por Rogério Silva
Recentemente, dei uma aula para um grupo de empreendedores ligados à aceleradora da Artemisia e, a partir da vivência com eles, produzi este artigo sobre Teorias de Mudança. A curiosidade sobre esse tema só tem crescido e há uma boa razão para isso. Figurando entre as principais ferramentas de gestão de negócios de impacto, as Teorias de Mudança têm sido cada vez mais utilizadas para três pontos essenciais a esses negócios: primeiro, permitir a projeção dos impactos socioambientais desejados; segundo, apoiar a elaboração de uma narrativa causal consistente para resultados e; por fim, para alinhar equipes e stakeholders em torno de propósitos.
Embora sejam cada vez mais utilizadas, ainda há pouco acúmulo teórico e poucas demonstrações públicas das Teorias de Mudança. Por isso, neste artigo minha intenção é apresentar alguns pontos críticos capazes de apoiar a construção e uso de Teorias de Mudança. Meu objetivo é que empreendedores e empreendedoras passem a experimentá-las, de maneira autônoma, como suporte à melhoria de seus negócios.
Mas, afinal, o que são Teorias de Mudança?
Oriundas do campo da gestão por resultados e primas dos modelos lógicos, elas são um fluxo explicativo capaz de demonstrar de que maneiras as transformações sociais desejadas e necessárias serão produzidas. Encadeando estratégias, população-alvo, produtos, resultados e impactos em relações causais, as Teorias de Mudança são uma forma de projetar os compromissos de um negócio com a sociedade.
As Teorias de Mudança são o suporte técnico do discurso político associado a cada negócio social ou de impacto
A fim de fomentar o uso desta ferramenta entre esse tipo de negócios, apresento a seguir sete argumentos para apoiar tanto aqueles que simplesmente queiram compreender melhor essa ferramenta, como aqueles que queiram construir ou revisar a teoria de mudança de seu negócio.
Primeiro: conheça muito bem o contexto
Toda Teoria de Mudança retrata uma ação inserida em uma realidade social. Como todas as realidades possuem atores, problemas, ativos, demandas e uma série de regras culturais e legais, é de suma importância conhecer a realidade sobre a qual se deseja intervir. Quanto mais preciso e sensível for o conhecimento sobre os problemas e as oportunidades de uma população ou um território, mais relevante poderá ser o caminho da ação. Mais relevante será a Teoria de Mudança.
Espera-se, portanto, que uma Teoria de Mudança demonstre a melhor compreensão possível do problema social que um negócio endereça, e que ela apresente estratégias, resultados e impactos efetivamente capazes de solucionar ou reduzir os efeitos negativos do problema, seja diretamente, seja em apoio a políticas e serviços públicos ou seja em colaboração com negócios tradicionais.
Por exemplo, se um negócio quer “oferecer um aplicativo que ajuda as pessoas a encontrarem os melhores serviços de assistência social e saúde em seu território”, é preciso que a demanda por esta informação realmente exista, que seja viável que os dados de oferta sejam atualizados constantemente pelos órgãos públicos e que as pessoas que precisam dos serviços tenham acesso a smartphones e à internet. Se a empreendedora não conhece a realidade, será fácil errar a estratégia e mais fácil ainda prometer o que não se pode cumprir.
Segundo: tenha uma declaração de impacto clara
As Teorias de Mudança devem apresentar uma declaração de impacto clara e consistente, sendo este o norte de sua construção. Além disso, precisam também apresentar a cadeia de resultados (outcomes), produtos (outputs) e estratégias (serviços, ações, iniciativas etc.) que conduzirão ao impacto. Neste sentido, as teorias de mudança são fluxos de causalidade mostrando que um resultado pode levar a outro, sucessivamente. Tal estrutura é crucial para tornar evidente o caminho das mudanças.
A busca por causalidade, entretanto, não pode significar a projeção linear de resultados que não se sustentem em si mesmos e entre si. As relações entre os resultados e o impacto devem ser consistentes e justificadas técnica, cultural ou economicamente, o que sempre as torna complexas e, em alguns casos, pouco governáveis. Tais justificativas ou explicações são normalmente os pressupostos ou premissas sobre as quais uma teoria de mudança é construída.
Um pressuposto pode advir de um estudo científico, da experiência empírica de um empreendedor, do acúmulo de informação sobre um setor ou de um padrão de comportamento. Quando alguém diz, por exemplo, que “ampliar a escolaridade dos pais favorece o desenvolvimento integral de uma criança” é preciso que o pressuposto que sustenta esta afirmação seja defensável e explícito.
Terceiro: tenha consciência da sua responsabilidade
Toda Teoria de Mudança projeta um impacto final, uma transformação socioambiental necessária na realidade. Por isso, é uma promessa de que o negócio está orientado e comprometido a um propósito relevante. Seja por mirar uma situação de “obesidade infantil reduzida” ou “pequenos agricultores com acesso a crédito”, uma Teoria de Mudança é sempre uma declaração política.
Por isso as teorias de mudança devem ser capazes de demonstrar a conexão e a responsabilidade de um negócio com uma certa temática ou grupo populacional. Ao mesmo tempo, por atuar em realidades socioambientais complexas nos quais o poder de um ator está sempre compartilhado com outros, as Teorias de Mudança devem deixar claro até onde vai sua responsabilidade. Em outras palavras, reconhecer que sua governabilidade sobre o impacto é sempre limitada.
Se uma iniciativa produz “jovens formados em curso técnico de desenho gráfico”, ela não entregará emprego e renda, ainda que irá esperar resultados tais como “jovens empregados” e “jovens com renda mensal estável.”
Na cadeia de resultados, sempre haverá zonas de incerteza e pressupostos com as quais é preciso lidar. Quanto mais nos movemos em direção ao impacto, menor a governabilidade
Quanto mais ambiciosos os resultados, mais dependemos de fatores que não conhecemos, influenciamos ou governamos.
Quarto: fale sobre resultados e não intenções
Nascidas no esteio da gestão por resultados e afiliadas aos modelos lógicos de planejamento e ao amplo campo das teorias de programa, as Teorias de Mudança devem explicitar impactos e resultados alcançados, mas nunca objetivos ou operações. Ao falar de “casas reformadas”, “professores formados” ou “alunos certificados”, as Teorias de Mudança deslocam o discurso das intenções para as conquistas, não falando em “reformar casas”, “formar professores“ ou “certificar alunos” em prol de um discurso de entregas tangíveis.
Ao mesmo tempo, uma Teoria de Mudança não substitui um plano operacional, mas é um ótimo apoiador para a sua elaboração. Se um negócio tem em sua cadeia de resultados elementos como “parques públicos com áreas de brinquedos adequadas a crianças pequenas” e “prefeitura comprometida com a implementação de brinquedos adequados a crianças pequenas”, tais resultados oferecem bases para que um plano operacional se desdobre deles, incluindo ações, responsabilidades, prazos e recursos. Um plano de ação, contudo, requer outra ferramenta entre as várias disponíveis.
Quinto: tenha um manifesto leve e direto
Teorias de Mudança podem ser peças de comunicação capazes de dizer à sociedade aquilo que é mais precioso no compromisso público de um negócio social ou negócio de impacto. Para cumprir esta função, duas condições são necessárias.
Primeiro, lançar mão do design gráfico para representar a Teoria de Mudança de forma sucinta, clara e inspiradora. Portanto, abandone a silhueta sisuda das matrizes e relatórios de planejamento, substituindo-os por representações gráficas que articulem impacto, resultados, produtos, estratégias e pressupostos.
Em segundo, adicionar à representação gráfica uma narrativa que, no formato leve e direto de um manifesto que possa ser lido em 3 a 5 minutos, seja capaz de ungir a Teoria de Mudança com elementos do contexto (problemas, oportunidades etc.) e com os compromissos do negócio (impacto desejado e resultados que levarão a ele).
Sexto: atente para o processo de construção da mudança
À medida que uma Teoria de Mudança busca não apenas construir um marco de ação consistente, mas também alinhar equipe e atores em torno de um propósito comum, é crucial que ela seja construída de forma cuidadosa e inclusiva. A maneira como os atores interagem, a qualidade de seus diálogos, o espaço para leituras críticas e o impulso para proposições criativas e tecnicamente consistentes são determinantes para a qualidade de uma teoria de mudança.
Neste sentido, considerando perfil da equipe e natureza do problema, cultura organizacional e relações com atores externos, espera-se que o caminho de construção de uma Teoria de Mudança equilibre processo e produto.
O tempo já nos mostrou que Teorias de Mudança impostas de cima para baixo não geram compromisso e, muitas vezes, nascem com grandes lacunas técnicas
Ao contrário do que alguns ainda afirmam, nós não desejamos centralização de poder.
Sétimo: monitore e adapte o que sua teoria propõe
Toda Teoria de Mudança é uma aposta. Por isso, todas elas guardam zonas de incerteza. Mesmo quando embasadas em estudos científicos ou boas pesquisas de comportamento, elas falam de ações no futuro, ações que irão operar num campo imprevisível onde agem e interagem inúmeras forças, visíveis e invisíveis. Neste cenário, erros de estratégia e de expectativas são comuns.
A partir das Teorias de Mudança, o papel dos processos de monitoramento é manter a atenção na maneira como a teoria e a realidade se encontram. Se o negócio esperava “produtores rurais engajados na plataforma digital” ou “comerciantes locais aderidos ao programa de pontuação”, há indicadores que podem monitorar o avanço destes resultados, como o número e o percentual de produtores de uma região engajados na plataforma ou filiados ao programa.
Com critérios de desempenho colados aos indicadores, tal como um número ou um percentual esperado em um determinado período de tempo, mas também com permanente leitura qualitativa da realidade e do funcionamento do próprio negócio, é possível guiar as operações de forma a adaptar o negócio às demandas e oportunidades emergentes. Ainda que uma Teoria de Mudança seja a projeção de um futuro desejável, ela é também uma aposta que poderá ser alterada ao longo do percurso. Teorias de Mudança, portanto, não devem ser escritas em pedra.
Por fim… decole!
Ainda que a ferramenta se chame Teoria de Mudança, nada ensinará mais sobre ela do que seu uso prático, sua construção coletiva e sua apresentação à sociedade. Neste sentido, as recomendações com as quais concluo este artigo são: faça você mesmo! Experimente em sua cozinha! Faça com os seus colegas! Mostre para seus parceiros e apoiadores!
Sem contraindicações, é recomendável apenas que alguns cuidados sejam considerados no caminho: não estabeleça conexões causais inconsistentes e incapazes de assegurar resultados; não teorize demais os impactos, se esquecendo do que as realidades sociais demandam e suportam; não imponha uma Teoria de Mudança como se ela fosse um instrumento de coerção e controle; não prometa aquilo que o seu negócio não será capaz de entregar.
Em muitas situações, a singeleza e o diálogo franco são os segredos da prosperidade. As teorias de mudança estão aí para te ajudar a pensar e dialogar, nunca para te estimular a atropelar a complexa realidade social, tampouco a impor impactos impossíveis.
Rogério Silva, 45, é consultor em desenvolvimento organizacional evolutivo, com ampla experiência em estratégia e avaliação. Sócio da Pacto Regeneração Organizacional, é iniciador da Regenera e fundador da Move Social e do Instituto Fonte. É autor do Guia prático: avaliação de negócios de impacto, publicado pela Artemísia e pela ABF.
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