ordinário.” Localizado na Vila Clementino, zona sul de São Paulo, o restaurante é onde Gustavo exerce a profissão de cozinheiro. E foi onde o Kiro começou a conquistar seus primeiros fãs — até alcançar o posto de bebida mais vendida da casa.

Com a boa recepção que o produto, no início de produção bem caseira, recebeu no primeiro ano de vida, a oportunidade estava lançada para produzir um volume maior, oferecer em mais pontos de venda, enfim, tornar aquela boa ideia um negócio de verdade. Foi por conta disso que, em 2016, Lee e Gustavo se inscreveram para participar de um processo de mentoria e desenvolvimento de negócios com o time da Salsada, de quem falamos aqui no Draft há alguns meses. Foram selecionados. A jornada resultou na definição de uma estratégia para posicionar a bebida no mercado e na criação de um novo rótulo, que ficou a cargo do Estúdio Colletivo.

QUANDO SEU MENTOR SE TORNA SEU SÓCIO

A aproximação entre o Kiro e Salsada revelou semelhanças de propósitos e sinergias de interesses entre seus criadores. Essa atração mútua levou os publicitários Lena Mattar, 32, e Roberto Meirelles, 31, sócios da Salsada (Lena também é sommelierie e Roberto, sócio do Mappa e da Inesplorato), a se tornarem sócios também de Kiro. “Foi uma união de propósitos e conhecimentos. Na Salsada a gente tem um background de trabalhos com grandes empresas de bebidas, então conhecíamos relativamente bem esse mercado”, diz Roberto, e prossegue:

“Colocamos como desafio criar uma bebida que de fato respeitasse todos os processos, todos os agentes, e conseguisse ser competitiva. Foi muito mais o desafio de negócios do que o interesse financeiro”

Concluída a etapa de planejamento, os sócios se organizaram para estruturar melhor a operação da empresa. Nesse momento, investiram juntos 60 mil reais, de recursos próprios. Em maio de 2017, o Kiro passou a ser produzido e comercializado profissionalmente, se espalhando por novos pontos de venda. Com a expansão, surgiu a necessidade ter alguém dedicado exclusivamente ao negócio. Foi quando Lee saiu do seu trabalho e, além de sócio, tornou-se também funcionário do empreendimento. É ele quem toca a produção, cuida dos pedidos e distribuição. Já Gustavo segue trabalhando em seu restaurante, porém sempre presente nos testes para garantir a qualidade de cada lote.

Hoje, além de vendido diretamente pelo site, o Kiro pode ser encontrado em diversos estabelecimentos da capital paulista. De bares e restaurantes a cafés e espaços de coworking — a lista completa está aqui. Pedidos de fora de São Paulo também começaram a chegar, de lugares como Rio de Janeiro e Ubatuba. A produção atingiu a marca de 9 mil garrafas por mês, com 90% de escoamento. Os outros 10% são destinados a degustações em eventos e a envios para jornalistas e comunicadores.

A Kiro pode ser comprada online, por 9 reais a garrafa (a partir de 9 unidades).

O Kiro pode ser comprado online, por 9 reais a garrafa (a partir de 9 unidades).

A meta, agora, é triplicar o volume de produção neste primeiro semestre. “Temos nos esforçado bastante para melhorar nossa operação, aprimorar custos, buscar eficiência e queremos muito que o produto tenha um preço mais acessível, que não se torne uma bebida para poucos”, diz Lee. Comprando pelo site, a garrafa sai por 9 reais (com um mínimo de 9 unidades por pedido).

Mas, afinal, de onde vem tanto interesse em beber um switchel? A explicação para a boa aceitação inicial do Kiro está em mais de uma razão. A primeira e mais visível é devido à baixa diversidade no segmento. Tirando água, suco, refrigerantes e alcoólicos, é raro ter outras opções de bebida em um cardápio qualquer. “Parece que uma bebida que não tem álcool e sem gás não vai ser boa, sabe? Porque é algo que não existe muito por aí. Se pensar que Kiro é uma bebida à base de gengibre e vinagre, ninguém aqui imaginava que teria uma aprovação tão grande”, conta Gustavo. Ele diz que, nesse sentido, a versatilidade de situações de consumo possíveis é uma vantagem de seu produto.

“Para praticar esporte é muito legal, no café da manhã vai super bem, no almoço. Vai bem misturado com álcool e vai bem na ressaca”

A simplicidade na composição da fórmula é também um atrativo. A bebida leva apenas quatro ingredientes, todos bem conhecidos por qualquer terráqueo. O que configura o Kiro como um produto clean label, ou seja: não tem corantes, aromatizantes, conservantes, não tem sódio e nem grandes quantidades de açúcar. “É uma bebida adoçada apenas com mel e que tem 89 calorias por 300 ml. Podemos dizer que começa fazendo bem por não fazer nenhum tipo de mal. Não há contra indicação de consumo e pode tomar o quanto quiser. Vai da sensibilidade de cada um para o gengibre”, diz Lena.

O PREÇO DE TER UM NEGÓCIO COMPROMETIDO COM A CADEIA PRODUTIVA

O switchel paulista guarda ainda uma manilha na manga para jogar na mesa onde se sentam as gigantes fabricantes de bebidas. Em um mundo onde cada vez mais decisões de compra são tomadas levando em conta o impacto do produto no meio ambiente e na sociedade, a cadeia de Kiro tem alguns diferenciais em relação ao modelo industrial de produção em massa. Todo o gengibre utilizado na fabricação da bebida é fornecido por produtores agroecológicos. Em especial, por comunidades quilombolas do Vale do Ribeira e pela Cooperapas (Cooperativa Agroecológica dos Produtores Rurais e de Água Limpa da Região Sul de São Paulo).

O "isotônico do agricultor", como diz o site da Kiro, feita de gengibre, mel e vinagre cidra de maçã.

O “isotônico do agricultor”, como diz o site do Kiro, que é feita de gengibre, mel e vinagre cidra de maçã — tudo comprado de pequenos produtores agroecológicos, o que representa um diferencial, e um custo, a mais ao produto.

“Trabalhamos com pequenos fornecedores, agricultores familiares e cooperativas que estão numa agenda de agroecologia, então estamos falando de uma cadeia em desenvolvimento. Essa cadeia está sujeita a desafios estruturais e logísticos e tem seus limites de produção e volume”, diz Lee, apontando o que é um diferencial e também um desafio para o empreendimento: “Por tudo isso, é fundamental uma atenção adicional e o trabalho em rede para garantirmos nossa operação”.

Apesar da possibilidade de rupturas no fornecimento, essa decisão estratégica é um dos propósitos do produto e da empresa existirem. Foi por ter uma relação próxima com a agroecologia em seu trabalho anterior como pesquisador que Lee descobriu o switchel e chamou Gustavo para testar receitas. E é para fomentar a educação alimentar e o desenvolvimento de marcas com impacto positivo na cadeia produtiva e no meio ambiente que existe a Salsada. Lena fala sobre isso: “Kiro nasce com o sentido claro de fortalecer o pequeno produtor e a agroecologia no Brasil. Ser um produto saudável não é suficiente. É fundamental considerarmos os desafios atuais e buscarmos uma atuação ativa neste contexto”.

No final do dia, o quilo de gengibre fornecido por um pequeno produtor agroecológico representa um custo mais alto na planilha. E isso acaba resultando na impressão de que o preço da bebida é alto. “Temos o desafio de passar isso para as pessoas. A bebida hoje não está no preço de mercado que a gente quer. Mas escolhemos esse caminho, então temos que passar para os clientes essa ideia. O problema não é repassar o custo. É passar a ideia”, diz Gustavo. Roberto complementa:

“Pela perspectiva de negócios, ter uma relação justa com a cadeia não necessariamente vai fazer vender mais produtos. Economicamente, é um prejuízo. Porém, politicamente, culturalmente, socialmente, é um bônus gigantesco”

Lee também pondera: “Não é que os produtos orgânicos, sustentáveis e socialmente responsáveis são caros. O convencional que é absurdamente barato. Porque toda externalidade, sejam impactos sociais ou ambientais, é colocada na conta para que a sociedade como um todo pague. O que temos tentado fazer é incluir essas externalidades no nosso modelo de negócios. A gente busca fazer essa lição de casa”.

E as “lições” não param. Os sócios falam, por exemplo, do ciclo do vidro usado na embalagem.  “Infelizmente ainda não temos estrutura para ter o maquinário necessário para lavar as garrafas e reutilizá-las. Mas queremos muito e isso está no nosso planejamento de curto-médio prazo”, diz Lena. Tão logo consigam, o fato do recipiente passar a ser retornável pode baratear um pouco o valor final do produto. A lista é longa, o caminho também. Mas não há de faltar switchel.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Kiro
  • O que faz: bebida do tipo switchel
  • Sócio(s): Leeward Wang, Gustavo Reis, Lena Mattar, Roberto Meirelles
  • Funcionários: 5 (incluindo os sócios)
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2017
  • Investimento inicial: R$ 60.000
  • Faturamento: 9 mil garrafas vendidas por mês
  • Contato: [email protected]
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