Renata Dania, 31, estudava design de moda na Universidade Estadual de Londrina (PR). Lá conheceu Camila Gomes Lopes, 30, sua veterana de curso, e Vanessa Israel, 28, sua caloura. Foi naquele campus também que conheceu Amanda Zacarkim, 30, estudante de jornalismo.
Durante a graduação, as quatro eram, se muito, colegas. “A gente se cumprimentava e tal, mas nunca desenvolveu uma amizade”, conta Renata. Quem virou sua amiga já na época foi Laís Souza, 31, que cursava design gráfico. Uma vez com o diploma em mãos, Renata e Lalá mudaram para São Paulo em busca de colocação profissional, passando a coabitar o mesmo apartamento. Renata trabalhou com produção de figurino na Editora Globo e, em seguida, como estilista na Valisère, desenvolvendo lingeries e pijamas. Lá conheceu Marina Dini, 31, que logo passou do status de colega profissional para amiga pessoal.
Renata, Camila, Vanessa, Amanda, Lalá e Dini. Estas seis mulheres são o Clube do Bordado, empresa que vem crescendo e aparecendo com uma releitura atual para a tradicional técnica de desenho usando tecido, fios e mãos. Apenas com a mão-de-obra das criadoras, sem contar com investidores anjos e nem mesmo com investimentos próprios, o negócio alcançou em 2017 um faturamento médio de 24.300 reais ao mês, registrando crescimento de 44,6% em relação a 2016. Mas, até que o Clube virasse negócio, a história envolveu uma série de acasos e coincidências, além de muita jornada dupla de trabalho.
Foi em um inusitado evento de ex-londrineiros na capital paulista que Renata reencontrou Camila, sua veterana de faculdade. Em plena fila do banheiro, ela lhe contou estar desempregada e fazendo bordados para vender. Camila sempre bordara: de pequena aprendeu com a mãe e, nos anos de formação em design de moda, continuou explorando a técnica.
Renata fez então uma encomenda. E, quando recebeu a peça, ficou surpresa. “O avesso do bordado dela não tinha nó. Não tinha arremate, nada. Era um acabamento impecável e fiquei muito curiosa com isso”, relembra. A curiosidade se transformou em uma proposta enviada por mensagem à autora: “Você pode me ensinar?”.
O ano era 2013. Em uma quarta-feira, dia 14 de agosto, aconteceu o primeiro encontro entre as amigas para bordar. “O Clube começou lá na nossa casa. A Camila foi e ensinou a gente, eu e a Lalá. Aí postei uma foto no Instagram e na hora recebi mensagem da Vanessa e da Amanda”, recorda Renata. Coincidentemente, as duas ex-colegas de Londrina também estavam morando em São Paulo e se mostraram interessadas em participar daquilo. Dini, a amiga dos tempos de Valisere, foi outra que entrou em contato com vontade de aprender a bordar, ela conta:
“Uma semana depois, no segundo encontro, já estávamos as seis sócias juntas. Foi assim, numa casualidade, que o negócio começou”
Os encontros se tornaram semanais. Pelos nove meses seguintes, o Clube do Bordado se reuniu toda quarta-feira. Camila ensinava as técnicas que conhecia às demais e elas postavam suas criações na internet. Foi quando perceberam que existia bastante gente interessada não apenas em produtos, mas também em conteúdo sobre bordado. E passaram a compartilhar seus conhecimentos conforme os adquiriam.
O QUE HÁ DE INOVADOR EM BORDAR?
Com dicas e tutoriais apresentados de uma maneira descontraída pelas próprias, além de discussões sobre temas mais amplos do universo feminino, o Clube viu seu número de seguidoras e interações nas redes crescer organicamente. Até atingir os atuais 85 mil seguidores no Instagram, 33 mil no Facebook e 28 mil no YouTube, com um público constituído por 93% de pessoas como elas: mulheres entre 25 e 34 anos. O fato de serem seis sócias na faixa dos 30 anos se dedicando em pleno século XXI a uma atividade do tempo das nossas avós já chamaria atenção por si só. Porém, o bordado do Clube também era inovador. Na medida em que retratava valores feministas com uma visão de design moderna.
Em 2014, surgiria a primeira coleção autoral, com o conceito Soft Porn. Em vez de desenhar os pássaros e flores característicos do bordado tradicional, as imagens exploravam a sexualidade por um ponto de vista feminino bem íntimo. A coleção viralizou. A ponto delas serem chamadas para dar entrevista no jornal, na TV e passarem os meses seguintes atendendo encomendas de reproduções daquelas peças. O “sucesso”, porém, logo cobrou seu preço:
“Ficamos frustradas. Quando você faz 10 vezes o mesmo bordado, já não faz com o mesmo prazer. Só fazer reprodução e ter aquele dinheiro no fim do mês não era suficiente para nós. A gente só entendeu isso na prática”
Dada a boa recepção da coleção original, existia uma oportunidade verdadeira para fazer do Clube o ganha-pão das bordadeiras. Naquele momento, as seis pagavam suas contas com trabalhos paralelos. Trabalhos que, assim como as reproduções de bordados em série, não eram bem sinônimo de satisfação. “Quando você entra no mercado de trabalho, a realidade é bem diferente do que você aprende na faculdade. Você fica muito mais em contato com questões burocráticas, e-mails, planilhas e telefonemas, do que com processos criativos. Essa coisa do fazer manual era uma necessidade comum para todas nós, de ter essa desaceleração de processos, de reconexão com o tempo real e encontrar amigas com frequência”, diz Renata. E complementa: “Era um sonho nosso viver do Clube”.
As sócias seguiram desenvolvendo coleções, criando peças personalizadas sob encomenda e também passaram a comercializar cursos e workshops de bordado (tanto online, pela plataforma eduK, quanto presenciais). Porém, sem recursos próprios para oxigenar o negócio, o jeito foi manter um pé em cada barco e bastante disciplina no fluxo de caixa. Todas seguiram com seus empregos e todo dinheiro que entrava via Clube era reinvestido nele. “Ficamos dois anos sem fazer retiradas, voltando todos os recebimentos para a própria empresa”, afirma Renata. “Eu não tinha finais de semana. Chegava do trabalho e ia fazer coisas para o Clube.”
A vida dupla entre negócio próprio e empregos regulares permaneceria até 2016. No início daquele ano, as sócias decidiram investir em um processo de coaching (conduzido pela Nós, pessoas + negócios) que, após mapear competências, propósitos e metas de cada uma, resultou em um novo modelo de organização. Renata conta:
“Fizemos coaching justamente para tentar ter uma estabilidade financeira que nos proporcionasse sair dos outros empregos. Deu certo”
Ela prossegue: “Neste processo, chegamos em uma planejamento para o ano, definimos os ideais da empresa, um formato de remuneração e a organização interna dentre as atividades e demandas do Clube”.
Em uma empresa de organograma horizontal, com seis cabeças onde todas têm percentuais idênticos de participação, é de se perguntar como elas fazem para equilibrar opiniões divergentes e resolver possíveis conflitos. Nesse sentido, o diálogo e a sororidade têm sido preciosas ferramentas cotidianas: “Todas nós já tivemos históricos de chefes abusivos, de relacionamentos bem desgastantes de trabalho. Não é que a gente não discuta. Muito pelo contrário: a gente discute diariamente até, sobre várias questões. Mas com muito respeito, com muita educação. Nunca existiu um levante de voz de uma em relação à outra”, afirma Renata. Neste vídeo, elas apresentam detalhadamente como fazem para levar o negócio na prática.
O ano de 2017 foi o primeiro exercício na história do Clube com todas as donas dedicadas integralmente ao negócio. Foi quando fecharam parcerias com a carioca Farm, com a paulistana El Cabriton e lançaram seu próprio e-commerce, onde o ticket médio tem sido de 195 reais — os itens mais procurados são os cursos (o intensivo custa 300 reais, o básico, 200) e kits para bordar (variam de 89 a 152 reais, dependendo da quantidade de itens presentes). Foi também em 2017 que o Clube foi convidado para realizar, junto com a Maurício de Sousa Produções, um bordado para a ONU Mulheres. Na peça, a personagem Dorinha (que é uma garota cega, criada em homenagem à ativista Dorina Nowill) foi reproduzida em um bordado.
É SOBRE SEGUIR, CAMINHAR ANTES DO DINHEIRO CHEGAR, QUE ELE CHEGA
Se o faturamento mensal ainda não atingiu o patamar que elas gostariam, a taxa de crescimento anual é promissora. E, mesmo apertando o cinto e ainda pegando freelas vez ou outra pra fechar contas, já são quase dois anos sem que nenhuma mulher do Clube do Bordado tenha precisado procurar emprego. Renata fala que o faturamento do empreendimento ainda não é satisfatório. Não que 25 mil reais por mês, em média, seja ruim, mas pelo fato de serem seis sócias:
“Ainda não alcançamos os valores estimados para nossos salários, mas temos uma curva de crescimento satisfatória e otimista. Fico feliz com esses resultados, ainda mais considerando o contexto econômico em que a gente estava. Já já a gente chega lá”
Para os próximos 18 meses, o Clube já tem seu planejamento desenhado. Entre os projetos estão um serviço de conteúdo por assinatura (lançado em janeiro deste ano) e o desenvolvimento de uma plataforma própria de cursos online. Trabalhando para tudo isso prosperar as seis estão. E, se tem algo que pode ser dito olhando a história do Clube do Bordado é que, caso algo escape do traçado esperado, elas não têm medo de parar, desatar nós e costurar novos caminhos.
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