A borracha foi protagonista de um ciclo econômico (motivado pela invenção do automóvel e a demanda por pneus) que levou prosperidade ao Norte do Brasil no início do século 20, e cujos vestígios resistem na arquitetura dos teatros erguidos em Belém e Manaus durante aquela belle époque amazônica. Cem anos depois, no extremo oposto do país, câmaras de pneu usadas impulsionam a Revoada, empresa gaúcha de moda sustentável que representará o Brasil no The Venture.
“Quando soubemos que tínhamos sido escolhidas, foi muita alegria!”, diz Adriana Tubino, co-fundadora da Revoada. Classificada para a fase global do campeonato de empreendedorismo social promovido por Chivas, a startup disputará com outros 29 projetos de 29 países uma fatia do fundo de US$ 1 milhão, destinado a alavancar negócios com potencial de transformar para melhor o planeta e a vida das pessoas.
A Revoada nasceu em 2013 (com o nome de Vuelo) da cabeça de Adriana, formada em comunicação, e da estilista Itiana Pasetti, duas amigas de Porto Alegre afinadas no propósito de empreender em prol de um mundo melhor. À cata de matéria-prima para os acessórios de moda que iriam criar, descobriram que as câmaras de pneu de caminhão descartadas em borracharias substituiriam muito bem o couro, e que o nylon de guardas-chuvas inutilizados seria incrível como forro de bolsas e mochilas.
“Normalmente, o que estraga no guarda-chuva é o metal, aquela engrenagenzinha de abrir e fechar. O tecido em geral está perfeito ainda, em totais condições de uso”, diz Adriana. “E vimos que esses tecidos, tirados do contexto do guarda-chuva, eram superinteressantes, coloridos, legais de serem usados.”
Em suas visitas quinzenais às unidades de triagem de lixo seco, para onde os guardas-chuvas quebrados são encaminhados, as moças já chegaram a recolher mil unidades num único dia. O material é adquirido por um preço que fica bom para todo mundo. “Para você ter uma ideia, pagamos 50 centavos por unidade de guarda-chuva, sendo que antes eles vendiam como sucata a cinco centavos o quilo.” Além disso, a empresa estimula os catadores a abrirem um novo mercado para vender o metal (basicamente alumínio) que acabava sendo destinado a aterros sanitários e ensina a remover o nylon das hastes sem rasgar, para não comprometer o tecido.
Encaminhados a uma empresa de lavagem industrial ecofriendly, que usa água captada da chuva e tratada corretamente, a borracha e o nylon são em seguida levados para pequenos ateliês de costura e cooperativas de costureiras, que se encarregam da fabricação das peças. “Estamos perto de Novo Hamburgo, um polo coureiro-calçadista, então mapeamos ateliês menores, com produção ociosa, para crescerem com o projeto”, diz Adriana. “Toda essa cadeia produtiva é talvez o que a gente tenha construído de maior valor. O produto é apenas a ponta do iceberg.”
Desde 2013, a Revoada já reinventou oito toneladas de câmaras de pneus e 10 mil unidades de guardas-chuvas, totalizando 27 mil produtos fabricados e vendidos em quatro anos. O nylon é a matéria-prima principal da jaqueta Garoa, primeiro artigo de vestimenta da empresa, lançada em 2016. Cada item do portfólio traz uma tag explicando a história do produto e convidando o consumidor a participar dessa cadeia de logística reversa. O projeto já gerou R$ 200 mil de renda para os responsáveis pela coleta dos materiais e beneficia aproximadamente 350 famílias de borracheiros, catadores e costureiras.
O modelo de negócio sustenta-se sobre um tripé: vendas no b-2-b (para clientes como a FedEx, que em 2015 encomendou bolsas de viagens, minicarteiras e um organizador de documentos para presentear seus clientes, num total de 16.600 peças), consultorias a indústrias sobre economia circular e vendas ao consumidor final. Estas ocorrem por lotes, num modelo híbrido de crowdfunding e pop-up store, em que a produção só ocorre com um número mínimo de compradores.
Adriana mostra o potencial de crescimento do projeto com uma observação simples: a Revoada hoje trabalha regularmente com seis unidades de triagem de lixo seco – e há cerca de 600 em todo o Brasil. Para expandir seu alcance e alçar voos ainda mais altos, a startup prepara-se agora para a semana de aceleração em Oxford, em março, um intensivo de mentorias que faz parte da programação do The Venture.
“Conhecer negócios sociais de outros países, de outras realidades, será incrível, um superprêmio. Assim como apresentar o pitch em inglês na final em Amsterdã, para uma plateia selecionada”, diz Adriana, com a cabeça já na decisão do The Venture, em maio. “Independentemente de ganharmos, será uma experiência muito valiosa!”
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