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“Tem muita receitinha pronta de liderança por aí. Mas a realidade das empresas é bem diferente”

Giovanna Riato - 17 maio 2018
César Souza é conhecido por muitos como um guru empresarial, embora negue a condição. Aqui, fala sobre formação de líderes, erros comuns de quem administra negócios e de como a diversidade importa.
Giovanna Riato - 17 maio 2018
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“O mundo dos negócios não tem mais espaço para gurus. As pessoas não aceitam mais dogmas cegos.” Quem diz isso é César Souza, 66, que, bem, é visto por muitos como um guru capaz de guiar pessoas e empresas na busca por propósito, por fazer planejamentos, desenhar estratégias e formar líderes. Para ele, o nome adequado para o escopo destas funções é “influenciador da liderança”, alguém que consegue levar outros olhares para o comando das organizações. Com este objetivo, César escreveu oito livros e fundou o Grupo Empreenda, em 2002.

Baiano, ele conta que descobriu jovem que tinha as habilidades certas para fazer Administração. “Tomar conta do negócio dos outros”, como ele entendia. Entrou na faculdade, em Salvador, e teve a chance de fazer mestrado na Universidade Vanderbilt, no Tenesse (Estados Unidos), com uma bolsa que buscava formar agentes de transformação, algo que soa bem razoável em 2018, mas era uma novidade e tanto nos anos 1970.

Ele sustenta que o foco das empresas deve estar sempre nas pessoas – até mesmo no meio da atual transformação digital. A tecnologia, fala César, precisa ser meio e não fim. Não dá para perder a proximidade ou abrir mão da conexão real. Se o cenário muda para as empresas, também muda para os profissionais que trabalham nelas. Segundo ele, de modo geral, a execução é um ponto fraco das organizações no Brasil, algo que pode estar relacionado justamente com a falta de bons líderes.

Em 45 anos de estrada, César trabalhou com as principais empresas do Brasil, assistindo a líderes que emergiram e a outros que saíram do mercado pela idade ou como consequência de escândalos de corrupção. Pois é. Na entrevista a seguir, ele fala dos caminhos para que as companhias contornem estes desafios, da importância das organizações definirem propósito e da transformação que as empresas precisam fazer para seguirem relevantes para os clientes e para os novos talentos.

Como começou seu interesse por discutir a liderança das empresas?
Pensei em ser advogado ou jornalista, mas um teste vocacional me apontou a possibilidade de estudar Administração. Eu pensava que era simplesmente tomar conta do negócio dos outros, mas quando comecei a estudar vi coisas importantes. Uma empresa só existe por causa das pessoas, elas são a razão de ser de qualquer negócio.Nenhuma empresa funciona no vácuo. O que me interessa na administração é o intangível, lidar com as pessoas em seus diferentes papéis. É isso que define o sucesso de qualquer administrador. O papel dele não é lidar com o arquivamento, a máquina, o prédio ou os processos. O verdadeiro administrador, o empreendedor, tem que saber lidar com o intangível, que não é ensinado na escola.

E já existia um caminho para desenvolver este pensamento?
Quando me formei em Administração conheci lá na Bahia o professor russo, o Igor Ansoff, que tinha acabado de lançar o livro Estratégia Empresarial, em 1973. Ele é o pai da estratégia empresarial e influenciou pensadores como Peter Drucker. Igor era físico e foi o primeiro a defender que as empresas precisavam de uma estratégia que, até então, era algo que só o exército usava. Foi ele que me falou sobre um mestrado na Universidade Vanderbilt, no Tenesse, para formar agentes de transformação. De cara, essa abordagem me atraiu. Consegui uma bolsa e fui estudar lá. A questão é que ele tinha uma visão muito racional de tudo, muito lógica. Comecei a levar essa abordagem de que o componente humano tem peso grande na estratégia e este tema se transformou na minha tese de mestrado: The human side of strategy. A estratégia empresarial carrega esse lado lúdico, emocional e intangível.

O sonho é a primeira etapa do planejamento da estratégia. As empresas que dão certo são aquelas que tiveram sonhos

No Brasil, temos uma série de exemplos, como Embraer, Magazine Luiza e Natura. Fui atrás dessas histórias para entender o sonho por trás e levar esse aprendizado para as pessoas. A parte econômica e lógica é um componente da estratégia, mas o mais importante é o que está na cabeça e no coração do líder, do fundador.

Além do sonho, quais são as características de um bom líder?
O líder tem que ser muito bom na gestão de resultados. Isso vale para o que é quantitativo, como performance financeira e vendas, e o que é qualitativo, como imagem e clima interno. Também tem que ser muito bom na gestão de clientes, de pessoas e de equipes – é aí que estão os maiores problemas da liderança hoje. Precisa ser alguém capaz de construir parcerias, ter visão de sistemas e processos. Outro aspecto importante é propósito: a pessoa precisa ter um propósito de vida que tenha convergência com o propósito da empresa, este é o fio condutor de tudo.

Hoje você é um guru de liderança?
Não gosto da palavra guru. Guru tem seguidores, faz com que as pessoas às vezes aceitem dogmas sem raciocinar muito. Me considero mais um influenciador da liderança, um educador da liderança.

Como você falou, a estratégia empresarial foi inspirada na estratégia militar. A questão é que hoje as pessoas estão cada vez menos interessadas em estruturas rígidas. Como ficam as organizações neste cenário?
Estamos vivendo em um mundo em reconfiguração. Tudo que era fixo ficou móvel e esta é grande revolução, a mobilidade. O que era fixo, industrial, ficou volátil. O que era tangível, hoje é intangível. Isso desestruturou as relações das empresas porque todo o ecossistema da vida social está mudando. A revolução tecnológica exige uma nova forma de relacionamento entre as pessoas, ela fragmentou a liderança, que sempre foi mais piramidal, baseado em algumas poucas referências. Este sistema hierárquico tende a se desgastar rápido. Antes o líder que tinha gente atrás de si, hoje ele precisa ter gente em torno de si.

O que as empresas têm que fazer para atrair atenção e o interesse das novas gerações, que buscam mais flexibilidade?
Esta é a pergunta de um milhão de dólares. A primeira coisa é ter um propósito claro que tenha aderência aos anseios dessa geração. Falar de uma empresa que fabrica e vende alimentos é uma coisa. A mesma companhia pode se redefinir com o propósito de propiciar saúde para as pessoas. Em qual companhia você acha que as pessoas vão preferir trabalhar?

Propósito é um jogo de palavras, mas não é algo vazio para botar na parede. Precisa estar no DNA da empresa e ser claramente comunicado

Oferecer autonomia para os profissionais é outro ponto importante: as pessoas, principalmente as mais jovens, não querem mais ser reféns de chefes. É essencial desenvolver líderes e não chefes ou gerentes.

Com a missão de conduzir a transformação em diversas empresas, o que você precisou ajustar na sua própria carreira ao longo dos anos?
É preciso se reinventar sempre, todos os dias. Tenho essa coisa extremamente dinâmica de sempre estar atrás de novas referências. Quem ficar acomodado, sentadinho na cadeira, está morto.

O empreendedorismo passa por uma glamourização grande, com o crescimento do chamado empreendedorismo de palco. O que você acha disso?
Uma das coisas que mais me preocupa na formação de um líder, de um gestor, é que eles se aprofundem.

Tem muita receitinha pronta de liderança e, na realidade, tudo é diferente. Falta conteúdo e consistência

Como educador da liderança, entendo que é preciso estar constantemente aprendendo e ajustando as coisas. Senão viramos parte do passado. A única coisa que não pode ser ambulante são certos valores, como integridade, respeito, transparência. O resto precisamos evoluir e mudar constantemente.

Vivemos crises éticas na política e na economia, com participação da liderança das grandes empresas no Brasil em escândalos de corrupção. O que deu errado? Como resolver essa descrença em que o mundo empresarial caiu?
Isso, infelizmente, vai custar uma geração. Não vamos resolver no curto prazo porque a crise é de valores. Vivemos um sistema contaminado por práticas que precisam ser superadas. Vai ser muito mais lento do que todos gostaríamos, mas tem uma saída: educar e alertar as pessoas. Por outro lado, nós passamos por algo terrível, mas vejo vários clientes em um despertar grande para essa nova realidade. As pessoas e empresas acordaram para o problema, estão se prevenindo, estabelecendo regras muito mais claras. O processo vai levar algum tempo, mas é saudável para o Brasil, para que possamos dar um salto em direção ao futuro.

Quais você diria que são as três características essenciais para o bom empreendedor? E para um bom líder?
O empreendedor tem que ter uma enorme dose de ousadia, inovação, coragem e determinação. Ousadia para perceber o negócio, inovação para criar algo diferente e coragem, porque ser empreendedor no Brasil demanda isso. O sistema aqui desestimula o empreendedorismo.

Em relação ao líder, ele precisa ter caráter, objetivo e saber direcionar um caminho. A cola que une tudo é ter um propósito muito claro. A outra característica é ser um formador de outros líderes, não apenas de seguidores. Tem que ser inspirador, um educador de valores. Ao mesmo tempo, precisa ser obcecados com resultados, senão fica muito poético.

Você atua muito próximo das maiores empresas do país. Qual é a sua impressão sobre os grandes desafios destas organizações?
Nos últimos anos trabalhamos com 42 das maiores empresas do Brasil. Um dos desafios é a liderança. É preciso construir aquilo que eu chamo de “capital liderança”. Há dois anos fiz uma pesquisa com 100 presidentes para saber se as empresas deles dispunham de líderes na qualidade e quantidade necessárias pra fazer frente aos desafios para 2020. Mais de 72% disseram que não. Isso é gritante, há um apagão da liderança.

O grande desafio está em formar líderes não só lá em cima, mas em todos os níveis. As empresas só pensam na diretoria. Eles não pensam no cara que é supervisor da fábrica, no gerente, e este é um grande ponto

O segundo grande desafio é a execução das estratégias. As empresas têm fracassado muito em tirar do papel e botar na prática por falta de capital humano e de comprometimento. Muitas vezes, não envolvem todo mundo que precisa estar lá na hora de decisão e depois querem que o cara vá cumprir ordem. Engajamento rima com comprometimento. Se você não engajar, ninguém vai executar.

O terceiro grande problema é o mindset em relação aos clientes. As empresas pensam muito nelas mesmas, em processos, sistemas, produtos. Falta foco realmente no cliente, o que chamo de “clientividade”, que seria o equivalente à produtividade e competitividade, mas voltadas ao cliente.

A incapacidade de formar sucessores também é outro grande problema das empresas. O último desafio eu entendo que é inovação. Nós somos um país criativo, mas não inovador. Inovação é transformar uma ideia em valor para o acionista, o cliente, as pessoas.

Como fica a “clientividade” agora que o foco está em conhecer o consumidor por meio de seus dados?
A tecnologia pode ser um obstáculo ou um facilitador. Muita gente quer usar a tecnologia e se afastar das pessoas, trata-las como números. Temos o exemplo de um banco digital que começou muito bem há poucos anos com muita força e hoje perde espaço. O erro está em apostar demais na tecnologia e não focar nas pessoas. Quanto mais sofisticada a tecnologia, maior a necessidade do contato humano.

Onde estão as referências agora que não existe mais o guru que tem todas as respostas?
Não existem mais referências. O mundo está em reconfiguração e estamos saindo de um passado que já não atende às nossas necessidades e indo em direção a um futuro que não conhecemos. É um salto no escuro. Os grandes gurus desapareceram. Há algum tempo você conseguia listar pelo menos 15 líderes brasileiros de enorme relevância. Hoje, já não somos capazes de fazer isso porque essas pessoas sumiram, envelheceram ou simplesmente se envolveram com corrupção. A referência agora é uma rede pulverizada. Temos que nos adaptar a um mundo multipolar, multifacetado e fragmentado.

E isso é bom ou ruim?
É uma nova realidade. Precisamos ir em direção a essa transição, não posso lutar contra. O mundo está muito mais fluido e volátil, longe do cenário de certezas que nos acostumamos a ter no passado. Acho fantástico: prefiro viver num mundo mais complexo do que num mundo arrumadinho, com poucas e boas referências. Sinto que é muito mais excitante e desafiador este momento em que você precisa construir a sua realidade.

Éramos coadjuvantes do sonho dos outros, hoje precisamos construir nossos próprios sonhos. É a era do protagonismo

O mundo empresarial sempre abrigou egos inflados. Como resolver esse problema em um universo que já não tem mais espaço para estrelismos?
A mudança do perfil dos negócios tende a fazer com que isso diminua, mas você ainda encontra egos inflados em muitas empresas conservadoras. Tem gente que ainda acredita naquelas máximas batidas do tipo “O segredo é alma do negócio”, “Manda quem pode e obedece quem tem juízo” e “Pago as pessoas para fazerem, não para pensarem”. Essas pérolas, completamente ultrapassadas, ainda existem, mas ficam cada vez mais raras. Estas pessoas, esses egos inflados, logo se tornarão obsoletos. O tempo e a idade chegam. A nova geração tem outros valores.

Como você, na posição de influenciador da liderança, faz para não ter seu ego inflado?
Olha, eu estou escaldado (risos). Tudo o que montei na vida foi para servir ao outro. Não tenho esse apego de que as coisas precisam convergir para mim. O conceito da “clientividade” é justamente esse: colocar o cliente no centro de tudo. Uma empresa não pode ter o foco no líder. O centro é o cliente, sempre.

Qual é a característica mais relevante você procura em um profissional para trabalhar com você?
O essencial é garra, vontade e sonho. A pessoa deve ter claro aonde quer chegar. Para mim, o importante não é de onde as pessoas vieram, onde elas estão, mas aonde querem chegar.

E quais são os defeitos imperdoáveis?
A arrogância é o mais complicado. Dissimulação, falsidade de propósitos, falta de integridade. Estas coisas não consigo aceitar. A habilidade com o trabalho em si não é o mais importante porque isso você aprende. O desejo, o sonho, a determinação, estas sim são coisas fundamentais. A curiosidade também é algo que valorizo muito. A capacidade de não aceitar as coisas como elas são. Detesto o comodismo, gente que fica paradinha só esperando a bola chegar para fazer o gol.

No Brasil as camadas mais privilegiadas da sociedade têm acesso à educação e a chance de ocupar espaços importantes em grandes empresas. Como você analisa este cenário de tão pouca diversidade?
Esse elitismo é um problema para as empresas que precisam entender melhor a realidade do Brasil. Há pouco tempo uma companhia me contratou com o desafio de desenvolver um produto feminino para as classes C e D. Eles criaram um departamento para pensar nisso, mas o negócio não andava. Sugeri que eles integrassem à equipe pessoas das classes C e D e a organização contratou 80 mulheres com este perfil. Com estas colaboradoras lá dentro, tiveram tempo de entender as necessidades deste público. São coisas que uma pesquisa de mercado não é capaz de mostrar. Com este esforço, eles desenvolveram uma linha inteira de produtos com ótimos resultados de vendas. A moral da história é:

O elitismo de querer que gente de um nível econômico elabore os produtos que vão atender pessoas que vivem outra realidade não dá certo. É preciso diversidade, não apenas de sexo ou cor, mas gente com diferentes bagagens, ideias e histórico social

Na prática, como você trabalha para levar essa diversidade às empresas?
Chamo o presidente, dois vice-presidentes, três diretores, cinco gerentes, mas também convido supervisores, mulheres, homens, homossexuais, gente jovem, os mais velhos. Preciso reunir um time diverso para gerar resultados, fazer um microcosmo do que é a empresa. É aí que as coisas fluem, que as ideias e a inovação nasce. Tenho feito muita mentoria reversa, de ter um jovem trainee sendo mentor de um colaborador sênior.

Ainda tem sentido as pessoas se deslocarem e ficarem confinadas em escritórios, no lugar de priorizar o remoto, com home office, por exemplo?
Sempre vai ser um mix. Vamos ter coworking, home office e, claro, os escritórios mais tradicionais. O balanço entre estas possibilidades é muito saudável. A regra rígida de trabalhar das 9h às 18h não funciona mais para muitas funções. O trabalho também precisa ser mais coletivo e colaborativo do que é hoje.Em geral, entendo que as empresas precisam se fragmentar, oferecer outras possibilidades.

Você falou muito sobre propósito. Qual é o seu?
O meu propósito é ajudar a viabilizar os sonhos do empreendedor brasileiro. Outro é criar empresas mais saudáveis e, assim, realmente contribuir com o desenvolvimento do país.

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