Quando Marcella Olinto, 29, ganhou uma bicicleta do pai ainda durante a graduação em Ciências Biológicas, ela conta que sentiu ter encontrado sua verdadeira vocação. Mais do que um meio de transporte para o trânsito de Florianópolis, passou a ter vontade de trabalhar com bicicletas. “Vi que a bike podia me levar para muito longe”, diz ela. Nem um atropelamento a fez desistir, talvez até o contrário: foi nesse momento de luta por melhores condições para ciclistas e desejo de transformar a paixão em um negócio que ela conheceu a designer Rafaela Sotuyo, 29, e Giovani Poletto, 40. Juntos, eles criaram o Garupa Bike, um espaço que funciona como “bicicletaria e etc.”, na definição dos próprios.
Além de ser um dos poucos locais do Brasil que tem mulheres trabalhando como mecânicas, a loja é também um ponto de encontro para ciclistas da cidade, como fala Rafaela:
“A gente quis criar um ponto de apoio aos ciclistas, um lugar onde a pessoa chegue e se sinta acolhida”
A proposta tem dado certo. A poucos metros da Universidade Federal de Santa Catarina, o lugar atrai quem busca desde serviços como a revisão ou manutenção da bike (130 reais) até cursos de mecânica (70 reais para turmas com quatro alunos). O espaço aberto, sem divisória física entre loja e oficina, com um sofá, uma geladeira recheada de cervejas artesanais e um bicicletário também ajuda a conquistar a clientela. Não que isso tenha sido um obstáculo para o trio — o maior desafio na história do Garupa foi criar o negócio em si.
Tudo começou em 2013. Marcella, Rafaela, Giovani e outros três amigos se reuniram com a ideia de “criar um negócio de bikes”. O que seria exatamente, não sabiam. Giovani trabalha com bicicletas desde os 13 anos, pois seu pai tinha uma oficina em São Marcos (RS), cidade na Serra Gaúcha. Rafaela pensava que poderia ajudar a criar a comunicação para o negócio. Um dos amigos, Luciano Trevisol já possuía uma fábrica própria de equipamentos para bikes, a Aresta. “Queríamos ter uma renda a partir disso, falávamos em um espaço, sem definir se seria um bar, um café, um bici café”, diz Rafaela.
Tiveram a ideia de começar organizando uma festa. Assim, veriam se trabalhavam bem em equipe e, principalmente, conseguiriam levantar fundos para pagar pelo futuro espaço. Com duas edições, a “Festa da Bicicleta” serviu para que entendessem que se dependessem de fazer eventos para conseguir abrir a loja, ficariam para sempre fazendo eventos. Não era o que queriam.
Após um ano nessa indefinição, Giovani tomou uma atitude. Chamou as duas atuais sócias para conversar e propôs que fizessem um negócio só deles. “Foi mais por sentir a energia, os outros não estavam tão pilhados quanto a gente”, conta Giovani. Sem azedar as amizades, partiram em voo solo, ou melhor, triplo.
UMA MÃOZINHA DOS AMIGOS
Recomeçaram praticamente do zero. Em fevereiro de 2014, foram ao Fórum Mundial da Bicicleta para se inspirar sobre o que estava rolando no universo do ciclismo. E lá, participaram da comemoração do primeiro ano do Las Magrelas, um bar e bicicletaria de São Paulo. “Eles são nossa grande inspiração, nós ficamos tietando a Talita (Noguchi, fundadora do Las Magrelas), foi até meio ridículo”, conta Rafaela, rindo. “Naquela época, não existiam essas iniciativas que agora são até mais comuns, elas brotaram em um período curto de tempo.”
Com uma noção melhor do que desejavam fazer, voltaram à Florianópolis e criaram um canvas para definir como seria o tal negócio. Entre as prioridades, estava o foco em um serviço de mecânica de qualidade, loja com produtos nacionais e feitos à mão (o amigo que não permaneceu como sócio é um dos fornecedores), oferta de cursos para gerar autonomia para os ciclistas e eventos culturais.
Tudo voltado para um público “bicicleteiro”, ou seja, que usa a bicicleta mais como meio de transporte do que para prática esportiva.
Na hora de montar o plano de negócios, a “tietagem” se mostrou uma aliada: a fundadora do Las Magrelas compartilhou a planilha de custos com tudo o que o trio precisaria para montar algo parecido com a casa paulistana, cerca de 50 mil reais.
O próximo passo era encontrar o espaço em si. E aí mais uma vez contaram com a ajuda de um amigo, que rodou o bairro de Trindade inteiro (de bicicleta, é claro) até encontrar o local ideal. Os três começaram a reforma do lugar e, literalmente, colocaram as mãos na massa para minimizar os custos ao máximo com a reforma. A irmã de Marcella fez o projeto, um amigo mestre de obras deu algumas dicas e o resto dependeu deles — de derrubar paredes a fabricar os móveis e instalar a parte elétrica. Eles estimam ter economizado cerca de 30 mil reais em mão de obra.
PEDALANDO E ATENDENDO COMO UMA GURIA
No dia 8 de setembro de 2014, o Garupa foi inaugurado. E “foi uma loucura”, como conta Rafaela. Por quererem unir tantas ideias em um só lugar, faltaram braços no início. “Nós criamos um conceito baseado em coisas reais, mas a demanda foi muito maior do que esperávamos.”
Talvez justamente por já fazerem parte do meio e pate do público-alvo que desejavam alcançar, ficaram conhecidos rapidamente e a agenda de serviços começou a ter espera de um mês (o resultado também é visto no faturamento, que hoje é de cerca de 20 mil reais mensais). No meio da correria, as duas sócias tiveram que aprender na marra a lidar com a gestão de um negócio e a consertar bicicletas. Este último desafio trouxe ainda um agravante: o machismo da profissão.
“A gente, com certeza, sentiu isso no começo, essa é uma profissão majoritariamente masculino. A Marcella é uma das poucas mecânicas do Brasil”, conta Rafaela. Apesar de ter aprendido a lidar com as peças, Rafaela deixa os consertos mais a cargo dos dois sócios. Para Marcella, as mulheres sentem necessidade de fazer muito melhor para provar serem tão capazes quanto os homens, pois a sociedade não dá tanta credibilidade a elas.
“Muita gente entra e vai direto falar com o Giovani ou, então, pergunta ‘mas é você que vai mexer?’ No início, sentia mais essa necessidade de me provar, agora já perdi a paciência”
Giovani, por sua vez, afirma “só observar” para estimular os clientes a aceitarem o atendimento de Marcella. A bandeira de maior inclusão das mulheres no meio é levantada por eles em cursos e bate-papos específicos, além de apoio a movimentos como o 100Gurias100Medo, que busca empoderar mulheres ciclistas através de pedaladas e outros eventos.
Embora não tenha sido proposital, os três recentemente contrataram mais uma mulher para dar uma força na loja. “Agora que paramos para pensar, recebemos muitas candidatas mulheres. Será que se tivéssemos outra proposta tantas iriam se candidatar?”, questiona-se Rafaela.
Além da contratação, outras adaptações foram feitas no período para melhorar o fluxo de trabalho, mas sem perder a essência do negócio: reduziram um pouco o número de eventos (antes, faziam exposições de arte praticamente todo mês no espaço), postergaram os planos de abrir um café ou servir comidas no local e anteciparam o horário de fechamento da loja para as 19h (no início, iam até às 20h, na esperança de receber clientes para happy hour, mas viram que isso não daria muito certo). O plano agora é fazer uma nova imersão para avaliar o que conquistaram até aqui e definir que rumos querem tomar. Um fato é certo: os sócios não se enganaram quando perceberam que a bike os levaria muito longe.
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