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Passado o escândalo político, a Andrade Gutierrez reforça as iniciativas de inovação

Marina Audi - 24 abr 2018 Gláucia Alves, Diretora de Inovação da Andrade Gutierrez, está na construtora há 10 anos, viveu o turbilhão da crise política e lidera o processo de transformação na empresa.
Gláucia Alves, diretora de Inovação da Andrade Gutierrez, viveu o turbilhão da crise política e lidera o processo de transformação na empresa.
Marina Audi - 24 abr 2018
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A preocupação sobre a solidez das iniciativas de que falaríamos neste texto sobre inovação corporativa foi grande pois, no caso, a “corporação” vem a ser uma empresa ligada à Operação Lava Jato. Antes mesmo de agendar a entrevista com Gláucia Alves, 31, diretora de Inovação da construtora Andrade Gutierrez, a AG, tive a grata surpresa de saber que a executiva não teria receio de falar dos momentos delicados da empresa. Além disso, é crucial o fato de que os programas de inovação antecedem a crise política (ou seja, têm agenda própria). Já não é fácil inovar em grandes corporações. Em setores tradicionais como este, menos ainda. Mas a semente da transformação, que se mostrou ainda mais urgente depois da crise de imagem, já estava plantada.

Sobre o noticiário político, vale um breve retrospecto. Para a AG, o auge da tempestade da Operação Lava Jato aconteceu em 2015, quando o então presidente da empresa foi preso, acusado de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa. Em agosto de 2017, mais quatro executivos da empreiteira foram condenados em ação penal. O agora ex-presidente Otávio Marques de Azevedo e outros cinco réus tiveram o processo suspenso devido a acordos de colaboração premiada firmados com a Justiça. Fecha parênteses.

Bem antes de tudo isso, em 2010, a recém-formada engenheira civil mineira Gláucia foi transferida para Manaus para trabalhar na construção da Arena da Amazônia (construída entre 2010 e 2014). Na época, a AG era responsável por obras em quatro estádios do país. Pela dificuldade logística e de acesso, o gerente de contratos em Manaus tomou a decisão de adotar, naquela obra, princípios de lean construction (“construção enxuta”, em livre tradução, uma metodologia com foco na eliminação de atividades que não agregam valor e a sistematização das necessidades dos clientes internos e externos). Ele colocou Gláucia à frente dessas iniciativas.

A IDEIA ERA SIMPLES: MELHORAR E FAZER DIFERENTE

“Com a metodologia enxuta, os índices de produtividade foram muito bons. O restante da empresa ficou impressionado e fui para a sede ser responsável pela parte de lean construction das nossas obras”, conta. A partir daí, ela afirma que foram desenvolvidos métodos e vários projetos de inovação contínua e incremental. Pessoas que gostavam de otimização de processos uniram-se à engenheira e criaram uma espécie de comunidade, dentro da própria AG. O intuito era “melhorar e fazer as coisas de um jeito diferente”. Ao longo do tempo, a equipe aumentou e formaram-se multiplicadores desse conceito.

A visão de que inovação era um diferencial competitivo ficou clara na AG a partir de 2016. Até então, Gláucia cuidava das iniciativas de inovação internas. Em meados do ano passado, foi criado o A2G – All together (“Todos Juntos”, em inglês), programa de inovação que reúne as iniciativas corporativas internas e programas de conexão com universidades e startups, como o AG Digital Day (que propõe um desafio específico e seleciona novos negócios com soluções aplicáveis em projetos de engenharia de grande impacto e infraestrutura) e o Vetor AG (aceleradora interna pela qual a construtora desenvolverá soluções para desafios sistêmicos da companhia e servirá de laboratório para aplicação e teste em escala real, dentro das obras).

Atualmente, Gláucia lidera 45 pessoas que atuam nas Américas. Ela pediu à reportagem que não deixasse o foco todo sobre ela, mas, sim, sobre o que está sendo feito: “É mérito de uma empresa inteira que está mudando completamente a forma como trabalha”. Leia a seguir os principais pontos abordados na conversa com o Draft.

O que foi o estopim para a AG se debruçar mais sobre inovação?
As iniciativas de inovação começaram em 2010, mas como estratégia a inovação apareceu no ciclo de 2014/2015, com a meta de fortalecer o compliance, instalado em 2013 e que, hoje, é certificado. Lá atrás, começamos a falar de ter excelência operacional como disciplina de valor. Entretanto, foi no ciclo estratégico de 2016/2017 que percebemos que a inovação poderia ser um diferencial competitivo. A equipe começou como um grupo interno de lean construction. Primeiro, tivemos várias consultorias externas, umas sete, para nos ajudar nessa parte operacional até formarmos a rede de consultores internos por meio do Lean Institute Brasil, com quem fizemos uma parceria. Hoje, temos multiplicadores nas obras em todas as localidades e em áreas corporativas. Esses multiplicadores ajudam a redesenhar os processos e a criar formas mais eficientes da gente trabalhar e fomentar a mudança. Não existe área de inovação. Se você centraliza a inovação, ela não acontece. Somos menos especialistas e mais líderes de torcida que fomentam a mudança de cultura em toda a empresa. Incentivamos as pessoas a inovar e não trazemos as respostas de como elas devem inovar.

De que forma o envolvimento de executivos da empresa na Lava Jato influenciou as iniciativas de inovação?
Já estávamos com um movimento bacana de melhoria de performance e de resultados quando a imagem da empresa sofreu um baque significativo e precisamos usar todas as nossas forças para voltar a ter credibilidade no mercado.

Essa crise (a Lava Jato) potencializou a necessidade de focarmos em eficiência e de conquistarmos os clientes por outros meios

O que fizemos para esse ciclo estratégico foi uma pesquisa de mercado com apoio de uma consultoria externa. Descobrimos que excelência operacional era realmente o valor que fazia mais sentido para os clientes que queríamos conquistar. Na visão deles, nenhuma das grandes construtoras era reconhecida como inovadora.

Quais são os desafios de se olhar para inovação na área de construção civil?
A indústria da construção civil, principalmente a de estrutura, é tradicionalista. Fazer essa indústria inovar é um desafio por si. Porém, infraestrutura é um setor extremamente relevante para a economia, que chega a representar 30% do PIB de um país. Então, não é um setor de que, simplesmente, se possa abrir mão. É difícil? Sim. Toda gestão de mudança enfrenta resistências, é inerente ao processo e isso não é específico da construção. Em todos os congressos que vou, vejo que os desafios de quem trabalha com inovação são os mesmos.

Não só na AG, mas a cultura corporativa, de forma geral, ensinada nas escolas de negócios de que não se pode errar é contrária ao comportamento inovador. A gente precisa permitir o erro e a experimentação porque se não há erros, não se inova o suficiente. O maior desafio é como construir uma cultura menos hierárquica e mais colaborativa, que permita o erro como forma de aprendizado, que entenda que experimentação é parte da busca pela solução. Temos de entender que o futuro do trabalho é muito mais aprender a aprender que desenhar processo em si.

E na AG, onde é mais difícil mudar esse mindset?
Em todos os níveis e escolaridades. Sempre há pessoas mais entusiastas às mudanças e à tecnologia e outras mais fechadas. Em geral, os executivos e engenheiros mais jovens, criados em um ambiente mais conectado e informatizado, tendem a ser mais abertos. Claro que há exceções. Nosso CEO, Clorivaldo Bisinoto, por exemplo, tem 42 anos de empresa e é uma das pessoas mais empreendedoras que conheci na vida. A maior dificuldade de mudar mindset é com pessoas analíticas e com mais aversão ao risco, pois inovação pressupõe que não se tem todas as respostas.

Quando se fala do pessoal que trabalha nas obras, eles apoiam bastante, desde que se traduza o contexto para a linguagem deles. Não adianta chegar com explicações complicadas de métodos e processos. Fazemos iniciativas diferentes para esse público. Recompensamos o chamado “takt de ponta” (ideias inovadoras completamente simples). Por exemplo, o cara sempre carregou um vergalhão nas costas e inventa um carrinho para otimizar o processo dele e ter melhor qualidade de vida no trabalho. Reconhecemos essas pessoas, fazemos eventos para o gerente de contrato ir até a obra, dar parabéns e entregar um certificado de reconhecimento. São formas mais simples de trazer o conceito de lean construction, mas são tão importantes quanto as mais complexas.

Como surgiu o interesse da AG investir em inovação aberta?
Temos ciência de que, hoje, a velocidade de geração de conhecimento no mundo é exponencial. Por mais que se tenha uma estratégia de inovação bem desenhada e formas estruturadas de buscar ideias de melhores práticas com pesquisa e desenvolvimento – que nós também fazemos – não é suficiente. Então, percebemos a necessidade de fazer inovação de maneira aberta. Sabíamos que a flexibilidade e a velocidade que as startups têm poderiam acrescentar muito valor em experimentação e conseguiríamos, assim, nos posicionar e passarmos a ser proativos em relação à tecnologia.

Precisávamos de um guarda-chuva que representasse a luta que tivemos para reconstruir a empresa. Para isso, tínhamos de estar junto com as startups, fazendo inovação aberta

Por conta disso, em meados de 2017, surgiu a ideia de criar o A2G – All together, programa de inovação que envolve tanto iniciativas internas quanto de inovação aberta. Ele envolve tudo o que fazemos para buscar a disciplina de valor de excelência operacional. O programa de captura de ideias internas e as iniciativas de conexão com o ecossistema (o programa de inovação AG Digital Day e a aceleradora Vetor AG) estão dentro do A2G -All together.

Qual é a diferença entre o AG Digital Day e a Vetor AG?
O AG Digital Day é um desafio global para o qual trazemos um problema específico. Por intermédio dele vamos contratar a startup, é uma relação cliente-fornecedor. Somos um tipo de “cliente-anjo”. No caso da Vetor AG, iremos co-criar a solução acelerando as startups para que elas se transformem em empresas melhores e, eventualmente, escaláveis. Aqui, estamos em um estágio anterior e não há um desafio para uma obra específica. Pegamos desafios sistêmicos da companhia que podem ser endereçados por meio do desenvolvimento de tecnologia. Nós ajudamos a desenvolver essa tecnologia e aplicar em escala real. Neste caso, é uma relação de mentoria e desenvolvimento, tanto da solução e da startup em si quanto da AG.

Sede da Andrade Gutierrez, em São Paulo, com "espírito maker" para abrigar a área de engenharia e o espaço da Vetor AG.

Sede da Andrade Gutierrez, em São Paulo, com “espírito maker” para abrigar a área de engenharia e o espaço da Vetor AG.

Aliás, é importante falar que decidimos fazer uma aceleradora interna e não apenas contratar uma aceleradora externa porque a gente quer mudar a nossa cultura. Queremos que ela seja mais flexível e mais inovadora. Acreditamos que a convivência das startups dentro da nossa área de engenharia vai nos ajudar, tanto que decidimos incubar a Vetor AG na sede de São Paulo. Criamos um espaço físico para inovação com espírito maker, perto da área de engenharia, que também foi remodelada. Porém os pilotos e MVPs são em campo. Durante cinco meses, as startups ficam alocadas na sede da Vetor e viajam para as obras para aplicar os pilotos e fazer os testes. Já toda parte de treinamento, mentoria e conexão com a área de engenharia é na sede.

A Vetor AG trabalha com o modelo de ficar com equity das startups?
Não. Quando decidimos que faríamos a aceleradora, realizamos uma pesquisa de mercado para entender o que a AG poderia trazer de valor para as construtechs (startups que trabalham com construção). Sabíamos claramente o que as startups trariam de valor para a gente e queríamos ouvi-las. Elas nos disseram que a maior barreira para se trabalhar com construção pesada é o próprio setor em si, que é altamente regulamentado e tem poucos players com qualificação técnica. Não se pode, simplesmente, chegar na usina de Belo Monte, bater à porta e pedir para testar um drone. Não funciona assim! Alguns fundadores me disseram que investimento era possível conseguir em muitos lugares, mas o que eles não conseguem é testar a solução em escala 1:1.

Descobrimos que o maior valor agregado que podíamos trazer para as startups que querem trabalhar na indústria de construção pesada era nos tornarmos o laboratório delas

Foi por isso que decidimos não ir pela linha clássica das aceleradoras de tecnologia e falar: “Eu te dou X mil reais e você me dá 10% da sua empresa”. Criamos um modelo que fazia sentido para a gente e para as nossas startups-alvo.

Que resultados foram obtidos com o Programa A2G?
Em relação às iniciativas de lean construction dos últimos oito anos – e mais fortemente nos últimos quatro –, temos um plano de captura de valor que nos ajuda a monitorar e indica que há obras em que conseguimos redução de 7 a 8% de custo direto. Em termos de produtividade, chegamos a dobrar. Nas áreas corporativas onde fazemos iniciativas de lean construction, conseguimos, no mínimo, crescer 20% em produtividade. É muito significativo. Ainda não conseguimos dar números absolutos sobre inovação aberta porque o AG Digital Day aconteceu em meados do segundo semestre de 2017 e as soluções ainda estão sendo implantadas em campo. O retorno dos testes começa a chegar agora. E a residência das startups do programa Vetor AG começou no final de abril. Temos, sim, uma estimativa do valor que pode ser capturado em relação aos métodos tradicionais. Em termos de produtividade, devemos ter um ganho entre 20 e 30%.

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